O mês de julho é dedicado às mulheres negras. Nesta terça-feira, 25, são celebrados três eventos importantes: O Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Afro-Caribenha, o Dia Municipal da Mulher Negra Cirene Candanda e o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Personagens que revolucionaram a história no combate ao racismo e discriminação em busca da liberdade de seus povos.

O Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Afro-Caribenha, o Dia Municipal da Mulher Negra Cirene Candanda e o Dia Nacional de Tereza de Benguela são celebrados nesta terça, 25 de julho (Foto: Pixabay)

Mesmo após 135 anos da abolição da escravatura, ainda há muitos resquícios de um sistema que oprime e desvaloriza as mulheres negras, trazendo sofrimento com o duplo preconceito, por conta de gênero e de raça. Para se ter uma ideia, uma pesquisa do Monitor de Violência e Secretaria de Segurança Pública dos Estados, publicado pelo G1 em 2020, mostra que três a cada quatro mulheres negras são assassinadas no Brasil, o mesmo dado se refere aos casos de feminicídio. Ainda de acordo com a pesquisa, metade das mulheres são vítimas de estupro, o que inclui também crianças e adolescentes. Por fim, metade das mulheres negras sofreram lesão corporal em decorrência da violência doméstica.

Outra triste realidade enfrentada pelas mulheres negras é a desigualdade de renda. De acordo com a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, as mulheres negras recebem menos da metade do salário de um homem branco.

Cirene Candanda
Militante e defensora das causas sociais, Cirene Izidorio Candanda foi integrante da Juventude Operária Católica, da Pastoral do Negro Kaiode e do Fórum da Mulher Negra. Além disso, ela também compunha o Conselho Municipal de Valorização da População Negra e a Secretaria de Combate ao Racismo do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores (PT).

Cirene Candanda foi integrante da Juventude Operária Católica, da Pastoral do Negro Kaiode e do Fórum da Mulher Negra (Foto: Prefeitura de Juiz de Fora)

De acordo com a professora e coordenadora do projeto “Juiz de Fora, Cidade Negra”, Giovana Castro, a pauta racial era muito importante para ela. Além disso, Cirene esteve à frente de diversas bandeiras. Todas elas tendo como epicentro o direito ao direito.

“Ela integrou uma geração de mulheres que, assim como minha mãe, fizeram uma conexão essencial com o interseccional muito antes dessa discussão aparecer nos ciclos universitários. Cirene, junto com dezenas de outras mulheres negras, mudou a forma como Juiz de fora se organiza e se pensa.” É considerada cidadã benemérita juiz-forana e faleceu em 20 de novembro de 2006. O dia 25 de julho é dedicado à militante, de acordo com a Lei Municipal n° 11.478 de 2007.

Tereza de Benguela
Outra grande mulher foi Tereza de Benguela. Considerada a rainha negra quilombola no século XVIII, Benguela comandou o Quilombo Quariterê, localizado no Vale do Guaporé, em Vila Bela da Santíssima Trindade, no estado do Mato Grosso. Após ter seu marido morto pelas forças coloniais, Tereza esteve à frente da comunidade composta por indigenas e negros, que trabalhavam e comercializavam produtos como de feijão, milho, mandioca, banana e algodão.

Considerada a rainha negra quilombola no século XVIII, Benguela comandou o Quilombo Quariterê, localizado no Vale do Guaporé, em Vila Bela da Santíssima Trindade, no estado do Mato Grosso (Imagem: Reprodução)

Acabou sendo retirada do quilombo e presa. De acordo com pesquisas, Benguela foi vítima de maus-tratos e era privada de se alimentar. Ela morreu em decorrência da violência sofrida e teve a sua cabeça cortada e exposta na praça do quilombo. Em outras versões da história, é relatado que Tereza teria tirado a própria vida, devido ao sofrimento em que lhe foi imposto.

A lei 12.987 institui o Dia Nacional de Tereza Benguela e da Mulher Negra em 25 de julho de 2014. A história de vida da quilombola se tornou o enredo “Tereza de Benguela: Uma rainha negra no Pantanal”, da Unidos do Viradouro, do Rio de Janeiro, em 1994.

Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas
No dia 25 de julho de 1992, aconteceu o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, na República Dominicana. Na ocasião foi estabelecido o reconhecimento da data em celebração ao dia das mulheres negras, que surgiu para dar visibilidade à luta destas mulheres contra o preconceito de gênero, raça e exploração.

Além das questões sociais
Para Giovana, mulheres não brancas estão nas estatísticas mais violentas no Brasil em quadros severos que vão de violência obstétrica à exposição a índices alarmantes de miserabilidade. Além disso, elas padecem de pobreza menstrual e escolaridade precarizada.

“Precisamos colocar a democracia como uma construção de fato coletiva. Devemos também estabelecer parâmetros reais para a sua efetivação, de forma a reconhecer a dimensão do peso das intersecções de raça, classe, gênero e território que obstaculizam essa democracia. Também é necessário pautar a dimensão de quem se privilegia da manutenção dessas desigualdades.”

Segundo a pesquisadora e professora do Colégio de Aplicação João XXIII, Carolina Bezerra, mesmo com o fim da escravidão, não houveram políticas públicas que pensassem de forma especifica as dimensões de gênero, raça e classe social articuladas. “Após a abolição e com a vinda de um processo de branqueamento da população brasileira e da chegada dos imigrantes europeus, existem processos de pauperização e de feminilização de alguns trabalhos que colocam como foco o corpo da mulher negra, com baixa remuneração e menor prestígio na sociedade brasileira”, explica.

Quando analisamos vários dados, percebemos que o homem branco ocupa o topo dessa pirâmide, depois a mulher branca, depois o homem negro, e, depois, a mulher negra. (…) Precisamos de políticas que incidam diretamente sobre o racismo estrutural, sobre o racismo institucional da sociedade brasileira, que afeta as mulheres negras de uma forma muito peculiar. (Carolina Bezerra, pesquisadora e professora do Colégio de Aplicação João XXIII)

“Quando analisamos vários dados, percebemos que o homem branco ocupa o topo dessa pirâmide, depois a mulher branca, depois o homem negro, e, depois, a mulher negra. É muito urgente e necessária a implantação de políticas institucionais, políticas de permanência, de ações afirmativas, de investimento em formação, políticas que vão diminuir essa desigualdade salarial e de saúde, por exemplo. Precisamos de políticas que incidam diretamente sobre o racismo estrutural, sobre o racismo institucional da sociedade brasileira, que afeta as mulheres negras de uma forma muito peculiar.”

Carolina ainda observa que os eventos celebrados nesta terça tratam de mobilizações intelectuais oriundas de movimentos sociais que foram construindo a pauta, demonstrando a urgência em discutir o assunto. Ela também relata sobre os avanços conquistados desde então, como as políticas públicas voltadas à educação, e as leis 10.639.03 e 11.645 .08, que estabelecem como obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena em escolas.

“É uma pauta que tem cada vez mais sido comentada, valorizada, sendo articulada em conferências, discussões e trabalhos políticos para pensar ações específicas para esse grupo, com uma visão que reconheça a importância da defesa dos direitos humanos voltados a esses grupos específicos.”

A professora descreve como é ser uma mulher negra na sociedade brasileira. De acordo com ela, os corpos das mulheres negras se encontram marcados, vistos e percebidos como corpos que nasceram para servir, cuidar, educar e para doar. Ela diz que, na dimensão de gênero e raça, são promovidos vários agenciamentos e posições que a mulher negra vai ocupar e que, de uma certa forma, afetam na dimensão do machismo, do racismo e, dependendo de outros marcadores sociais, da diferença que essa mulher negra possui.

Há aspectos que nos atingem de uma forma muito direta e de forma que as pesquisas e os dados sobre violência, escolaridade, número de mulheres que chefiam famílias vão demonstrar que dá para falarmos enquanto uma categoria. Mas, ao mesmo tempo, subjetivamente, a forma como cada uma de nós vivenciamos ser mulher negra na sociedade é muito pessoal e impacta diferentemente as nossas subjetividades.”

População negra de Juiz de Fora
Antes de se tornar uma cidade, Juiz de Fora se chamava Santo Antônio do Paraibuna. Na época, o arraial era sustentado pela importação de africanos escravizados. A tradição cafeeira consolidou-a como a principal cidade escravista de Minas Gerais, de acordo com dado ratificado pelo censo de 1872, em que 2/3 da população local eram compostos por negros escravizados.

A força da escravidão no município fez do entorno de Juiz de Fora cenário privilegiado de muitas das pesquisas pioneiras sobre a história social do pós-abolição no antigo sudeste escravista. Para Giovana, a historiografia da cidade se caracterizou por um modelo de transformar o município que abraçou o discurso da modernidade. 

“Isso não é uma característica exclusiva de Juiz de Fora. O que acaba tendo uma ruptura como se emergisse um capital que ninguém questiona quais as origens dele – e que é um capital oriundo da exploração escravocrata – e a cidade se apresenta como moderna na virada do século XX, como se tivesse nascido do trabalho imigrante do modelo de modernidade, sem considerar toda a ligação que há entre essa modernidade e a exploração da escravidão.”

O Projeto Juiz de Fora: Cidade Negra possui um acervo com diversos trabalhos como registros documentais e imagéticos, que foram cedidos pela população de Juiz de Fora, de forma a reverter a invisibilidade da experiência negra, que ainda persiste na memória pública como forma de dar visibilidade à memoria dos negros que passaram pela cidade.

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