Existir, pertencer, se expressar e simplesmente ser. O Forum da Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) é um espaço plural que busca receber, acolher e dar protagonismo a todas as pessoas e manifestações artísticas. No mês do orgulho LGBTQIAPN+, esse compromisso é reforçado por meio da mostra “Fotografia Surrealista e Subversão Queer”, da multiartista Alice Ruffo, em exibição na Galeria de Arte até 27 de junho, com visitações gratuitas, de segunda a sexta, das 10h às 19h.
Composta por mais de 15 obras, realizadas desde 2022, a exposição propõe um mergulho visual na subversão queer por meio da fotografia surrealista, explorando corpos, identidades e expressões dissidentes. A artista busca provocar questionamentos sobre gênero, normatividade e a plasticidade do corpo na arte, oferecendo ao público uma experiência estética e política.
As fotografias expostas são resultado da colaboração entre Alice Ruffo e artistas residentes e atuantes em Juiz de Fora, convidados a expressar sua visão e corporeidade dentro desse universo visual. “A mostra surge a partir de um estudo estético no universo da fotografia profissional em estúdio. Com luz controlada, cenário milimetricamente planejado e intervenções de moda, foram construídas imagens que representam uma hipérbole das identidades de artistas e ‘parceires’ cujos trabalhos compõem a cena queer juiz-forana”, explica Alice.
“O elemento surreal promove uma sinergia entre a pessoa fotógrafa e os corpos retratados de uma forma que beira a ludicidade. Foram ‘convidades’ trabalhadores da cena cultural, artistas e colaboradores cuja estética revelava um potencial latente para a exploração do surreal. Esses corpos foram recebidos no estúdio Viga e registrados a partir da ótica de alguém que também transita por essa dimensão.”
A partir das fotos cruas e de um olhar técnico e sensível, foram editadas cores, texturas e elementos, criando um diálogo entre o universo queer e a escola surrealista. A pós-edição – frequentemente invisibilizada – assume protagonismo como processo de manufatura, em contraste com o zeitgeist atual das inteligências artificiais.
Mesclando realidade e fantasia, desafiando convenções visuais e narrativas normativas, as fotografias permitem que os visitantes entrem em contato com o surrealismo, uma potente vanguarda artística. Alice busca em artistas deste estilo algumas das inspirações para suas criações.
“Eu trabalho com fotografia de moda há muitos anos, quando, inclusive, tinha minha própria marca. Dentro dela, sempre quis criar estruturas de editoriais o mais surrealistas possíveis. Ao longo desse processo, estudei artistas como Salvador Dali e, principalmente, Elsa Schiaparelli. A profundidade de suas obras, a forma como as figuras aparecem, me chamaram a atenção. Nesta exposição, escolhi justamente peças que não mostram tanto os rostos, que trazem algumas distorções de formas, que é justamente onde eu conecto com o surrealismo.”
As imagens transitam entre o documental e o artístico, utilizando luz e composição para criar narrativas visuais envolventes. As obras são predominantemente inéditas, com exceção de algumas que já foram exibidas em redes sociais e portfólios on-line.
As fotografias, captadas com uma câmera DSLR profissional, garantem alta qualidade e profundidade visual. O processo de pós-produção inclui edição minuciosa em softwares profissionais, em que ajustes de cor, textura e luz são trabalhados para potencializar a atmosfera surrealista. Além disso, algumas imagens incorporam elementos de arte digital, ampliando a dimensão estética e conceitual da exposição. As obras são impressas em papel fine art, que preservam a fidedignidade das imagens captadas e trabalhadas.
Alguns dos destaques da exposição são as fotografias da série “Sacra”. Os trabalhos são a ponta final de um processo iniciado por Alice Ruffo em um período que passou na França. A multiartista saía para fotografar a cidade de Paris por horas, utilizando um aparelho celular para captar imagens de ambientes como catedrais e cemitérios. Em suas andanças, fotografou vitrais da Faculdade de Artes e Ofícios e também de um mausoléu. A partir dessas fotografias, com a utilização de artifícios digitais, criou um padrão de estampa e a reproduziu em um lenço de seda. Ao retornar ao Brasil, fotografou pessoas queer do seu ciclo íntimo utilizando tais peças. Os resultados estão em exibição.
A mostra no Forum da Cultura é a primeira em formato individual da artista, que celebra esse importante passo para toda a comunidade. “É a primeira vez que vou me posicionar como uma representante queer, em uma exposição dentro do mês do orgulho. É muito gratificante, pois sempre quis fazer algo sobre isso. Muitas pessoas não entendem o trabalho, ficam confusos, mas o objetivo dessa exposição é mostrar que o que fazemos é arte e não uma provocação apenas. Queremos ampliar a representatividade no circuito artístico, além de instigar novas formas de ver e sentir o mundo.”
Alice Ruffo foi uma das artistas selecionadas pelo Edital de Ocupação da Galeria de Arte do Forum 2025, cujo resultado foi divulgado no dia 28 de fevereiro.
Mais sobre a artista
Alice Ruffo nasceu em 6 de dezembro de 1991, em Barbacena (MG). Formada em Design de Moda pelo Centro de Ensino Superior (CES) Juiz de Fora, é fotógrafa e artista visual com mais de dez anos de experiência, especializada em fotografia de moda, manipulação de imagem, direção de arte e criação de conteúdo.

Alice Ruffo se destaca pelo olhar apurado para a estética e um forte vínculo com a arte e a performance (Foto: Divulgação)
Com um olhar apurado para a estética e um forte vínculo com a arte e a performance, ela se destaca na criação de imagens impactantes que refletem o estilo e a essência de seus clientes. Alice é diretora do Viga Estúdio, em Juiz de Fora, e da marca autoral de roupas Trick and Treat (2013-2022), e possui experiência internacional em colaboração com a estilista Nathalie Garçon. criadora do projeto Madame, que explora uma fusão entre arte, moda e audiovisual.
Ela participou da exposição coletiva do IX Seminário de Pesquisas em Artes, Cultura e Linguagens (Spaclujf), realizada em 5 de novembro de 2024, na Galeria Guaçuí, da UFJF, como integrante do Coletivo Difluência, apresentando a obra “Matrimônio Mata”, desenvolvida originalmente como performance para a festa “Súbita”, idealizada por Cléber Kureb Horta e realizada no Museu Ferroviário em 2 de novembro de 2024.
Também participou do evento Sexta Sei, de Fabiano Moreira, em 13 de julho de 2024, onde performou como “Madame”, ao lado de Marcella Calixto e Jhully Oliveira, criando ao vivo um editorial de moda a partir de uma intervenção em dança experimental. Além disso, atua no Coletivo Difluência como expositora e diretora executiva, contribuindo em ações realizadas em espaços como o Viga Studio, Maquinaria, Canil Recs, Rise Together e outros locais de efervescência artística em Juiz de Fora.
Durante a Virada Cultural de 2024, integrou o projeto Virada Cultural, promovido pelo coletivo Exo Criativo, no qual o coletivo apresentou a oficina Artes e Ofícios, voltada a práticas autorais em moda e visualidade.
Orgulho LGBTQIAPN+
O orgulho LGBTQIAPN+ é um conceito que celebra a diversidade de gênero e orientação sexual, promovendo a visibilidade, a igualdade e a luta contra a discriminação. A sigla representa lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer, intersexo, assexuais, pansexuais, não-binários e outras identidades, todas com direito à sua própria história e ao orgulho de quem são.
O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado em 28 de junho, tem suas raízes na Revolta de Stonewall, em 1969, quando frequentadores de um bar em Nova York (EUA) se rebelaram contra a violência policial e a discriminação. A revolta e os movimentos seguintes impulsionaram a luta por direitos e a visibilidade da comunidade, que continua até hoje.
O movimento busca garantir a igualdade de direitos e a inclusão social de todas as pessoas, independentemente de sua identidade ou orientação sexual. Promover o orgulho significa garantir que as pessoas LGBTQIAPN+ sejam vistas e reconhecidas, com seus direitos e necessidades atendidas.
A sigla LGBTQIAPN+
L – Lésbicas: Mulheres que sentem atração por outras mulheres.
G – Gays: Homens que sentem atração por outros homens.
B – Bissexuais: Pessoas que sentem atração por pessoas de diferentes gêneros.
T – Trans: Pessoas com identidade de gênero diferente daquela atribuída ao nascer.
Q – Queer: Pessoas que não se identificam com as categorias tradicionais de identidade de gênero e orientação sexual.
I – Intersexo: Pessoas que nascem com características sexuais que não se encaixam nos padrões binários de homem e mulher.
A – Assexuais: Pessoas que não sentem atração sexual.
P – Pansexuais: Pessoas que sentem atração por outras pessoas, independentemente do gênero ou identidade de gênero.
N – Não-binários: Pessoas que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino, ou que se identificam com vários gêneros.
+ – Mais: A sigla inclui outras identidades e orientações sexuais que não estão representadas nas letras anteriores.
Cultura Ballroom
A cultura ballroom – preta, latina e LGBTQIAPN+ – se caracteriza por ser um movimento de grande relevância na luta pela diversidade e para que as pessoas tenham cada vez mais abertura para ser quem elas são verdadeiramente. Trata-se também de um movimento político e de entretenimento, que visa fortalecer a diversidade de sexualidade, gênero e raça.
A cultura ballroom é construída por pessoas trans e queer negras, principalmente, muitas delas jovens e sem casa. Ela surge nos subúrbios de Nova York (EUA), nos anos de 1970, e, aos poucos, ganha os holofotes, sendo integrada à cultura pop. Sua difusão permite que corpos marginalizados ganhem destaque e voz perante o mundo.
Neste movimento, surge uma espécie de baile, chamado ballroom. Trata-se de uma competição amigável entre as “Houses“, ou “Casas”, que são grupos estabelecidos como “famílias escolhidas”. Nos ballrooms, as houses competem em diferentes categorias, que podem ser desde figurinos e atitude até de habilidades performáticas como o voguing, estilo de dança oriundo da cena ballroom de Nova York, referenciado por Madonna em seu hit “Vogue”, de 1990.
Ao longo do tempo, a cultura ballroom torna-se sinônimo de luta pela diversidade e resistência. E segue sendo um espaço de celebração e acolhimento para a comunidade LGBTQIAPN+, especialmente pessoas trans, negras e travestis.
No Brasil, os primeiros passos desse movimento são dados nos anos 2000, inclusive com cursos de voguing na região sul do país, e eventos, como o BH Vogue Fever, em Belo Horizonte, no ano de 2015. A ideia de comunidade é introduzida em 2011, através da House of HandsUp, sob o comando da mother Kona, em Brasília. Em paralelo, outras figuras relevantes passam a propagar a cultura em novas houses espalhadas por todo o país.
Em Juiz de Fora uma das representantes dessa cultura é a The Loyal House of Cabal, coletivo presente e ativo na Cena de Baile (Ballroom) há seis anos. Fundada pela Legendary Mother Tanesha Cabal, conta com a presença de mais de 60 pessoas espalhadas pelo país, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Sul. Em Juiz de Fora, o capítulo tem a presença de nove pessoas: Joá Rodrigues, João Pedro, Juan Souza, Layla Vitória, Mirella Lopez, Raryella Costa, Thalissa Souza, Tonny Stwarth, Vitor Lima.
A House of Cabal é um coletivo diverso, artístico, trabalhando áreas como publicidade, dança, fotografia, produção executiva, performance, design, som, moda e costura. O grupo constrói, desta forma, uma rede plural de acolhimento, ação e produção cultural, que prioriza o reconhecimento e expansão de pessoas LGBTQIAPN+, em especial pessoas trans e não brancas.
Outras informações
Forum da Cultura – Rua Santo Antônio, 1112 – Centro – Juiz de Fora
www.ufjf.edu.br/forumdacultura
E-mail: forumdacultura@ufjf.br
Instagram: @forumdaculturaufjf
Telefone: (32) 2102-6306
