Ficar sem sinal de celular, no GPS ou em outro dispositivo quando se precisa é, no mínimo, irritante. Um dos motivos para isso é o sombreamento do sinal, causado principalmente pela interferência de obstáculos como edifícios, montanhas ou grandes estruturas metálicas entre as antenas e os receptores. E, com o aumento do número de dispositivos hoje conectados à Internet, essa se torna uma situação cada vez mais comum no dia a dia das pessoas.
Nas telecomunicações, um canal – caminho reservado para a transmissão de mensagens de um local para outro – comporta-se de acordo com a chamada “linha de visada” entre o destinatário e o receptor. Essa linha pode ser direta (LOS), ou seja, um caminho sem barreiras, ou ser um ponto sem visada direta (NLOS), quando o sinal da antena precisa atravessar obstáculos para chegar até o destino final através de reflexões geradas pelos obstáculos. Os pontos sem visada direta são os mais comuns nos centros urbanos e, geralmente, isso enfraquece o sinal.
Pensando em como identificar melhor as visadas, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) vem desenvolvendo uma proposta de classificação inteligente de LOS e NLOS para redes Long Range Wide Area Network (LoRaWAN), utilizando algoritmos de aprendizado de máquina, ou seja, técnicas de inteligência artificial. Essa classificação tem como objetivo conhecer mais sobre o canal que está sendo utilizado, otimizando a comunicação.
O artigo intitulado “Smart Line-of-Sight Identification in LoRaWAN Networks”, fruto desse estudo, recebeu prêmio no Simpósio Internacional sobre a Internet das Coisas (SIoT), realizado em outubro deste ano, no Rio de Janeiro. A autoria é dos estudantes de mestrado Lucas Lima de Oliveira e Leonardo Azalim de Oliveira, sob orientação dos professores Álvaro Medeiros do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica (PPEE) e do professor Edelberto Franco do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação (PPGCC).
O artigo também conta com parceria com o professor Vicente Sousa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O congresso faz parte do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), uma organização profissional sem fins lucrativos e a maior organização profissional do mundo dedicada ao avanço da tecnologia.
Com mais pontos de visada e sem visada identificados pelos algoritmos de inteligência artificial, é possível melhorar a eficiência da comunicação, explica o mestrando em Engenharia Elétrica, Lucas de Oliveira: “Dentre os ganhos de realizar essa classificação, estão o aumento de eficiência energética para os estados LOS e maior cobertura para os estados NLOS, otimizando e tratando possíveis gargalos da rede de comunicação. Com a identificação de um ponto como LOS, o sistema de comunicação pode reduzir a potência do sinal para economizar energia, já que não há barreiras pelo caminho, enquanto a identificação de um ponto como NLOS pode auxiliar para que o sistema aumente a potência do sinal a fim de ultrapassar os obstáculos entre o receptor e a antena.”
Rede IoT
A ideia do estudo surgiu durante uma disciplina do PPEE, quando foi pensado em se utilizar uma rede de Internet das Coisas (IoT), instalada na Faculdade de Engenharia da UFJF. Apesar de cobrir todo o campus , essa rede apresenta oscilação de sinal em algumas áreas, devido ao relevo acidentado da região.
A partir daí, veio a ideia de utilizar técnicas de machine learning, ou aprendizado de máquina, para reconhecer esse pontos de obstrução ao longo do campus, de forma que a rede possa tomar uma decisão de ajustar parâmetros do dispositivo para essas situações específicas. Isso ajuda a reduzir a possibilidade de falha de cobertura e um consumo mais inteligente da bateria, pois a potência só é aumentada quando necessário.
“Conversamos então com o professor Edelberto do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação e o Leonardo, seu orientando de Mestrado, que já estavam trabalhando com essa rede e coletando medidas ao longo do campus. Após vários testes e ajustes, com ajuda do co-orientador do Lucas, o professor Vicente de Sousa Jr (UFRN), conseguimos encontrar soluções satisfatórias de baixo processamento computacional para o problema. Vale salientar que isso foi possível graças a rede IoT disponibilizada pela Faculdade de Engenharia que pode ser usada para projetos de pesquisa”, explicou o professor Álvaro Medeiros.
Aplicações
A Internet das Coisas (IoT) geralmente reúne um grande número de dispositivos de baixo consumo e de baixa velocidade de transmissão. Esse tipo de tecnologia é interessante para monitoramento de sensores espalhados em uma área ou controle de dispositivos que não precisam de urgência na resposta, podendo usar até uma comunicação de forma agendada.
Uma das possibilidades de aplicação, exemplificada no artigo apresentado no Simpósio, é o monitoramento da frota de ônibus circulares no campus em tempo real. “Ao utilizar uma rede IoT, os ônibus passam por vários pontos ao longo do campus com redução no nível de sinal. Esses pontos seriam detectados automaticamente e a rede aprenderia a corrigir essas falhas de coberturas sempre que os ônibus passarem por esses pontos”, explica Medeiros
Outra aplicação interessante envolve a telegestão de postes de iluminação dentro do campus. O Núcleo de Iluminação Moderna (Nimo) da UFJF já tem projetos nessa linha e usar uma rede IoT pode ajudar a cobrir pontos onde há falhas de cobertura. “Qualquer aplicação que envolve o sensoriamento ou o controle pela internet de dispositivos instalados pelo campus e nas imediações da UFJF podem se beneficiar da rede IoT. Nesse sentido, a solução apresentada propicia uma maior eficiência da tecnologia e melhor uso da rede”, complementa o professor de Engenharia Elétrica.
Para o mestrando Lucas de Oliveira, os dispositivos de IoT estão cada vez mais comuns no nosso dia a dia, a exemplo de GPS, relógios, sensores, detectores de presença, de calor e etc. Ele explica que a rede do tipo LoRaWAN lida muito bem com esses tipos de dispositivos, sendo uma rede de baixo consumo de energia, mas que possui um longo alcance. É comum que os dispositivos dessas redes sejam alimentados por bateria, então é importante que consumam pouca energia para diminuir a manutenção. “A ideia foi tentar combinar algoritmos de inteligência artificial para melhorar a qualidade da rede, diminuindo ainda mais o consumo de energia do que o padrão e aumentando a cobertura desses dispositivos.”
O aluno do Programa de Pós Graduação em Ciência da Computação (PPGCC), Leonardo Azalim, disse que a participação do evento em torno dessa pesquisa trouxe parcerias importantes.“Foi uma experiência enriquecedora, já que a produção envolveu uma parte prática com coleta de dados no campus da UFJF e uma parte teórica onde ocorreu o tratamento desses dados com posterior estudo relacionado à detecção das características do ambiente com a utilização de modelos de aprendizado de máquina.”
Reconhecimento
Para o professor Edelberto Franco (PPGCC), a proposta do artigo, se aplicada, auxiliaria o cidadão nas suas atividades cotidianas. “Imagine que com a solução é possível cobrirmos pontos a centenas de metros e até quilômetros de distância com o acesso à Internet. Veja só, na UFJF nós já temos os equipamentos que realizamos os testes, e ao mesmo tempo, temos os ônibus circulares. Aplicando a solução que propomos é possível fazer um acompanhamento da localização do ônibus em tempo real, e informar ao cidadão em quanto tempo ele irá chegar no ponto, ou onde aquele ônibus está, tudo ao vivo.”
O docente ressalta a importância do acompanhamento dos estudantes durante a produção do artigo. “É extremamente gratificante acompanhar a evolução dos nossos alunos e acompanhar seu crescimento pessoal e profissional. Vemos o quanto nossos alunos amadurecem e se percebem capazes de propor soluções para o mundo, ajudando ao próximo e a sociedade como um todo. E quando nossos alunos são premiados, temos mais um incentivo para continuar com nosso trabalho,” finaliza.
Segundo o professor Álvaro Medeiros (PPEE), obter um feedback positivo de especialistas nacionais e internacionais da área, mesmo concorrendo com vários trabalhos de alto nível, ratifica o trabalho como orientadores de pesquisa e possibilita aos alunos entenderem a importância da parceria e da dedicação.
“É muito gratificante ter esse reconhecimento, principalmente em um congresso em que diversos setores da sociedade participam de forma ativa. Isso mostra que o que estamos pesquisando é de interesse do público que desenvolve, regulamenta, produz, fornece e utiliza a tecnologia IoT. Como professor, fico muito feliz em ver que alunos como o Lucas e o Leonardo, que têm um histórico de pesquisa e publicação de trabalhos desde a graduação na UFJF, percebem que o trabalho deles é de interesse de vários setores da sociedade”, finaliza.