Animais Angola - Foto FRANCIANY Braga

Rebanho de elandes e zebra, em Angola, país que viveu 27 anos de guerra civil (Foto: Franciany Braga)

Em uma guerra, pouco se fala sobre como a vida selvagem é afetada por conflitos armados. Em Angola, assolada por uma guerra civil que se estendeu de 1975 a 2002, houve redução em 77% das espécies de mamíferos que vivem em savana. Investigação internacional liderada por pesquisadora formada pela UFJF objetiva revelar mais aspectos sobre como as disputas impactam a biodiversidade e auxiliar no retorno de grandes mamíferos a áreas de preservação, impedidos por campos minados.

A bióloga e doutora em zoologia Franciany Braga Pereira submeteu, no período em que atuou como pesquisadora pós-doutoral na UFJF, o projeto de pesquisa que recebeu o aporte de 220,9 mil euros (cerca de R$ 1,37 milhão). A profissional obteve os recursos pelo prestigiado e concorrido prêmio Marie Skłodowska-Curie Individual Fellowship.

Seu projeto obteve a nota mais alta entre as propostas aprovadas, e Franciany, também graduada em Ciências Biológicas pela UFJF, conquistou a oportunidade de escolher uma universidade do Reino Unido para desenvolver a pesquisa e dar aulas, a Universidade Metropolitana de Manchester (MMU, na sigla em inglês).  

“A pesquisa fará uma análise detalhada da biodiversidade em Angola, país que passou por 27 anos de guerra civil e que ainda conta com minas explosivas em vastas regiões importantes para a biodiversidade”, aponta Franciany. O estudo será realizado na província de Cabinda, no Norte do país, e no Delta do Okavango, próximo a Bostuana, e outras áreas de paisagens e biodiversidade no país. A profissional já realizou pesquisas sobre o tema, em Angola, e retorna ao país ainda em 2025.

Pesquisa utilizará drones com sensor infravermelho para levantamento sobre a fauna em Angola (Foto: Franciany Braga)

Além da investigação sobre o impacto de conflitos na biodiversidade, os resultados do projeto irão auxiliar ainda na retirada de minas em zonas fronteiriças do país africano para que grandes mamíferos que deixaram Angola, nos anos de guerra, possam voltar aos seus ambientes naturais. Essa ação ocorre em parceria com a organização internacional Halo Trust.

No trabalho em campo, serão utilizados drones infravermelhos que detectam os animais por sua assinatura térmica. Conforme Franciany, as atividades irão ocorrer em estreita colaboração com comunidades locais, ONGs nacionais e internacionais.

“Assim, essa pesquisa une ciência, tecnologia e saberes locais para compreender melhor o que acontece com a biodiversidade em tempos de guerra e como podemos protegê-la.”

Impactos

Estudo analisará diversas áreas do país africano, como regiões da província de Cabinda e do delta do Rio Okavango, chamado de Cubango, em Angola (Imagem: Google Maps)

Como explica a pesquisadora, os conflitos armados em Angola afetaram a biodiversidade principalmente de forma indireta, sendo consequência das transformações socioeconômicas nas regiões em guerra. Durante esses períodos, os órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental sofrem cortes orçamentários e redução no número de agentes, o que favorece práticas ilegais, como a caça e o tráfico de animais. Somado a isso, o acesso a armas de guerra, como AK-47, tornou-se fácil, as quais foram utilizadas para abater animais silvestres de modo intenso.

Em efeito cascata, as partes corporais dos animais abatidos foram comercializadas, como no mercado clandestino de marfim de elefantes, e amplamente utilizados para financiar grupos armados. Essa prática contribui para o declínio de grandes mamíferos. 

Além disso, o uso de explosivos e minas terrestres, nas áreas de conflito, provoca impactos diretos na fauna, resultando em mutilações de animais de grande porte e na contaminação do solo e da água.

Franciany Braga já realizou estudos, em Angola, em 2015; pesquisa objetiva conciliar ciência e saberes locais (Foto: Arquivo pessoal)

“O ruído constante de operações militares e explosões também causa distúrbios ecológicos, levando ao deslocamento de espécies”, acrescenta. Esses efeitos tornam a conservação da biodiversidade em regiões de conflito um grande desafio, exigindo ações coordenadas para proteger os ecossistemas e as espécies em meio à instabilidade social e política.

Conforme Franciany, nos últimos anos, mais de 80% dos locais que concentram alta biodiversidade do mundo e com urgência de políticas de conservação enfrentaram algum tipo de conflito armado.

O projeto terá duração de dois anos, mas “o mais empolgante”, como define a profissional, é o potencial de ações gerarem impacto a longo prazo. A intenção é que ele se estenda por décadas para auxiliar na redução dos impactos provocados pelos conflitos.

A experiência de desenvolver este projeto tem sido extremamente enriquecedora, pois estou colaborando com organizações internacionais, como a Halo Trust e o Civil War Department do King’s College London, que desempenham um papel essencial na mitigação dos impactos dos conflitos armados sobre a fauna e as populações humanas.” 

a

Pesquisadora escolheu a Universidade Metropolitana de Manchester para desenvolver pós-doutorado (Foto: Arquivo pessoal)

Trajetória
Graduada em Ciências Biológicas pela UFJF, em 2014, Franciany seguiu a carreira acadêmica com pós-graduações pelas universidades Federal da Paraíba, de East Anglia (Reino Unido) e de Barcelona (Espanha). Em 2023, voltou à UFJF, onde iniciou  um segundo pós-doutorado como pesquisadora, encerrado em 2024, no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade (PPGBio), onde foi supervisionada pelo professor Artur Andriolo, que também a orientou na graduação. 

Nesse retorno, foi incentivada a se inscrever no  prêmio internacional. Conta que, devido ao alto prestígio e concorrência do Marie Skłodowska-Curie Individual Fellowship, inicialmente não esperava a aprovação em sua primeira tentativa – algo usual entre muitos candidatos – mas que, pelo menos, obtivesse 70 pontos. Essa pontuação iria lhe permitir tentar novamente em 2025. Para a sua surpresa, ela não só foi aprovada na primeira submissão, como também recebeu a nota mais alta entre os projetos de 2024.

O financiamento veio por fundo do Reino Unido, permitindo que a pesquisadora recebesse um visto de talento global e escolhesse uma  universidade de renome no país para atuar. Assim, o financiamento cobre salário da profissional, auxílio para mobilidade e familiar,  além de atividades de pesquisa e capacitação da profissional.

Na Manchester Metropolitan University (MMU), a profissional está vinculada ao Departamento de Ciências, onde realiza pesquisas e dá aulas. Mas continua a orientar a aluna de mestrado Juelma Santos no PPGBio da UFJF. A estudante pesquisa a dinâmica de migração dos elefantes-da-floresta, com base em análises demográficas, sociais e ecológicas.

Franciany também pretende lecionar disciplinas na pós-graduação durante visitas à UFJF, onde poderá compartilhar os resultados e os avanços mais recentes de sua pesquisa e da experiência na universidade de Manchester.

A pesquisadora destaca ainda a oportunidade de aprender com pesquisadores de grandes instituições internacionais. Conta com o apoio da professora sênior Julia Fa, da MMU, e do professor sênior Robert Pringle, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. O projeto é financiado pelo Fundo Horizon Europe Guarantee.

Em meio a conflitos, países reduzem fiscalização ambiental e há aumento de práticas ilegais, como o comércio de marfim (Foto: Franciany Braga)

Em meio a conflitos, países reduzem fiscalização ambiental e há aumento de práticas ilegais, como o comércio de marfim (Foto: Franciany Braga)

Outras informações
Fran Braga
@franbragabio
@francigjf
Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza

Siga a UFJF nas redes sociais
Instagram: ufjf
X: ufjf_
Youtube: TVUFJF
Facebook: ufjfoficial
Spotify: ufjfoficial