Cerveja gelada na mão, petiscos no centro da mesa, atacados por palitos famintos, e cientistas discutindo temas atuais – e polêmicos – de maneira descontraída. O Pint of Science, um festival internacional de divulgação científica, agitou o início desta semana. Em Juiz de Fora, o Experimental Bar e o Bar do Luiz abriram as portas para pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) na última terça-feira, 14, e quarta-feira, 15, para abordarem temas como saúde mental, inteligência artificial, mudanças climáticas, planejamento urbano e suplementação alimentar.

Confira as fotos do dia 14 de maio.
Confira as fotos do dia 15 de maio.

“Medicados somos ótimos: atenção à saúde mental ou hipermedicalização?”

Alves trouxe o viés da análise do discurso, apresentando o conceito de “diagnóstica” (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

“A história da humanidade é a história da luta contra o sofrimento”, assim Wedencley Alves, pesquisador da Faculdade de Comunicação (Facom), abriu sua fala no Experimental Bar na última terça, 14. O professor explicou que a palavra “fármaco” origina-se do grego “pharmakon”, palavra com sentido ambíguo, podendo significar remédio ou veneno de acordo com o contexto e interpretação. “O uso inadequado de medicamentos está levando a uma saturação da eficácia de remédios como antibióticos”, exemplifica. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose ou o uso”. 

Complementando a discussão, a pesquisadora do Departamento de Psicologia da UFJF, Alinne Nogueira, compartilhou sua visão sobre o tema, destacando a interação entre psicanálise e medicação. “Temos a tendência de separar a palavra da medicação. Não acredito na dicotomia entre corpo e palavra.” 

Alinne apresentou uma discussão sobre corpos subversivos, resistência e psicopatologia na atualidade (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Alinne argumenta que estamos presos em uma dualidade entre disforia e euforia: todos têm – ou buscam – um diagnóstico, enquanto a busca por uma vida, corpo e trabalho perfeitos prevalece. “Resistir a um diagnóstico é mais crucial do que resistir a uma medicação. Ouvimos frequentemente que os medicamentos ajudam, mas não resolvem o problema”, destaca.

Presente no evento, o recém-formado em psicologia pela UFJF, Ian Coelho, considera a temática extremamente relevante para a prática clínica. “Meu trabalho de conclusão de curso abordou exatamente essa questão diagnóstica. É  algo que testemunhamos diariamente em nossa prática clínica e também observamos muita desinformação sendo disseminada pelas redes sociais.”

“Da cabeça ao código: a anatomia da Inteligência Artificial”

Simultaneamente, no Bar do Luiz, o professor do Departamento de Ciência da Computação da UFJF, Saulo Villela, apresentou uma série de imagens geradas por Inteligência Artificial (IA), explicando o processo por trás da criação da IA generativa. “A IA generativa começou sendo capaz de produzir texto com base em outros textos. Em seguida, evoluiu para criar imagens e, posteriormente, áudios e vídeos, mantendo sempre o texto como ponto de partida.” 

O foco da apresentação foi mostrar várias imagens geradas pela IA, incluindo a famosa foto do Papa Francisco vestindo um casaco de luxo, e uma variedade de rostos humanos criados pela máquina.

Complementando a discussão, o pesquisador e professor do Departamento de Física, Rodrigo Dias, trouxe uma perspectiva diferente do assunto, com enfoque no mercado de trabalho e no futuro das profissões com a presença da IA. “Eu sou professor. E já que a IA aprende tudo, ela vai aprender a ponto de conseguir dar aula no meu lugar. Então, qual vai ser o meu lugar? Onde eu, como ser humano, vou me enquadrar nesse mundo com IA?”, indagou. Ele explicou que muitas profissões vão precisar se adaptar no futuro, para trabalhar junto das IAs.

Os pesquisadores Rodrigo Dias (esquerda) e Saulo Vilella (direita) discutiram como as inteligências artificiais estão transformando uma variedade de campos, desde pesquisas acadêmicas até aplicações práticas no mercado (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

Entre os presentes no bar, a dentista Gabriela Fernandes expressou sua satisfação em participar de uma discussão científica tão informal, algo que ela sentia falta desde a sua graduação. “Achei o evento incrível. Foi ótimo ouvir profissionais excelentes falando sobre esse tema de forma tão acessível. Aprendi muito e espero que haja mais eventos como este nos próximos anos”, compartilhou.

“Cidades em Alerta! A culpa é do clima ou do homem?”

Foto: Iris Faria)

Para o pesquisador Jordan, eventos naturais continuarão acontecendo, devendo a população se adaptar às mudanças (Foto: Iris Faria)

Na segunda noite do Pint of Science no Experimental Bar, os professores Cássia Ferreira, do Departamento de Geociências, e Jordan de Souza, da Faculdade de Engenharia, foram os destaques.

Souza iniciou sua apresentação com um princípio da filosofia estóica, afirmando que “o que importa não é o que acontece, mas como você reage”. Ele argumentou que devemos sempre nos adaptar aos riscos aos quais estamos expostos. Portanto, enfatizou que deslizamentos e inundações continuarão ocorrendo, mas não devemos permitir que as pessoas afetadas permaneçam na mesma situação toda vez que isso acontecer. “O evento é natural, mas o desastre não”, ressaltou o pesquisador.

Já Cássia expressou sua preocupação com os eventos climáticos extremos que afetam as cidades, destacando que esses eventos não impactam a população de forma igualitária e requerem uma atenção especial. “Considerar a questão ambiental é fundamental para a saúde. Pensar no ambiente hoje, incluindo a questão climática, deve ser uma prioridade na gestão pública em todas as suas dimensões, seja federal, estadual e, principalmente, municipal”, enfatizou a cientista.

Para a professora e cientista, Cássia Ferreira, a questão climática deve ser prioridade na gestão pública (Foto: Iris Faria)

Presente no evento, a advogada Lígia Cerqueira participou da conversa e elogiou a dinâmica do evento. Ela conta que teve oportunidade de interagir diretamente com pesquisadores de diferentes áreas. “Achei muito interessante que o encontro tenha sido com dois profissionais de áreas muito diferentes. No fim, eles acabaram se complementando para responder as perguntas e eu achei muito legal”, exclamou Lígia.

“Efeitos dos suplementos na sua dieta: Qual o limite?”

“Os suplementos são necessários apenas para quem realmente precisa”, declarou o pesquisador do Departamento de Nutrição, Marcos Vidal, ao iniciar sua apresentação no Bar do Luiz. Ao abordar esse ponto desde o início, o professor explicou os efeitos que substâncias frequentemente consumidas sem a orientação de um profissional da área, como whey protein, creatina e outras, têm no corpo humano.

“Se você tem uma alimentação saudável e variada, usar suplementos como multivitamínicos, whey, creatina, é desperdício de dinheiro”, afirma.  Para ele, os alimentos devem ser priorizados como principais fornecedores de nutrientes e os suplementos somente em casos em que o indivíduo não consiga ingerir a quantidade mínima necessária – casos de doenças ou deficiências crônicas de nutrientes.

Ao abordar questões relacionadas à prática de atividade física, o pesquisador do Departamento de Educação Física, Daniel Martinez, observou que muitas pessoas recorrem aos suplementos em busca de melhores resultados esportivos, como os atletas. No entanto, ele ressaltou que, independentemente da suplementação, é essencial manter consistência e disciplina para alcançar tais resultados. 

Os professores e pesquisadores da UFJF, Marcos Vidal (esquerda) e Daniel Martinez (direita), falaram sobre o uso racional de suplementos alimentares, os efeitos positivos e negativos, e a importância da ciência neste contexto (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

“As pessoas procuram por uma fórmula mágica: o que consumir para ganhar ou perder massa muscular? A verdade é que não existe; o que existe são treinamentos, repetições, para que, ao longo do tempo, após alguns meses, possam começar a ver diferenças”, enfatizou.

Presente no encontro, a estudante de medicina Isabela Lima considera que o tema da palestra contribui para sua formação pessoal e profissional. Para a acadêmica, o assunto discutido deve ser disseminado cada vez mais entre a população. Já a nutricionista Júlia Carneiro acredita que “temos que tomar esse espaço dos influenciadores e falar sobre nossa vivência profissional de uma forma científica e correta para a população”.  

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