A reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Girlene Alves, recebeu o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, nesta terça-feira, 30, no gabinete da Reitoria. A visita precedeu o ato público, no Teatro Paschoal Carlos Magno, para o reconhecimento oficial da responsabilidade do Estado pela morte do advogado e defensor de direitos humanos, Gabriel Pimenta, ocorrida há 42 anos. 

Almeida ressaltou o significado histórico da cerimônia em Juiz de Fora. “Este evento marca um momento significativo na política de direitos humanos no Brasil. Pela primeira vez, o Estado brasileiro reconhece publicamente, através de um ministro, sua responsabilidade internacional pelo assassinato de Gabriel Pimenta. Este é um momento de recordação e celebração, pois estamos reforçando a política de direitos humanos no país.” O ministro enfatizou o papel da UFJF como uma das principais universidades do Brasil, com destaque não apenas na disseminação do conhecimento, mas no fortalecimento da política de direitos humanos. 

Girlene, por sua vez, destacou a importância da vinda do ministro à Universidade. “Receber o ministro neste dia é altamente simbólico, especialmente ao reconhecer a responsabilidade do governo brasileiro pelo assassinato de Gabriel Pimenta, um ex-aluno nosso e defensor dos mais vulneráveis. Este é um momento para reafirmarmos o compromisso da UFJF com a defesa dos direitos humanos e com a construção de um Brasil mais justo.”

A Faculdade de Direito da UFJF emitiu uma nota pública, destacando que o reconhecimento de responsabilidade “marca um importante avanço civilizatório para a nação brasileira e serve como inspiração para os defensores dos direitos humanos, fortalecendo o espírito de indignação e resistência contra a desigualdade e a opressão ainda presentes em nossa realidade.” A nota também sublinha que a luta de Gabriel Pimenta e de sua família por justiça inspira a comunidade acadêmica da Faculdade de Direito da UFJF. Em 2019, ao homenageá-lo com a indicação para o recebimento póstumo da Medalha JK, a Instituição manifestou solidariedade à família de Gabriel Pimenta e reafirmou seu compromisso com os direitos humanos e a justiça (Confira a nota ao final desta matéria).

Reparação
Em junho de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Estado brasileiro pela impunidade em relação ao assassinato de Gabriel Pimenta. A Corte responsabilizou o Brasil por falhas na investigação e na responsabilização dos envolvidos, afetando direitos fundamentais como a verdade, a integridade pessoal, as garantias judiciais e a proteção judicial. 

De acordo com o ofício emitido pela Corte, são 11 itens que compõem as reparações sentenciadas ao Brasil, no caso Pimenta. Os pontos da sentença vão desde a criação de um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade até oferecer tratamento psicológico gratuito aos irmãos Sales Pimenta, ampla divulgação da decisão em sites oficiais e na imprensa, envolvendo os governos local e federal, o Ministério Público e o Poder Judicial do Estado do Pará.

A determinação ainda prevê outras ações quanto à punição de crimes contra os defensores de direitos humanos, como um protocolo unificado e integral de investigação, o pagamento de indenizações em quantias fixadas na sentença, e mecanismo que permita a reabertura de investigações e processos judiciais, inclusive de delitos já prescritos. 

Gabriel Pimenta
Pimenta foi estudante da Faculdade de Direito e ator do Grupo Divulgação (GD) da UFJF entre 1973 e 1975. Depois de formado, mudou-se para o norte do país, onde defendeu cerca de 160 famílias de trabalhadores rurais pela posse de terra na área da fazenda Mãe Maria, a aproximadamente 18km da sede do município de Marabá, sul do Pará. O advogado foi o primeiro a ganhar uma causa na justiça em favor dos sem-terra, o que contrariou interesses de latifundiários da região.

Em decorrência do conflito de interesses agrários, foi assassinado pelo latifundiário Nelito Cardoso. No ano de 2008, a Organização dos Estados Americanos (OEA), através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, admitiu denúncia apresentada pelo Centro pela Justiça e Direito Internacional e Comissão Pastoral da Terra contra o Estado brasileiro, por violação a direitos humanos.

Em 2005, o Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de Fora recebeu o nome de Diretório Acadêmico Gabriel Pimenta. Vale destacar que um dos irmãos de Gabriel Pimenta atua como professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF, Daniel Pimenta.

Nota Pública da Faculdade de Direito da UFJF
“Na noite de 30 de julho deste 2024, teve lugar, no Teatro Carlos Magno de Juiz de Fora, o Ato Público de Reconhecimento da Responsabilidade do Estado Brasileiro e do Governo do Pará pela impunidade em relação ao assassinato de Gabriel Sales Pimenta, graduado em Direito pela nossa FacDir. Gabriel teve a vida interrompida no exercício da advocacia em prol de trabalhadores rurais da cidade de Marabá.

Quando, 24 anos após o crime, finalmente foi designado tribunal de júri em que se condenou o mandante Nelito Cardoso, irmão do ex-governador do Estado de Minas Gerais, Newton Cardoso, o mandado de prisão não foi cumprido por ter sido reconhecida a prescrição. Em ação judicial que buscou a reparação moral pela grave falha do Judiciário brasileiro na realização da justiça, o pedido foi julgado improcedente na primeira e segunda instâncias do Judiciário paraense sob o argumento de que não houve morosidade na condução do caso. A decisão, lamentavelmente, foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Brasil.

Indignada, a família provocou a Corte Interamericana de Direitos Humanos com o apoio da Clínica de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da UFJF, que participou do processo como amicus curiae. Nesta ação, finalmente, efetivou-se a justiça, com a condenação, por unanimidade, do Estado Brasileiro, mediante o entendimento de que ocorreu grave negligência dos operadores do Direito na tramitação do processo penal, do que resultou a prescrição da pretensão punitiva; violação da garantia do prazo razoável do processo; violação do direito à verdade à família de Gabriel Sales Pimenta e à sociedade brasileira como um todo.

O Estado Brasileiro veio à nossa cidade, representado pelo Ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida e outras autoridades do Governo Federal e do Governo do Pará, apresentar pedido público de desculpas à família de Gabriel Pimenta e à sociedade juizforana pela irreparável dor experimentada durante o longo período em que o sistema de justiça do país falhou seriamente na coibição da impunidade e da violência. O Reconhecimento da Responsabilidade do Governo Federal e do Pará marca importante passo no avanço civilizatório da nação brasileira e inspira a luta dos defensores de direitos humanos, fortalecendo o necessário espírito de indignação e resistência contra a desigualdade e a opressão ainda tão presentes na realidade nacional.

A luta de Gabriel Pimenta e de seus familiares por justiça inspira, também, a comunidade acadêmica da Faculdade de Direito da UFJF, que, ao homenageá-lo com a indicação, em 2019, para o recebimento póstumo da Medalha JK, solidariza-se com a família de Gabriel Pimenta e reafirma o nosso compromisso institucional com os direitos humanos e com a justiça.

Juiz de Fora, 30 de julho de 2024.

Luciana Gaspar Melquíades Duarte e Cláudia Toledo
Diretora e Vice-Diretora da Faculdade de Direito da UFJF”

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