Chegam grupos lá de longe, já é possível ouvir os seus cantos, os tambores ecoando e as matracas estalando. Quem são? Estão envoltos por cores, estandartes e fitas que anunciam os festejos aos sete ventos. Eles vêm dos recantos, das roças, das comunidades quilombolas, levantando a poeira das estradas de chão batido, marcando os passos pelas ruas de paralelepípedo. Seus caminhos agora se cruzam e desembocam na Galeria de Arte do Forum da Cultura da UFJF.

Exposição “Brasil, cultura da fé”, do fotógrafo Carlos Sacchi e do artista plástico Wesley Rocher Monteiro, reverencia três manifestações culturais populares – Jongo (foto), Congado e Folia de Reis – carregadas de representatividade, história e ancestralidade (Foto: Carlos Sacchi)

A mostra “Brasil, cultura da fé – Jongo, Congado e Folia de Reis”, do fotógrafo Carlos Sacchi e do artista plástico Wesley Rocher Monteiro, reverencia três manifestações culturais populares, carregadas de representatividade, história e ancestralidade. O duo traz ao público verdadeiros registros etnográficos, que captam a essência da expressão de um povo, regiões e tradições, tendo como fio condutor a força do crer, que sustenta e move as pessoas que admiram as manifestações representadas. O vernissage, gratuito e aberto ao público em geral, ocorre na nesta terça-feira, 13 de agosto, a partir das 18h30.

A mostra é composta por mais de 20 obras entre telas em nanquim e aquarela, além de fotografias – todas inéditas e pensadas exclusivamente para a ocasião –, que permitem ao público uma imersão na atmosfera dessas verdadeiras práticas performativas que celebram o corpo como locus da memória; um conceito, vale pontuar, consolidado pela ensaísta, poeta, dramaturga e professora Leda Maria Martins.

Processo de criação da mostra levou os artistas a um contato direto com os grupos, cada um desenvolvendo sua arte através dos pincéis e das lentes, como elementos da Folia de Reis, na visão de Rocher Monteiro

O processo para criação da mostra levou os artistas a um contato direto com os grupos, cada um desenvolvendo sua arte através dos pincéis e das lentes. A dupla percorreu diferentes localidades e esteve presente em reuniões e datas de realização das festividades, momento em que identificaram a fé como o elemento que gostariam de destacar no trabalho expositivo. “Quando começamos a elaborar o projeto com um tema de altíssima responsabilidade cultural e diversidade, pensamos logo em explorar algo que as três manifestações em questão tivessem em comum. Analisando todos bem de perto, desenhando esboços e clicando as cenas in loco, convivendo com os participantes e comunidades, percebemos um sentimento que unia as pessoas de forma linda, forte e que carregava muita importância para todos, que é a fé”, relata Rocher Monteiro.

Para a pesquisa e produção das obras referentes ao Jongo, foram realizadas visitas e vivências junto à comunidade quilombola de São José da Serra, localizada no distrito de Santa Isabel, da cidade de Valença (RJ). Trata-se de um grupo de descendentes de pessoas escravizadas, vindas da África, que se estabeleceu na Fazenda de São José por volta de 1850 e que, desde então, mantém viva a cultura na região. Para a criação dos itens voltados ao Congado, os artistas estiveram na cidade de Piedade do Rio Grande (MG), entre maio e junho de 2024, período em que ocorrem as celebrações. E, para os registros sobre a Folia de Reis, foram acompanhadas as festividades de 24 de dezembro de 2023 a 6 de janeiro de 2024, realizadas por grupos de Juiz de Fora (MG).

As manifestações, mesmo com suas particularidades e origem diferenciadas, se aproximam pelas sonoridades e coloridos, mais ainda, pela alegria e confiança de seus integrantes para com as divindades e santidades celebradas. Cada face representada, cada movimento captado pelas lentes, os trajes eternizados e, principalmente, os corpos apresentados nos trabalhos da mostra buscam trazer para os visitantes uma – mesmo que exígua – noção do que se tratam conexões com o transcendental, que não podem ser explicadas através de palavras, precisam ser contempladas e vivenciadas.

Para Rocher Monteiro, autor dessa imagem sobre a Congada, a exposição resgata nossas próprias raízes, tradições, histórias e lembranças de como a fé no Brasil é dinâmica e multifacetada

Nesse sentido, Rocher Monteiro reforça a importância da exposição para a sociedade e para o entendimento de como a fé no Brasil é dinâmica e multifacetada. “Acredito que esse trabalho é de grande valor cultural e histórico, pois retrata de forma real essas manifestações, colocando-nos em resgate e contato com as nossas próprias raízes, tradições, histórias e lembranças. Além de ser mais um chamado à tolerância e ao respeito pelas diferentes crenças, que, como podemos ver, se manifestam não apenas nas práticas religiosas, mas também na música, na dança, na arte e no modo de vida do povo brasileiro.”

Para Sacchi, a experiência provocou sensações e reflexões que ele espera também serem vivenciadas por quem comparecer à mostra. “Todas as atividades que realizamos para a concretização deste projeto me causaram uma satisfação enorme e, principalmente, uma emoção indescritível, por estar registrando e colaborando com a preservação de tradições antigas, que também são parte viva de nosso folclore. Espero que todos possam experimentar parte desse sentimento através desta série, que, inclusive, terá prosseguimento com outras manifestações culturais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro”, conta.

Sacchi e Rocher Monteiro foram artistas selecionados pelo Edital de Ocupação da Galeria de Arte do Forum da Cultura 2024, cujo resultado foi divulgado em março. A mostra fica em cartaz até 30 de agosto, com visitações de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h. A entrada é gratuita.

Jongo, Congado e Folia de Reis
O Jongo é uma das mais importantes manifestações da cultura afro-brasileira trazida pelas pessoas escravizadas da região de Congo-Angola. É uma forma de expressão que integra percussão de tambores, dança coletiva e elementos mágico-poéticos. Tem suas raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos africanos, sobretudo os de língua bantu. É cantado e tocado de diversas formas, dependendo da comunidade que o pratica. Em geral, ao longo da celebração, executa-se uma música feita para dançar, que se fundamenta com o “ponto”, uma espécie de adivinha, no qual o verso cantado não expressa de forma muito clara o que se trata. Os participantes precisam “desamarrar” (decifrar) o “ponto” para descobrirem do que fala a música.

Para Sacchi, a experiência provocou sensações e reflexões que ele espera também serem vivenciadas por quem comparecer à mostra. Pelas suas lentes, o sanfoneiro da Congada

Essa prática consolidou-se entre os escravos que trabalhavam nas lavouras de café e cana-de-açúcar localizadas no Sudeste brasileiro, principalmente no vale do Rio Paraíba do Sul. É um elemento de identidade e resistência cultural para várias comunidades e também espaço de manutenção, circulação e renovação do seu universo simbólico. Em 2005, foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural Imaterial.

O Congado é uma expressão cultural e religiosa que envolve o canto coletivo, a dança, o teatro e a fé. Nas festas, as comunidades congadeiras/reinadeiras louvam divindades e santos de origem africana e/ou católica, com destaque para Nossa Senhora do Rosário ou São Benedito. Não há um dia fixo para a manifestação, mas os meses de maio, outubro e dezembro costumam ser os mais escolhidos.

A dispersão da população africana, ao longo dos séculos, resultou no reestabelecimento de suas sociabilidades com atuação cosmológica e política nos mais variados territórios. Cada congadeira/reinadeiro conta com a sua própria organização comunitária para a realização dos rituais, que carregam expressões específicas. A pluralidade de cores, cantos, instrumentos e elementos culturais utilizados com o intuito de preservar a história são fortes características das festas de congadas. A manifestação é forte em diversos estados, como Minas Gerais, Goiás e São Paulo. O Congado foi oficializado como Patrimônio Imaterial de Minas Gerais em agosto deste ano.

Iphan segue com pesquisas e levantamento de documentação a fim de subsidiar o processo de registro das Folias de Reis, presente na mostra, como Patrimônio Imaterial do Brasil (Foto: Carlos Sacchi)

A Folia de Reis ou Reisado é uma manifestação cultural que faz alusão ao Dia de Reis, comemorado em 6 de janeiro na tradição cristã – o dia em que os três reis magos levaram presentes a Jesus Cristo recém-nascido. As festividades da folia, por sua vez, se iniciam no dia 24 de dezembro, véspera de Natal, isto é, do nascimento de Jesus, se encerrando no dia 6, quando os reis magos encontraram a criança. De origem portuguesa, a manifestação foi trazida para o Brasil durante o período colonial, também sendo conhecida a partir de diversos títulos como Terno de Reis, Tiração de Reis, Rancho de Reis, Guerreiros e Reisado. Essas celebrações coloridas e animadas contam com a presença de cantadores, tocadores de instrumento que saem pelas ruas, de casa em casa, entoando louvores a um santo de devoção e recolhendo donativos para ofertar aos mais necessitados ou cumprindo promessas que as pessoas fazem aos seus santos. Existem diversos grupos de Folia de Reis, todos eles formados por um embaixador, contramestre, palhaços, alferes, foliões e os três reis magos.

Atualmente, a tradição continua presente em diversos estados do país, especialmente nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, a exemplo de Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Goiás. O Iphan segue com pesquisas e levantamento de documentação a fim de subsidiar o processo de registro das Folias de Reis como Patrimônio Imaterial do Brasil.

Os artistas
Wesley Rocher Monteiro é um artista visual contemporâneo, natural da cidade de Valença, interior do estado do Rio de Janeiro, atualmente residindo na cidade de Juiz de Fora (MG). Iniciou o contato com o mundo das artes incentivado pela sua mãe, Izaura Rocher, que percebeu seu forte interesse pelo desenho e pintura desde pequeno. Aos 11 anos, pintou sua primeira obra, que retratava o cotidiano de trabalhadores da zona rural. A partir de então, pintou uma sequência de temas relacionados, como, por exemplo, as fazendas do ciclo do café, casarios mineiros antigos e paisagens da região de Minas.

O Jongo, retratado por Rocher Monteiro, é uma das mais importantes manifestações da cultura afro-brasileira trazida pelas pessoas escravizadas da região de Congo-Angola.

Amante do Movimento Modernista Brasileiro, Rocher Monteiro teve fortes influências das vanguardas europeias como Cubismo, Expressionismo, Flauvismo e Abstracionismo. Tais influências fizeram com que o artista construísse seu trabalho numa digital contemporânea com cores fortes e traços marcantes. Ele também foi curador da Galeria Arte e Cultura e vice-representante da Cadeira de Artes Plásticas do Conselho Municipal de Cultura, em Valença, com vários projetos educacionais com apoio da Secretaria de Educação que visava a inserção da criança no mundo das artes. Participou de vários concursos de pinturas, eventos culturais e exposições importantes no Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Porto Alegre e países como Japão, Estados Unidos, França e Finlândia. Também já realizou outras mostras no Forum da Cultura da UFJF, na Galeria da Reitoria da UFJF, na Casa D’Itália, entre outros.

Carlos Sacchi é natural do distrito de Barão de Juparanã, Valença (RJ). Reside em Juiz de Fora desde 2019. Trabalhou nas Forças Armadas por 36 anos, cursou a Faculdade de Direito na Universidade da Fundação Dom André Arcoverde (Unifaa), na cidade de Valença. Após concluir algumas etapas de sua vida, se sentiu livre para novas oportunidades, sonhos e viagens. Encontrou no ato de capturar imagens e retratar momentos especiais uma conexão com a arte. Sua relação com a fotografia iniciou-se registrando as atividades do grupo A Ponte. A curiosidade virou hobby. O hobby virou paixão. E a paixão, uma grande satisfação para Carlos, que segue desenvolvendo suas habilidades, movido pela vontade de eternizar cenas capazes de tocar a alma.

Outras informações
Forum da Cultura – Rua Santo Antônio, 1112 – Centro – Juiz de Fora
www.ufjf.edu.br/forumdacultura
E-mail: forumdacultura@ufjf.br
Instagram: @forumdaculturaufjf
Telefone: (32) 2102-6306