Pesquisadores chegam à conclusão de que a temperatura do ar é um dos fatores que afetam a incidência da dengue (Foto: Rafael Meyer)

O Ministério da Saúde já registrou em 2024, mais de 4,5 milhões de casos prováveis de dengue, entre leves, moderados e graves. Só em Minas Gerais, um total de 1,3 milhão de notificações foram realizadas. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) diversas frentes de trabalho atuam no enfrentamento da epidemia – desde a realização de testes moleculares para detecção do vírus nas análises laboratoriais a pesquisas sobre o comportamento do mosquito Aedes aegypti e da doença. Publicado em março, um desses estudos relacionou a média de temperatura no estado com a incidência de dengue.

Foram analisadas as médias de temperatura de 38 microrregiões de Minas Gerais e a relação desses números com a quantidade de notificações de dengue registradas entre os anos de 2010 e 2019. O trabalho foi publicado pela revista Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e está disponível na íntegra na Biblioteca Científica Eletrônica On-line (Scielo, na sigla em inglês) após cerca de um ano de estudo por oito pesquisadores. 

João Pedro, um dos orientandos da professora Letícia Ferreira, junto com ela na foto. (Foto: arquivo pessoal)

Os pesquisadores chegaram à conclusão de que a temperatura do ar é um dos fatores que afetam a incidência da dengue. Temperaturas baixas, frias e extremas causam efeito protetivo, enquanto as moderadas a quentes aumentam o risco do desenvolvimento do vetor de transmissão. Além da temperatura do ar, outras variáveis podem ser consideradas nas estratégias de combate à doença, como índices de seca, de poluição, de precipitação e seus padrões. No entanto, segundo o artigo, a temperatura aparece “como um dos fatores mais importantes, ao influenciar em todas as fases da vida do vetor e do ciclo do vírus, limitando, permitindo e controlando cada um de seus aspectos”.

Os autores destacam, ainda, o efeito das mudanças climáticas, com temperaturas do ar cada vez mais extremas, o que pode afetar “a transmissão e as epidemias de dengue, modificando o padrão da doença e dificultando estratégias de intervenção no contexto de saúde coletiva”.

O artigo produzido a partir da pesquisa é de autoria dos professores Letícia Ferreira e Mário Círio Nogueira, da Faculdade de Medicina (Famed), Cássia de Castro Martins Ferreira, do Instituto de Ciências Humanas (ICH), e Aripuanã Watanabe, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Também assinam o trabalho os alunos Lucas Jardim, Pedro Augusto Valadares, Igor Ribas e João Pedro Medeiros, todos discentes do curso de Medicina.

Temperatura em meio termo é ambiente ideal para propagação da doença

Segundo a professora Letícia Ferreira, a situação ideal para as larvas do mosquito Aedes aegypti se propagarem é o meio termo da temperatura, já que tanto em ambientes mais frios quanto em muito quentes elas não conseguem evoluir. Em consonância, o professor Mário Círio Nogueira acrescenta que “muitas doenças têm relação direta com a oscilação climática e, na maioria dos casos, isso não é levado em consideração. Vimos que a dengue é um exemplo disso”.   

Para o pesquisador Aripuanã Watanabe, artigo apresenta ferramenta em que o sistema de saúde nacional pode se basear (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

De acordo com o estudo, Ituiutaba, Januária e Governador Valadares são as cidades que possuem a temperatura mínima mais elevada (20,4ºC, 20,2ºC e 19,7ºC, respectivamente), ou seja, são lugares com risco elevado em relação ao vírus. Já Itajubá, Barbacena e Conselheiro Lafaiete (15ºC), que têm as médias de temperaturas mínimas mais baixas (13,6ºC, 14,8ºC e 15ºC, respectivamente) são microrregiões mais protegidas em relação à dengue.

“O artigo tem sua importância porque a gente trouxe para o Brasil, de uma forma geral, informações do exterior, aplicadas aqui. Ao meu ver, essa pode ser uma ferramenta na qual o sistema de saúde brasileiro pode passar a se basear”, explica o professor Aripuanã Watanabe.

Alívio no próximo ano

Historicamente as epidemias de dengue no Brasil são cíclicas e, por isso, é provável que haja um retorno no próximo ano, aos parâmetros esperados em relação ao número de casos. Além disso, como há maior circulação dos tipos 1 e 2 da dengue no país, boa parte da população ficará imunizada em relação a essas variantes da doença, explica Mário Círio Nogueira. Nesse sentido, a vacina disponível na rede pública a partir deste ano também pode ajudar no futuro, controlando o aumento dos casos e, principalmente, a gravidade da doença, ainda que as altas médias de temperaturas tragam novos desafios.