“Corazonar” é uma palavra originária do espanhol, significando “pensar com o coração”. Ela é sinônimo de “sentipensar”, uma prática que envolve a união entre pensamento e sentimento. O termo foi definido pelas comunidades indígenas andinas do Equador e serviu como ponto de partida para a palestra conduzida pelo professor Henrique Leroy, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo tema foi “Educação, decolonialidade e estratégias para integrar o corazonar na sala de aula”.

As reflexões propostas pelo pesquisador foram parte da cerimônia de abertura do VIII Seminário de Iniciação à Docência da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), evento que tem como propósito destacar e disseminar as atividades do Programa Institucional de Iniciação à Docência (Pibid) da UFJF. A abertura do seminário ocorreu nesta quinta-feira, 9, no Anfiteatro da Faculdade de Direito, e contou com a presença de bolsistas e professores que fazem parte do Pibid.

O intuito da palestra foi abrir brechas e questionar as estruturas coloniais do conhecimento, da identidade e das linguagens, bem como sensibilizar os professores em formação inicial para atitudes e posturas decoloniais, trazendo para as atividades diárias em sala de aula a prática do “corazonar”, “sentipensar”, “sulear” e “esperançar”.

Compreendendo a decolonialidade

Antes de introduzir diferentes conceitos na dinâmica da sala de aula, compreender a noção de decolonialidade é fundamental. Segundo Leroy, esse termo foi implementado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano e representa um caminho para resistir e desmantelar padrões, conceitos e perspectivas impostos aos povos subalternizados ao longo dos anos. Além disso, é uma crítica direta à modernidade e ao capitalismo.

O professor Henrique Leroy, da Universidade Federal de Minas Gerais (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

O pesquisador explica que embora o colonialismo seja comumente associado a uma era histórica de dominação da metrópole sobre a colônia, é importante considerar as heranças deixadas, denominadas como colonialidades. “O colonialismo deixou heranças que serão tratadas como colonialidades, abrangendo outros campos das nossas práticas sociais, como da cultura, das linguagens, da sexualidade, do ser, do saber.”

Segundo ele, o termo “colonialidade” é usado para ilustrar que a colonização não acabou no processo de independência das nações: suas estruturas de controle permanecem vivas na sociedade contemporânea. O professor ainda explica que, no caso do currículo escolar, ela se manifesta por meio do eurocentrismo e da desvalorização dos conhecimentos de populações tradicionais – como indígenas e africanas – e de comunidades locais. Além dessa hierarquização de raças e saberes, há uma hierarquização de gênero, com inferiorização da mulher.

Ainda de acordo com o professor, uma estratégia para mudar essas práticas, ou melhor, “descolonizar” estas ações na sala de aula é instigar os alunos a adotar uma postura crítica em relação a essas dinâmicas e a enxergar o mundo por uma nova ótica. “Que livros estamos lendo? Eles são de autores negros, indígenas ou predominantemente brancos e europeus? Através dessas reflexões, iniciamos o processo de decolonização. Por exemplo, como professor de linguística, apresento uma música de hip-hop em sala de aula e discutimos a letra, a história do autor, como a música foi concebida e suas referências. Isso incentiva os alunos a analisarem criticamente o conhecimento científico, identificando vieses e considerando as implicações sociais, políticas e culturais da ciência”, destaca.

Leroy ainda ressalta a importância de aplicar tais conceitos não apenas em sua área de especialização, mas em todas as disciplinas. Como exemplo, ele menciona a própria palavra “sulear”, originada da física, cuja concepção foi questionada por Paulo Freire, colocando o norte como superior e o sul como inferior.

Nesse contexto, segundo o pesquisador, a desconstrução só é viável por meio do “corazonar”: agir com sentimento. “Muitas vezes, os professores são vistos como equivocados ou inferiores quando expressam emoções em sala de aula, algo que precisa ser transformado. O mundo é heterogêneo e não existe uma fórmula única de ensino; pelo contrário, é essencial a união entre emoção e racionalidade para uma aprendizagem e um olhar crítico eficaz.”

Programa de docência de excelência

Mesa de abertura do evento (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

Na abertura do evento, o professor da UFMG foi acompanhado pelo pró-reitor de Graduação da UFJF, Cassiano Amorim; pela coordenadora do Pibid, Mylene Santigo; e pela diretora da Faculdade de Educação da UFJF, Angélica Rodrigues.

Durante sua fala inicial, o pró-reitor enfatizou o notável progresso do programa ao longo dos anos, posicionando-o como um dos mais importantes na formação de professores. “A forma como o programa vem sendo organizado, apesar das constantes lutas pela sua manutenção, tem nos permitido oferecer uma formação mais qualificada para os nossos licenciandos, reforçando que a integração entre a Universidade e a escola básica é essencial, unindo a prática e a teoria.”

Além disso, Amorim reforçou a importância do investimento contínuo no programa, independentemente de alinhamentos políticos, defendendo sua necessidade como parte integrante da política nacional, uma luta constante em prol da carreira docente. “O Pibid desempenha um papel fundamental; sem ele, nossos cursos de licenciatura estariam comprometidos. Por isso, devemos valorizar e reconhecer esse trabalho.”

Já Mylene Santiago falou sobre a trajetória do Pibid e parabenizou todos os envolvidos, enfatizando que os resultados do trabalho são coletivos. “Ao longo dos seminários já realizados, é notável o impacto positivo que esses serviços têm proporcionado na vida de professores, muitos dos quais hoje retornam como coordenadores. Nosso objetivo é continuar nesse caminho, sempre buscando um ensino público e de qualidade.”

Plateia durante a abertura do evento (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

A programação do VIII Seminário de Iniciação à Docência acontece até dia 28 de novembro, com 15 atividades de oficinas e rodas de conversa, oferecidas pelas diferentes licenciaturas que participam do programa. Além das atividades mencionadas, haverá uma atividade cultural, o “Pibid vai ao Teatro”, com a parceria do Grupo Divulgação, que celebra 60 anos de história na cultura de Juiz Fora. Confira a programação completa.

O Pibid

O PIBID da UFJF é um programa do governo federal brasileiro coordenado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ele visa incentivar a formação de professores para a educação básica, oferecendo bolsas de iniciação à docência para alunos de graduação que estejam cursando licenciaturas.

O programa permite que os estudantes participem de atividades práticas em escolas públicas, sob a supervisão de professores da rede, e recebam uma bolsa para auxiliar no desenvolvimento dessas atividades. Essa vivência prática contribui para a formação dos futuros professores, aproximando-os do ambiente escolar e promovendo uma maior integração entre teoria e prática pedagógica.

Atualmente, o Pibid conta com 288 bolsistas, docentes e discentes, e 16 cursos de licenciatura da UFJF, sendo eles: artes, educação física, ciências sociais, geografia, história, matemática, pedagogia, química, filosofia, física, letras libras, letras português, letras inglês e espanhol.