A produção musical feminina está em foco no concerto “Confidência: Música de Mulheres Compositoras”, que integra a programação do 34º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, com apresentação nesta terça-feira, 25, às 20h, no Teatro Paschoal Carlos Magno. 

A cantora Marília Vargas (soprano) e a pianista Luiza Aquino interpretam obras de autoria de compositoras estrangeiras e brasileiras que produziram nos séculos XIX e XX, lutando muitas vezes contra resistências e empecilhos familiares e sociais para conseguir um espaço próprio no campo da música. Algumas chegaram a ser muito aclamadas como intérpretes, mas suas composições são menos conhecidas pelo público. O repertório vem resgatar o papel das mulheres também como compositoras, tão ofuscado pela história oficial da música ocidental.

A soprano Marilia Vargas destaca a luta das mulheres compositoras que tiveram que brigar para poderem exercer sua profissão (Foto: Divulgação)

“A maioria das mulheres compositoras, inclusive as que integram o programa, teve que brigar para poder exercer sua profissão”, ressalta Marília. Ela cita a pesquisadora Camila Fresca, segundo a qual existem dois fatores que explicam o fato de conhecermos tão poucas mulheres compositoras: “o primeiro é que elas tiveram que vencer diversos obstáculos sociais e estruturais, já que não era esperado que mulheres fizessem música profissionalmente. O segundo é o esquecimento. Muitas foram esquecidas após sua morte, embora tivessem produzido e até publicado obras. A partir das décadas de 1970, 80 e 90, pesquisas foram iniciadas, recuperando partituras de compositoras que caíram no ostracismo.”

A situação atual, portanto, começa a mudar, trazendo à tona a contribuição feminina no campo da composição musical. “Acredito que esse seja um momento especial na história, pois existe um olhar, uma atenção para a produção musical feminina. Não só das intérpretes, como das maestras e compositoras. Esse movimento é extremamente importante e fundamental, pois ainda temos um longo caminho para percorrer”, comenta a soprano. “Meu sonho é que não seja necessário apontar um programa especial com música de mulheres compositoras, e, sim, que seja absolutamente normal termos nas programações obras compostas por homens e por mulheres, de maneira mais equilibrada.” 

“Confidência: Música de Mulheres Compositoras” introduz o público a produções como a da alemã Fanny Mendelssohn (1805-1847), que foi pianista e compositora prolífica, escrevendo mais de 460 músicas, incluindo um trio com piano, um quarteto de cordas, diversas peças para piano solo e canções. Irmã do compositor Félix Mendelssohn (1809-1847), após a infância foi desestimulada a prosseguir na carreira musical pela família, que exigiu que ela se dedicasse à vida doméstica, ao casamento e aos filhos. A maioria de sua vasta produção não chegou a ser publicada em vida, e aquelas que vieram a público o foram como de autoria de seu irmão. 

O programa é aberto com uma obra da espanhola Isabella Colbran (1785-1845), que foi uma das mais importantes divas de seu tempo, célebre em toda a Europa, admirada por reis e adorada pelo público. Foi casada com o compositor Gioachino Rossini, que escreveu algumas óperas especialmente para ela. Isabella Colbran também compôs quatro coleções de canções.

O repertório do concerto traz ainda obras das francesas de ascendência espanhola Maria Malibran (1808-1836), uma das mais famosas cantoras de ópera do século XIX, e Pauline Viardot-Garcia (1821-1910), sua irmã mais jovem. De personalidade tempestuosa e intensidade dramática, Maria Malibran era célebre pelo extraordinário alcance, poder e flexibilidade de sua voz. Além de sua atuação principal como cantora, escreveu também algumas canções. Pauline Viardot, embora quisesse ser pianista concertista, depois da morte da irmã acabou se profissionalizando como cantora. Escreveu canções e operetas e manteve um concorrido salão artístico em Paris na virada do século XIX para o XX.

Dentre as compositoras estrangeiras, o programa apresenta ainda Eva dell’Acqua (1856-1930), nascida na Bélgica, filha do pintor italiano Cesare Dell’Acqua e de Carolina van der Elst. Suas composições têm linguagem romântica e incluem obras orquestrais, peças para orquestra de câmara e canções. A francesa Cécile Chaminade (1857-1944) foi pianista e compositora na virada do século XIX para o início do XX. Proibida pelo pai de se matricular no Conservatório de Paris, venceu obstáculos e conseguiu desenvolver uma carreira de sucesso, fazendo turnês pela Europa e EUA interpretando suas próprias obras.

Nadia Boulanger (1887-1979) foi uma das mais influentes personalidades musicais do século 20. Compositora, regente e professora francesa, orientou muitos dos principais músicos do século XX e foi a primeira mulher a dirigir orquestras importantes dos EUA e Europa, incluindo a BBC Symphony, a Boston Symphony e a Filarmônica de Nova York. O concerto apresenta também uma obra de sua irmã mais jovem, Lili Boulanger, que foi compositora, regente e intérprete. Compôs mais de 50 obras, várias delas para coro sacro, além de muitas canções.

As brasileiras

O repertório dedicado a compositoras brasileiras abre com a obra de Francisca Aquino, mãe da pianista Luiza Aquino (foto), que se apresenta ao lado de Marilia Vargas (Foto: Divulgação)

A sessão do repertório dedicada a compositoras brasileiras abre com uma obra da goiana Francisca Aquino (1956-2019), mãe da pianista Luiza Aquino, que se apresenta ao lado de Marília Vargas em “Confidência: Música de Mulheres Compositoras”. Francisca foi uma respeitada profissional no cenário musical da capital brasileira, que lecionou por muitos anos da Escola de Música de Brasília. 

A seguir, o concerto apresenta “Acalanto”, de autoria da mineira Dinorá de Carvalho, natural de Uberaba e considerada uma das maiores musicistas brasileiras do século XX. Dinorá foi uma destacada pianista e compositora e, na década de 1930, criou e dirigiu a Orquestra Feminina de São Paulo, tornando-se assim a primeira mulher a dirigir uma orquestra no país. Ela também foi pioneira ao entrar para a Academia Brasileira de Música. 

A baiana Babi de Oliveira (Idalba Leite de Oliveira, 1913-1993) compôs mais de 300 peças para piano solo e para canto e piano. Trabalhou e produziu programas nas rádios Nacional e Tupi, entre outras, e gravou quatro discos. Estudiosa do folclore brasileiro e apaixonada pelas coisas de sua terra e do Brasil, Babi foi convidada a dar aulas sobre o tema na antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ) na década de 1970. Versátil, a compositora transita bem por ritmos brasileiros como choro e samba, tanto quanto pela música erudita e a canção romântica e de câmara. 

Outra autora brasileira apresentada no programa é a carioca Helza Camêu (1903-1995), que estudou composição com nomes importantes como Francisco Braga, Lorenzo Fernandes, Assis Republicano e Alberto Nepomuceno. Helza se dedicou à carreira de compositora e à musicologia, desenvolvendo estudos sobre música indígena no Museu Nacional, sobre a qual escreveu artigos e o livro “Introdução ao Estudo da Música Indígena no Brasil (1977)”, um dos mais completos estudos realizados sobre o tema no país.  

Reencontro
“O público pode esperar um programa de música surpreendente, belíssimo, e com muito gostinho de quero mais!”, assegura a soprano Marília Vargas, para quem é fundamental mostrar “que a música feita por mulheres existe e está viva, além de despertar nos jovens cantores e instrumentistas o interesse por essa imensa produção musical”. 

Essa edição do Festival marca o reencontro da cantora com o evento juiz-forano, que foi importante para sua formação na área e com o qual veio a colaborar mais tarde: “O Festival de Juiz de Fora é uma tradição de relevância internacional, que despertou muitos artistas para a vida profissional, como é meu caso. Muito menina ainda, foi num dos festivais, lá nos idos de 1994, que percebi o caminho que gostaria e poderia seguir. Também estive no Festival enquanto professora, e é muito gratificante perceber que muitos alunos daquele ano seguem na música, construindo uma bela história. Visitar a cidade e colaborar com essa edição me deixa muito feliz e com muita expectativa”, afirma.

Endereço
O Teatro Paschoal Carlos Magno fica à Rua Gilberto de Alencar, s/n – Centro – Juiz de Fora, MG. A entrada é franca e não há distribuição de ingressos. Todos os concertos noturnos do Festival são precedidos de palestras ministradas pelo professor do Departamento de Música da UFJF, Rodolfo Valverde, com início às 19h, nos mesmos locais das apresentações. Com exceção dos dias 30 de julho e 26 de agosto, em que a palestra ocorre às 18h.

Programa
Isabella Colbran (Madri, 1785 – Bolonha, 1845)
Povero cor, tu palpiti

Fanny Mendelsohn (Hamburgo, 1805 – Berlim, 1847)
Schwannenlied

María Malibran (Paris, 1808 – Manchester, 1836)
Il mattino

Pauline Viardot-García (Paris, 1821-1910)
Hai luli

Francisca Aquino (1956 – 2019)
Santa Teresa

Dinorá de Carvalho (Uberaba, 1895 – São Paulo, 1980)
Acalanto

Babi de Oliveira (Salvador, 1913 – Rio de Janeiro, 1993)
Canção do amor distante
Singela canção de Maria

Helza Cameu (Rio de Janeiro, 1903-1995)
Saudade
Confidência

Nadia Boulanger (Paris, 1887 – 1979)
Improvisação
Chanson

Lili Boulanger (Paris, 1893 – Mézy-sur-Seine, 1918)
Elle est gravement gaie

Cécile Chaminade (Paris, 1857 – Monte Carlo, 1944)
Mots d’amour

Eva dell’ Acqua (Bruxelas, 1856 – Ixelles, 1930)
L’hirondelle

Marilia Vargas – soprano
Formada em Canto Barroco na Schola Cantorum Basiliensis e em Lied e Oratório no Conservatório de Zurique, na Suíça, estudou com Neyde Thomas, Montserrat Figueras, Christoph Prégardien e Silvana Bartoli. Mais tarde, laureada pela bolsa Funarte de Aperfeiçoamento Técnico e Artístico em Música, recebeu orientação da soprano Barbara Bonney.  Foi premiada nos concursos Bidú Sayão, Maria Callas, Margherite Meyer e bolsista da Friedl Wald Stifftung.  

Uma das mais ativas e respeitadas sopranos de sua geração, Marília Vargas divide seu tempo entre aulas, master classes, festivais de música e concertos, que a levam regularmente a diversos países europeus, da América Latina, Japão e China. Entre suas  colaborações com ensembles e orquestras, destacam-se suas diversas atuações com La Capella Reial de Catalunya, Le Parlement de Musique, Ensemble Turicum, Aargauer Symphonie Orchester, Zürcher Kammerorchester, Orquestra Sinfônica do Paraná, Orquestra Barroca de Juiz de Fora, Petrobras Sinfônica, Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Orquestra de Câmara de Curitiba, Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), Orquestra Ouro Preto, Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, Orquestra do Theatro São Pedro, Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo e Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), em diversos importantes teatros, entre eles o Theater Basel, Stadt Casino Bern, Tonhalle Zürich, Wiener Konzerthaus, Auditorium de Dijon, Arsenal Metz, Theatre Royal de Versailles, Berliner Konzerthaus, Auditorium e Liceo de Barcelona, Helsinki Music Centre, National Center of Performing Arts em Pequim, Teatro Guaíra, Palácio das Artes, Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Sala Cecília Meirelles, Theatro Municipal  de São Paulo, Theatro São Pedro e a Sala São Paulo. 

Enquanto camerista, Marília Vargas tem estreita parceria com colegas artistas, como Ricardo Kanji, Rosana Lanzelotte e Guilherme de Camargo – com quem gravou o CD “Tempo Breve que Passaste”,  com Silvana Scarinci – com quem gravou os CDs “Safo Novella” e “Nossos Espíritos Livres” , com o maestro e cravista Fernando Cordella, o violinista Juliano Buosi, com a harpista Liuba Klevtsova, com o pianista e multi-instrumentista André Mehmari – com quem gravou o CD “Engenho Novo”,  e com violinista e maestro Luis Otávio Santos e seu ensemble Os Músicos de Capella. Possui extensa discografia e inúmeras gravações para rádio e TV brasileiras e européias (TV Brasil, TV Cultura, Arte, TVE, Mezzo).  Seu mais novo álbum, o vigésimo de sua carreira: “Nove Árias Alemãs de G. F.  Händel” – com ornamentações de Nicolau de Figueiredo, com Juliano Buosi, Fernando Cordella e convidados, foi lançado em  2022, junto com a publicação das partituras com as árias ornamentadas por Nicolau de Figueiredo. Marília Vargas é professora de Canto Lírico e da Oficina de Música Barroca da Escola Municipal de Música de São Paulo; preparadora vocal dos Corais Jovem e Infanto-Juvenil do Instituto Baccarelli; professora de Canto Erudito e Barroco na Escola de Música do Estado de São Paulo Emesp – Tom Jobim, e preparadora vocal do Coral Jovem do Estado, onde tem também atuado como regente em diferentes programas. www.mariliavargas.com.

Luiza Aquino Salles – piano
Nasceu em Brasília em uma família de músicos e iniciou sua formação musical com seu pai aos cinco anos de idade. No Brasil, Luiza estudou com Celina Szrvinsk, Elza Gushiken, Luiz Medalha e André Tribuzy. No ano de 2004 cursou Bacharelado em Piano nos EUA, na Hartford University, classe do pianista Luiz de Moura Castro, e concluiu em 2012 o Master Concert na classe de Christian Favre, e em 2014 Master en Accompagnement na classe de Marc Pantillon, ambos na Haute École de Musique de Lausanne, Suíça. Participou ainda de inúmeras master classes em festivais internacionais nos EUA, na Europa e no Brasil com músicos de renome como Paul Coker, Edith Fisher, Boris Berman, Carla Guidici, Vitaly Margullis, Niklas Sivelov, Muza Rubackyta e Miguel Rosselini. Exerce a sua profissão como solista, camerista e correpetidora e já se apresentou na França, Itália, Portugal, EUA e Suíça. 

No Brasil, se apresentou na Sala Cecília Meireles (RJ), no Teatro Nacional Cláudio Santoro (Brasília-DF), Teatro Municipal de Niterói, Teatro Municipal de São João del Rei na programação do Inverno Cultural, no Museu Tribunal da Justiça de SP, entre outros. Está prestes a entrar em mais uma turnê com a flautista Letícia Maia em seu Duo da Juá de flauta e piano no mês de agosto. Apaixonada pelo ensino da piano, durante sua estadia na Suíça integrou como professora de piano o corpo docente das seguintes escolas:  International School of Lausanne, École Bilingue de la Suisse Romande e Brillantmont International School. Como camerista, foi pianista acompanhadora oficial do Concours des Solistes (Cantão de Vaud), École de Musique de l’Harmonie d’Oron em concursos, exames e recitais. Em paralelo à sua carreira como pianista, também trabalhou como organista e diretora musical de diversas igrejas tanto na Suíça como nos EUA entre os anos de 2004 e 2017. Hoje Luiza é professora da Emesp, em São Paulo, e participa ativamente de diversos projetos pelo Brasil.

Outras informações
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