As bancas de heteroidentificação correm o risco de ser extintas caso seja aprovado, no Senado Federal, a inclusão da emenda substitutiva do senador Plínio Valério (PSDB/AM) ao projeto de lei (PL 5.384), que busca atualizar a Lei de Cotas no Brasil. A emenda determina a retirada das bancas. Além disso, na validação da autodeclaração parda, passariam a ser adotados critérios similares àqueles para a autodeclaração indígena e quilombola, sendo proibida a exclusão de autodeclarados pardos por critérios fenotípicos. 

Emenda substitutiva do senador Plínio Valério (PSDB/AM) proíbe a exclusão de autodeclarados pardos por critérios fenotípicos (Foto: Jurien Huggins/Unsplash)

O texto original do projeto de lei, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS) e da relatora da proposta, deputada Dandara (PR-MG), previa a implementação das bancas de heteroidentificação como forma de validar a autodeclaração dos candidatos. Porém o dispositivo foi retirado e a proposta segue em tramitação. 

De acordo com o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Frederico Riani, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados apresenta alguns avanços, mas a emenda substitutiva apresentada pelo senador é inadequada, podendo levar à extinção das cotas nas universidades públicas federais. Isto porque, segundo ele, haverá limitações ao combate às fraudes, já que se proíbe a heteroidentificação. 

Além disso, para a “validação da autodeclaração parda”, seriam adotados os mesmos critérios para a autodeclaração indígena e quilombola. “Ora, os pardos estão espalhados por todo o país, em todas as regiões. Não vivem em uma comunidade. Não há uma liderança comunitária que possa atestar o pertencimento daquele indivíduo àquela comunidade indígena ou quilombola. Ou seja, todos ou qualquer um pode se autodeclarar pardo sem se submeter a qualquer processo de aferição desta situação, haja vista a proibição da heteroidentificação.”

Negação

Para o diretor de Ações Afirmativas da UFJF, Julvan Oliveira, no Brasil, não há uma divergência sobre cotas, que são sociais, mas uma negação das cotas para grupos étnico-raciais (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Para o diretor de Ações Afirmativas da UFJF, Julvan Moreira de Oliveira, não há uma divergência sobre as cotas, que são sociais no Brasil. De acordo com ele, existe uma negação das cotas para os grupos étnico-raciais, como negros e indígenas, vinda de dois grupos distintos. O primeiro, que se coloca contra as cotas para negros e indígenas, com o falso argumento de que há uma democracia racial em que todas as pessoas convivem harmoniosamente e que a identidade brasileira é mestiça, invisibilizando, nesse sentido, a identidade negra e o racismo existente. E o segundo, com o argumento de que as questões étnico-raciais são subordinadas às questões econômico-sociais, dizendo que negros e indígenas são discriminados por serem pobres e não por suas identidades étnicas, argumento falso, segundo o diretor, pois não reconhece que a raça determina as relações sociais no Brasil.

De acordo com Oliveira, as bancas de heteroidentificação foram implementadas na UFJF, como várias universidades o fizeram, para verificar as autodeclarações de candidatos negros, após várias denúncias de que ocorriam falsificações ou fraudes. Ele afirma que as cotas, como uma das diversas políticas de ações afirmativas, visam somente corrigir injustiças que determinados grupos sociais sofreram; no caso brasileiro, as vítimas da escravidão e do racismo, como negros e indígenas.

“O racismo é uma ideologia que justifica a superioridade de um grupo étnico-racial sobre outros. Historicamente, teorias racistas foram as que procuraram justificar a superioridade do branco ou das culturas ocidentais e a inferioridade de africanos e indígenas ou das culturas não-ocidentais.”

Denúncias
O início da política de cotas na UFJF começou no ano de 2004, mas a reivindicação para que o processo incluísse as bancas e comissão de heteroidentificação se deu a partir de 2018, quando a Universidade recebeu denúncias de fraudes no sistema de cotas raciais. No ano seguinte, a banca foi implementada e, por meio dela, é analisada a condição etnico-racial do candidato a uma vaga na Universidade durante o processo de matrícula. A banca é formada por professores, técnico-administrativos em Educação (TAEs) e alunos da pós-graduação da UFJF. Os cursos de formação para os membros das bancas e da comissão de heteroidentificação da Universidade, como a Oficina de Verificação das Autodeclarações, visam aperfeiçoar o processo, garantindo o funcionamento das cotas e fortalecendo a presença de pessoas negras dentro da instituição.

Outros pontos do projeto de lei
O projeto original aprovado em agosto deste ano pela Câmara dos Deputados prevê a garantia de vagas para estudantes negros, indigenas, pardos, com deficiencia e de baixa renda em institutos federais e universidades. Nele, estão previstas a inclusão de quilombolas na reserva de vagas; a redução da renda per capita familiar máxima do candidato às cotas; a política de inclusão em programas de pós-graduação de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência; bem como a avaliação do programa a cada dez anos, com ciclos anuais de monitoramento. Entre os principais pontos, estão:
Renda: De acordo com o projeto de lei, no preenchimento das vagas para cotistas, 50% devem ser reservadas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo por pessoa.
Quilombolas: Os quilombolas estão incluídos nas reservas de vagas juntamente com pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência.
Vagas remanescentes: As vagas remanescentes devem ser destinadas aos autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas ou a pessoas com deficiência. Depois, caso ainda haja vagas, elas irão para os estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública.
Auxílio estudantil: Os optantes pela reserva de vagas no ato da inscrição em situação de vulnerabilidade social terão prioridade para o recebimento de auxílio estudantil de programas desenvolvidos nas instituições federais de Ensino Superior (Ifes).
Cotas da pós-graduação: As Ifes promoverão políticas de ações afirmativas para inclusão de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação stricto sensu.
Avaliação: A cada dez anos será promovida a avaliação do programa especial para o acesso às instituições de Educação Superior de estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, bem como dos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública.