Existe uma idade certa para frequentar a universidade? A questão percorre a mente de grande parte da população. Muitos acreditam que, sim, há uma idade limite para frequentar o meio acadêmico. Esse pensamento é proveniente dos estereótipos ligados à idade em nossa sociedade, com a negação do passar do tempo e a valorização da juventude eterna. 

Com muito dinamismo e dedicação, Paulo Cesar Assis da Silva (de vermelho) e Neri Rodrigues Contin, ambos com mais de 70 anos, são bolsistas do Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (Foto: Acervo Maea)

Dois estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), um bolsista e um voluntário, do Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (Maea) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), respectivamente Paulo Cesar Assis da Silva e Neri Rodrigues Contin, ambos com mais de 70 anos, ampliam suas possibilidades com muito dinamismo e dedicação, provando que a universidade é para todos e não há limite de idade para o aprendizado. 

Por que não?
“Mesmo aposentado, sinto que ganho bem mais fazendo novos cursos e ampliando meus conhecimentos, dentro e fora da universidade. Como a arqueologia, para mim, era uma novidade e, no Maea, havia essa possibilidade de ser voluntário, eu pensei: ‘bom, por que não?’. Fazemos leituras e temos discussões aprofundadas, muito enriquecedoras. Estou muito contente de estar aqui”, afirma Contin, 75 anos. 

O aluno relata que, por ser calouro do curso de Turismo, graduação iniciada em setembro de 2023, a bolsa lhe possibilita grandes oportunidades, como participar de congressos de turismo científico, encontros de saberes e visitas a sítios arqueológicos, como os existentes nos municípios de Goianá e Chiador. 

Neri Contin iniciou sua primeira formação em 1968. Depois de graduações, pós-graduações, dois mestrados e um doutorado, ele continua buscando novos conhecimentos, aos 75 anos de idade (Foto: Acervo Maea)

Nascido em Rodeiro (MG), Contin viveu, com seus pais e irmãs, em outras cidades mineiras, como Ubá e Muriaé. Nelas vivenciou seus primeiros anos de escolaridade, desde o primário até sua formação no ginásio, atual ensino médio. Aos 15 anos, mudou-se com sua família para Juiz de Fora, com o objetivo de estudar no Conservatório Estadual de Música Haidée França Americano, onde formou-se, em nível técnico, em Canto e Piano. Após essa formação, foi aprovado no vestibular de Medicina, no qual não chegou a realizar a matrícula. Descobriu que sua área de interesse era outra.

Em 1968, aos 20 anos, iniciou sua primeira formação de nível superior no curso de Geociências, conquistando sua licenciatura em Geografia e Ciências Sociais. Contin não abandonou mais seus estudos: “Procurando aperfeiçoamentos e abrindo leques, pois me considero sempre muito ignorante, fui lançando tentáculos em várias direções e tenho assim formado comigo um currículo bem eclético.” 

Já tendo passado por todos os institutos da UFJF, com exceção do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), o estudante possui, além de graduações e pós-graduações, dois mestrados e um doutorado. Simultaneamente às suas formações, trabalhou com música na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier, em São João del-Rei (MG), pela prefeitura de Barbacena (MG), e no Conservatório Estadual Haidée França Americano, no qual também é formado. 

Do tédio aos livros de história
“Tive a oportunidade de vir para o Maea por meio de uma seleção e agora estou aqui, aumentando meus conhecimentos. É um engrandecimento não apenas pessoal, mas coletivo, visto as convivências que tenho. Estou buscando me desenvolver e evoluir cada dia mais”, ressalta o bolsista de extensão Paulo Cesar Assis da Silva, 71 anos.

Com o apoio de sua esposa, que deu o primeiro passo ao inscrevê-lo no Enem, Silva realizou o vestibular com o objetivo de cursar História e foi aprovado aos 66 anos. Porém, devido a um erro em sua inscrição, acabou sendo desligado algum tempo depois do início das aulas. No ano seguinte, tentou novamente e conseguiu a aprovação. Atualmente, está no quinto período: “Existem questões muito pertinentes a respeito da história do nosso país que tenho muita curiosidade em conhecer mais e me aprofundar. Por meio do curso, tenho essa possibilidade.”

Paulo Cesar Assis da Silva achava que, com a aposentadoria, aos 56, seria hora de parar, mas quando parou, percebeu que ainda tinha muito o que fazer, e hoje, aos 71, está no quinto período de História (Foto: Acervo Maea)

Natural de Juiz de Fora, nascido e criado no bairro Nossa Senhora Aparecida, ele vivenciou todos os seus anos de escolaridade na cidade e terminou sua formação no segundo grau, atual ensino médio, pelo Instituto Estadual de Educação. Após a conclusão do ensino médio, ingressou no mercado de trabalho ainda sem formação técnica ou superior. Em 1974, com o surgimento do curso de Técnico em Segurança do Trabalho na cidade, Silva fez parte da primeira turma. Com um diploma de formação profissional, trabalhou pelo país em locais como usinas siderúrgicas e polos petroquímicos, em construções ou reformas. Sua carreira profissional foi encerrada no Moinho Vera Cruz, onde trabalhou por 25 anos, aposentando-se aos 56. 

“Antes eu ouvia que aposentar com 56 anos de idade era muito cedo. Enquanto eu trabalhava, não concordava e dizia que, dando meu tempo, iria me aposentar e parar. Porém, quando parei, percebi que realmente era muito cedo e ainda tinha muito a fazer. Entre ficar em casa vendo televisão, ficar dormindo ou andando pela rua sem destino, percebi que o melhor era procurar uma ocupação.” 

Além disso, ele relata que seu filho, de 43 anos, aluno do sexto período do curso de Serviço Social, também o incentiva em relação aos estudos. Eles se encontram com certa frequência pelo campus e estão sempre trocando conhecimentos. 

Divulgando a ciência
O bolsista e o voluntário realizam diversas ações e desempenham funções variadas no Maea, desde pesquisas e visitas a sítios arqueológicos à participação em simpósios e congressos. Dentre as ações de que participam, está o projeto “Escavando sítios, fazendo aproximações: oficinas de arqueologia para estudantes de escolas públicas”, desenvolvido pelo professor Verlan Valle Gaspar Neto, em parceria com o Maea e o Centro de Ciências da UFJF. 

“A relação com os jovens é muito boa e com muitas trocas de saberes, experiências e vivências. A interação é positiva e potente.” (Luciane Monteiro Oliveira, diretoria do Maea)

Financiado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o projeto faz parte do programa “SBPC vai à escola 2022” e tem por objetivo realizar atividades de divulgação da ciência, de estímulo ao interesse pelo conhecimento científico e fomento à criatividade de crianças, adolescentes e jovens de escolas públicas, que estão em  acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU/Unesco). 

Nesse projeto, os bolsistas desempenham papéis de orientadores dos participantes das atividades, sendo responsáveis por auxiliá-los na realização das tarefas, como na atividade de escavação, e também como oradores, uma vez que efetuam falas educativas sobre ciência e arqueologia. 

Exemplos
Arqueóloga e funcionária do Maea, Maria Fernanda Van Erven destaca a importância da atuação da dupla: “Eles têm uma disposição que é diferenciada, seja no trabalho, para viver, para vir para o Maea, para conhecer e aprender. Isso é que faz diferença na Universidade: ter pessoas dispostas a aprender sobre coisas novas, ter novas experiências e contribuir”, ressalta. 

“Eles têm uma disposição que é diferenciada, seja no trabalho, para viver, para vir para o Maea, para conhecer e aprender. Isso é que faz diferença na Universidade.” (Maria Fernanda Van Erven, arqueóloga do Maea)

“Muitas pessoas não têm nem um décimo da disposição que eles têm para o novo, porque conhecimento não tem limite ou espaço. Eu acho isso admirável e eles podem ser exemplos para muitas pessoas que já são aposentadas e têm o sonho de irem para a universidade, mas acham que não podem mais, porque pensam já terem passado do tempo. Não existe isso, porque a universidade está aqui para pessoas de todas as idades.” 

A também arqueóloga e diretora do Maea, Luciane Monteiro Oliveira, ressalta como Contin e Silva interagem com os demais bolsistas do Museu: “A relação com os jovens é muito boa e com muitas trocas de saberes, experiências e vivências. A interação é positiva e potente, ampliando as perspectivas em suas singularidades de diversidade, promovendo uma ambiência dinâmica e enriquecedora para todas as partes.”

Sempre ativos
“Quero me manter ativo, dinâmico, estudando e aprendendo sempre mais. Na medida da minha possibilidade, vou continuar os estudos, embora eu queira aplicar os conhecimentos de arqueologia, que estou adquirindo aos poucos e, quem sabe, estudar a paleontologia também. Se for o caso, quero um dia poder trabalhar com isso, mas não pretendo parar de estudar jamais. Mesmo com meus cabelos grisalhos e a idade um pouco avançada, não tenho vontade de parar. Eu não me considero velho para nada. Minha idade nunca foi e nunca será algo que vai me limitar. Pretendo sempre continuar”, assegura Contin. 

“Faço das palavras do meu colega as minhas. Quero me manter ativo e continuar estudando e buscando conhecimento enquanto puder. Depois de formar, quero me aprofundar e pesquisar sobre assuntos que são do meu interesse na história. A arqueologia entrou no meu caminho nesse meio tempo e, não apenas pela questão do conhecimento, mas pensando em termos práticos, acho que posso produzir e render muito mais agora, quando se trata do trabalho com essa área”, complementa Silva. 

As experiências dos dois ilustram e comprovam que a idade nunca deve ser um fator limitador para que qualquer pessoa realize aquilo que deseja e possua uma vida ativa e dinâmica. A presença de pessoas acima dos 60 anos no ambiente universitário é cada vez maior, fazendo com que ele se torne cada vez mais inclusivo e colabore para a quebra de estereótipos em nossa sociedade.