Atualmente cobertas de rejeito da mineração de ferro decorrente do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, as margens dos rios e a mata ciliar que as habitam são o foco da pesquisa em Ecofisiologia e Bioquímica Vegetal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O estudo, coordenado pelo professor do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Paulo Henrique Pereira Peixoto, tem como objetivo investigar e desenvolver tecnologias que permitam restaurar a mata ciliar presente das margens dos rios afetados, utilizando plantas resistentes às condições adversas do ambiente. Em abril deste ano, o projeto foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), no edital Tecnologias para a Recuperação da Bacia do Rio Doce.
Segundo Peixoto, o resultado da pesquisa deverá contribuir para a recuperação inicial, gerando dados para o estabelecimento de metodologias para a restauração das matas ciliares da Bacia do Rio Doce, um processo longo e que deverá ser continuado. A restauração das matas ciliares é fundamental não apenas para restaurar a fertilidade do solo, como também para reter os detritos e impedir que esses retornem ao leito do rio.
Trabalhando em conjunto com a natureza
Para a avaliação empírica da pesquisa, Peixoto e sua equipe irão testar misturas desse solo empobrecido com solos férteis de outras regiões, ricos em nutrientes. O objetivo, conforme ele explica, é determinar em quais proporções é possível que as plantas se desenvolvam melhor. “Nós estamos utilizando espécies reconhecidas como adaptadas a recuperação de áreas degradadas. As leguminosas, de um modo geral, tem a capacidade de fixar nitrogênio da atmosfera no solo. Esse macronutriente, fundamental para as plantas, não se encontra disponível no solo degradado. Mas devido a essa capacidade, é esperado que essas plantas desenvolvam mesmo nessas condições”, explica.
Com uma duração de dois anos, a pesquisa terá como primeira etapa a coleta de amostras do solo na região impactada da bacia do Rio Doce. Esse material será analisado em laboratório, visando caracterizar sua composição química. Posteriormente, os pesquisadores irão cultivar algumas espécies de leguminosas lenhosas (monjoleiro, pata-de-vaca; pau-jacaré, etc) e herbáceas (crotalária e mucuna-preta) em vasos contendo diferentes proporções do rejeito da barragem na bacia do Rio Doce e solos de reconhecida fertilidade.
Além das plantas envasadas no laboratório, a pesquisa incluirá um “estudo piloto” na própria margem do rio, onde o mesmo processo de análise de solo e desenvolvimento dos espécimes será realizado.
Maior desastre ambiental da história brasileira
Com o rompimento da Barragem do Fundão, nos arredores de Mariana (MG), o rejeito da extração de ferro, operada pela empresa Samarco, foi despejado no Rio Gualaxo, um afluente do Rio Doce, provocando uma enxurrada de lama que atingiu diversos municípios da região e teve imenso impacto nas condições do rio. Esse é o maior desastre ambiental já registrado no Brasil. Entre os municípios de Bento Rodrigues e Santa Cruz do Escalvado (onde a maior parte da massa de rejeitos foi contida na Represa de Candonga), as matas ciliares foram arrancadas pela onda de lama e detritos da mineração, que se depositaram nas margens do rio, tornando-as quase estéril.
Segundo o professor, além do imenso impacto na biodiversidade e nas condições bioquímicas do solo, o acúmulo desses resíduos nas margens pode provocar um constante assoreamento do leito do rio, especialmente durante os períodos chuvosos. Dessa forma, a restauração das matas ciliares auxilia na fertilidade do solo e na retenção de novos detritos que prejudiquem os rios. “É uma pesquisa ampla, que vai combinar a geração de conhecimento com uma aplicação prática, contribuindo para solucionar um problema grave e de solução bastante complexa”, avalia Peixoto.
Além de oferecer um direcionamento para os esforços de restauração da bacia, esse estudo irá oferecer uma formação prática e teórica aos pesquisadores e alunos de IC e pós-graduação envolvidos. O financiamento da Fapemig será destinado à compra de equipamentos importantes e materiais de consumo, além de contar com uma bolsa de pós-doutorado.
Para o professor, o Estado está assumindo um ônus que deveria ser das empresas responsáveis. No entanto, o financiamento governamental está sendo fundamental para a investigação dos impactos do acidente e para a proposição de soluções. “Restaurar as matas ciliares é a primeira etapa de um longo processo. Apesar do nosso projeto ter um prazo de dois anos de duração, espero que ele tenha continuidade, e que parta da Samarco-Vale-BHP, responsáveis pela barragem, o apoio para tal. Por hora, nossa responsabilidade de entregar os resultados é compartilhada com a UFJF”, concluiu.
O trabalho também conta com a colaboração de professores do Departamento de Bioquímica da UFJF, Embrapa-Gado de Leite, UFV e do IFET-Ouro Branco. Além da pesquisa da UFJF, outros 28 projetos foram aprovados pelo edital da Fapemig, entre os 145 submetidos. A iniciativa da fundação se divide em três linhas teóricas: recuperação do solo; recuperação da água; e recuperação da biodiversidade, na qual o trabalho coordenado por Peixoto está inserido.