Você conhece a Educação Matemática? Essa área interdisciplinar do conhecimento conta com teorias próprias e de outras áreas, como sociologia, psicologia e filosofia com foco na formação do saber. Para além de memorização de fórmulas e algoritmos, nessa vertente, o ensino da matemática é voltado à formação de indivíduos críticos, com pensamento lógico, capazes de resolver problemas e tomar decisões com base em dados e evidências.

Professor Willian da Cruz, do Departamento de Matemática da UFJF, é o sétimo entrevistado do programa IdPesquisa (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Esse é o tema da entrevista com o professor e pesquisador do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Willian José da Cruz, no sétimo episódio do programa IdPesquisa, já disponível nas plataformas digitais da UFJF. Cruz é, ainda, coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática.

O docente defende a metodologia como fundamental no tratamento da relação entre conteúdos matemáticos, estudantes e professores. Para o professor essa relação é, ainda, o núcleo do processo de aprendizagem. Na avaliação de Cruz, duas grandes metas devem ser perseguidas na educação: a primeira é o desenvolvimento pleno da cidadania e a segunda é o desenvolvimento da criatividade.

“Uma trabalha de forma mais coletiva e a outra trabalha o desenvolvimento das aptidões. A matemática tem condições, dependendo da metodologia que você está aplicando, de desenvolver esses dois aspectos. E desde que a metodologia que está sendo aplicada dê condições para desenvolver esse aspecto amplo da educação”, acredita o educador.

A matemática não costuma ser encarada com facilidade por boa parte dos estudantes. Foi assim com o professor Cruz. Antes de se tornar especialista em Educação Matemática, em seu período como estudante da rede básica de ensino em Barbacena, cidade localizada na região do Campo das Vertentes, em Minas Gerais, ele foi reprovado na disciplina.

A virada no campo da matemática começou por meio de um projeto na mesma escola – local em que Cruz também foi incentivado a entrar na docência. Seguiram-se então a licenciatura em matemática, além de um mestrado e doutorado na área. A experiência determinou o futuro profissional do pesquisador.

“Na época da minha reprovação eu não via nenhum tipo de significado dos conteúdos matemáticos. A minha dificuldade era compreender o que de fato é a matemática. Hoje a minha busca constante é tentar entender essas dificuldades por meio do próprio significado da matemática e fazer essa matemática mais próxima. Isso porque se trata de uma atividade humana”, relata.

Ainda segundo Cruz, o seu olhar sobre a matemática é de “uma atividade semiótica de construção de diagramas, experimentação desses diagramas e a verificação desses resultados”.

A metodologia de ensino da Educação Matemática é concretizada por meio de experimentos mentais. Bolsista do projeto e estudante do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática, Cristiane Amaral, já aplicou esses experimentos em escolas. Em meio aos trabalhos da pesquisa “Uma análise de obstáculos identificados por meio da aplicação de Experimentos Mentais a um grupo de licenciandos em Matemática”, foi organizado um experimento mental para ser aplicado junto a 27 alunos do 9º ano do Colégio de Aplicação João XXIII, da UFJF. O foco foi a exploração dos conceitos relacionados aos números irracionais, com ênfase em raiz quadrada de dois (√2).

“Os alunos mostraram consenso claro e imediato sobre a √4. No entanto, a exploração da √2 gerou uma variedade de reações, levando-os a utilizarem calculadoras e realizarem pesquisas na internet. Para o experimento, utilizamos um software de geometria dinâmica (Geogebra) para explorar a √2 de forma geométrica. Ao final, os alunos mudaram sua percepção sobre a √2, inicialmente vista como um número decimal finito sem representação geométrica.”

Alunos do 9° ano do Colégio de Aplicação João XXIII participaram de aplicação prática dos experimentos mentais em matemática (Foto: arquivo pessoal)

Na avaliação de Cristiane, a experiência no colégio de aplicação confirmou o potencial dos experimentos mentais na Educação Matemática. Os estudantes interagiram entre si e com os professores e demonstraram curiosidade em manipular as construções geométricas realizadas no Geogebra.

Durante esses momentos de troca, os objetivos da Educação Matemática foram alcançados, por meio dos questionamentos que se originaram do contato com conceitos e objetos matemáticos.

Cristiane Amaral desta que os experimentos mentais oferecem uma metodologia complementar ao ensino tradicional (Foto: arquivo pessoal)

“Os experimentos mentais oferecem uma metodologia complementar ao ensino tradicional, desafiando a visão convencional ao destacar que a matemática é dinâmica e está em constante evolução. Nesse sentido, a matemática deixa de ser encarada como um conjunto rígido de fórmulas a serem decoradas e passa a ser entendida como um meio poderoso que promove o pensamento crítico, superando as limitações do ensino matemático convencional”, avalia Cristiane.

Experimentos Mentais aplicados na matemática de matriz africana

Em novembro de 2023, durante a Semana de Consciência Negra da UFJF, a bolsista do projeto Ellen de Paula Moreira aplicou atividade intitulada “O sistema numérico dos iorubás”, descrita na sua dissertação de mestrado intitulada “O uso da matemática de matriz africana em salas de aula dos anos iniciais da educação básica: o desenvolvimento de práticas antirracistas”. A pesquisa foi fundamentada no uso dos Experimentos Mentais como uma metodologia alternativa para o ensino da matemática, para explorar os saberes oriundos de culturas africanas.

Pesquisa de mestrado de Ellen Moreira foi fundamentada uso de experimentos mentais (Foto: arquivo pessoal)

Sobre a oficina, Ellen conta que foi uma experiência “enriquecedora”. “Ela reafirmou o potencial dos experimentos mentais como uma metodologia inovadora, capaz de integrar o ensino da Matemática com a valorização dos conhecimentos africanos, promovendo a inclusão e o respeito à diversidade cultural em um ambiente educacional. Acreditamos que os materiais oferecem um caminho prático para a integração da matemática de matriz africana no currículo escolar, alinhando-se às demandas das Leis 10.639/03 e 11.645/08 (que regulamentam o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena).”

Em sua pesquisa, a acadêmica se inspirou nos estudos do filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) e nos de Willian Cruz, para desenvolver atividades que promovem interações criativas entre alunos, professores e conteúdos matemáticos de matriz africana.

Além disso, em sua avaliação, a pesquisa apresenta um potencial transformador ao propor a descolonização do currículo de matemática, pois possibilita a integração de práticas culturais africanas em uma disciplina tradicionalmente marcada por abordagens eurocêntricas. Nesse contexto, a matemática de matriz africana surge como uma ferramenta essencial para a construção de uma educação antirracista e culturalmente relevante, capaz de promover mudanças significativas nas práticas pedagógicas.

Capa do livro (Foto: divulgação)

“Essa abordagem transforma a sala de aula em um espaço de inclusão, reflexão e celebração da diversidade cultural, evidenciando o papel da Matemática como uma aliada poderosa na luta contra o racismo estrutural.”

Metodologia é tema de livro para docentes

 Em 2022, Willian Cruz lançou o livro: “Experimentos mentais: uma nova metodologia para o ensino de Matemática”. A obra é destinada a professores da educação básica com o objetivo de promover os processos de experimentação, analogias e criatividade para o desenvolvimento de atividades e/ou conceitos matemáticos dentro das salas de aula.

A obra está disponível no site da editora Ciência Moderna ou em outras plataformas on-line.

Confira o episódio do Id Pesquisa em áudio.