O Brasil atingiu a menor taxa anual de crescimento da população, segundo os primeiros dados divulgados do Censo 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desde 2010, o ano em que foi realizado o Censo Demográfico anterior, o número de habitantes do país cresceu 6,5%, representando uma taxa de crescimento anual de 0,52% – menos da metade do que a da década anterior (1,17%). Esse é o menor índice já observado desde a primeira operação censitária do país, realizada em 1872. O que isso pode significar? Nossa equipe conversou com pesquisadores da UFJF para esclarecer dados e entender melhor como funciona o Censo.
Em agosto de 2021, o IBGE publicou uma estimativa para a população brasileira e, conforme indica a projeção do instituto, a população do país chegaria aos 213,3 milhões de brasileiros, quase 10 milhões de pessoas a mais do que o número oficial divulgado pelo Censo do ano passado. Para o professor Marcel Vieira, do Departamento de Estatística da UFJF, é importante destacar que a projeção populacional feita pelo IBGE há dois anos levou em consideração os dados de 2010, que já estavam defasados.
Contudo, o último Censo foi realizado dois anos após a data em que deveria ter acontecido inicialmente. Vieira aponta a pandemia da Covid-19 em 2020 e os cortes orçamentários realizados pelo Governo Federal em 2021 como os motivos para esse atraso. O pesquisador reitera: “certamente o atraso na realização do Censo dificultou a elaboração, a aplicação e a avaliação das políticas públicas dos municípios, dos estados e também do Governo Federal.”
Vieira destaca outros possíveis fatores para a diferença observada, entre os quais crises de saúde e econômicas. Ele explica que, em meados da década passada, o Brasil foi atingido simultaneamente por uma grave crise econômica e pela epidemia do Zika Vírus, eventos que motivaram muitas pessoas a postergar a decisão de ter filhos devido aos riscos associados à situação. Há, além disso, o impacto do coronavírus. “A pandemia de Covid-19, que provocou, pelo menos, um milhão de óbitos a mais do que era esperado no Brasil, também contribuiu para essa diferença. Assim como, na segunda metade da década passada, o país passou por uma grave crise política que, associada à crise econômica, também pode ter aumentado o número de brasileiros que migraram para o exterior”.
Análises econômicas
De acordo com o coordenador Ricardo Freguglia, do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE-UFJF), o freio populacional tem certo impacto na economia nacional. “Um menor crescimento da população gera impactos na oferta de mão de obra futura do mercado de trabalho, podendo afetar o crescimento do país. As informações dadas pelo Censo são imprescindíveis para a elaboração de previsões e a criação de cenários econômicos para os próximos anos.”
Os dados do Censo são cruciais para o planejamento, previsão e criação de cenários econômicos futuros. “Desta forma, os recursos econômicos podem ser alocados da melhor maneira possível para gerar um maior bem estar social para toda a população. As políticas públicas também podem ser delineadas a partir da riqueza de dados do Censo, permitindo melhores alocações de recursos dentre as diversas áreas e setores de atividade do país”, comenta Freguglia.
A pesquisa censitária permite realizar análises socioeconômicas mais completas, propondo políticas públicas e fazendo previsões e cenários para o crescimento e desenvolvimento brasileiro. Ao longo dos próximos meses, o IBGE liberará informações mais aprofundadas sobre a situação de vida da população em cada um dos municípios e localidades do país, que, em conjunto, permitem investigar, por exemplo, as desigualdades socioeconômicas por cor ou raça no Brasil, identificando quais os seus fatores determinantes.
Freguglia expõe que as possibilidades de análise econômica são vastas. “É possível realizar avaliações do mercado de trabalho brasileiro, identificando a faixa etária, sexo, tempo de emprego e taxa de informalidade da população em cada município do país. Também há a possibilidade de investigação da imigração no país, quais os impactos no mercado de trabalho local, dentre outras análises.”
Grande fonte de dados
O professor Marcel Vieira explica que o Censo é a maior e principal pesquisa que envolve coleta de dados no Brasil e que o IBGE utiliza métodos de investigação que são adotados por outros institutos de estatística oficiais ao redor de todo o mundo. “O censo demográfico é a fonte de dados que, além de sua abrangência temática, da sua cobertura geográfica nacional e da sua ampla capacidade de detalhamento geográfico, fornece informações básicas para as demandas de pesquisas e políticas públicas nas áreas de saúde, educação, saneamento, emprego e dimensionamento do público-alvo dos programas sociais em cada município do Brasil.”
É a partir dos dados levantados pelo Censo que o governo, em suas esferas municipal, estadual e federal, pode elaborar políticas públicas ou aprimorar as já existentes de forma a atender melhor às necessidades que são identificadas pela pesquisa. Para ilustrar, o professor traz um exemplo sobre a distribuição de vacinas: “o censo identifica a quantidade de habitantes de cada município, em número total, por faixa etária e por sexo. A partir desses dados, o Ministério da Saúde pode decidir quais vacinas comprar, em quantas doses e quais tipos e quantidades enviar para cada um dos municípios”, ilustra Vieira.
Diferentes informações
“As informações de perfil também são coletadas com detalhe apenas no censo demográfico, como noções sobre a população indígena, quilombolas, vilas e favelas, entre outros. Em outros termos, várias populações, principalmente as mais vulneráveis e que merecem mais atenção das políticas públicas, são identificadas e quantificadas somente pelo censo demográfico”, afirma o professor e pesquisador Reinaldo Santos, do Núcleo de Pesquisa Geografia, Espaço e Ação (NuGea) da UFJF.
Segundo o professor, a desagregação das informações censitárias permite análises microeconômicas, capazes de caracterizar o nível de educação de uma população, movimentos migratórios ou análises de oferta e demanda de mão de obra, por exemplo. “A caracterização das famílias e domicílios também é de grande relevância, permitindo identificar o público-alvo de beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família.”
Entre os dados já liberados pelo Censo 2022, foi identificado um aumento de 34% no número de domicílios frente ao penúltimo Censo. Entretanto, ainda que a pesquisa mostre esse aumento (de 67,5 milhões em 2010 para 90,6 milhões em 2022), outro dado relevante é quanto à média de moradores por casa: em 2010, eram 3,31 moradores por domicílio. Em 2022, o número caiu para 2,79.
Santos concorda que os números podem estar relacionados a uma mudança nas estruturas das famílias do país. “A família mudou diante da queda da fecundidade acelerada no Brasil, reduzindo seu tamanho. Da mesma forma, o aumento da longevidade e novas formas de arranjo familiar proporcionaram domicílios com um número menor de pessoas”. Ele faz uma previsão de que os dados detalhados do Censo provavelmente irão indicar um grande número de casais com um ou nenhum filho e indivíduos morando sozinhos, em especial idosos, como uma parcela expressiva da população.
O pesquisador conta que, dessa forma, as informações trazidas pelo Censo 2022 não são novidade para os “estudiosos de população”. “Sabíamos que o crescimento populacional reduziria seu ritmo e algumas regiões poderiam apresentar índice negativo. Não sabíamos o quanto, mas imaginávamos que as crises econômicas, o cenário de instabilidade política desde 2016 e a pandemia iriam acentuar o cenário. Com os dados, vemos que é possível que o Brasil apresente já na próxima década um crescimento negativo. Algo que a ONU previu acontecer apenas em 2047.”
Outras informações:
Departamento de Estatística da UFJF