Era tarde de quinta-feira, 5 de novembro de 2015. E de fato, já era tarde. Uma barragem de rejeitos se rompe e uma onda de lama mortal arrasta vidas, sonhos, amores por onde passa, deixando manchas que perdurariam para sempre. O Brasil estava diante de seu maior desastre ambiental.

Passados quase oito anos do crime ocorrido em Mariana (MG), a Galeria de Arte do Forum da Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) recebe, na próxima terça-feira, dia 11, a abertura da mostra “Há lama, há caos”, um conjunto de fotografias da cientista social e fotógrafa Jessica Mazzini Mendes, que registra parte da devastação causada pelo rompimento da barragem de Fundão.

A vernissagem é aberta ao público em geral, gratuita e acontece a partir das 18h30. A ocasião contará com a presença da artista, além da participação do professor titular do Departamento e Programa de Pós-Graduação em História da UFJF, e também diretor do Centro de Conservação da Memória (CECOM – UFJF), Marcos Olender e do ator, professor de teatro e dramaturgo Felipe Moratori, do grupo Sala de Giz, que possui em seu repertório, um espetáculo sobre o tema. O Coral da UFJF também privilegia a todos os presentes com a potência de suas vozes e todo o encanto de sua arte musical.

Ao todo são 12 fotografias inéditas que funcionam como verdadeiras janelas a cenários marcados pela destruição e, ao mesmo tempo, também nos levam a imaginar em quais possíveis contextos tais registros estariam inseridos: Qual a última refeição preparada naquele fogão? Que espaço aquele cômodo abrigava? Quem dormiu e sonhou naquele colchão? Quando ecoaram as finais conversas de portão e as risadas das crianças naquelas ruas? Nunca saberemos ao certo. Onde antes, tudo era vida, sobrou o barro letárgico.

Diante do trágico contexto, o título da mostra, de inspiração no álbum Da lama ao caos (1994), de Chico Science e Nação Zumbi, busca evocar não a passagem de um estado a outro, mas a permanência: com o rompimento da barragem de Fundão, a lama dos rejeitos de minério de ferro destruiu e encobriu a paisagem com tons ferruginosos, coloração característica dos resíduos, e perdura no tempo, assim como o caos, que se instalou na vida daqueles que foram brutalmente atingidos.

A exposição tem origem no trabalho de campo realizado por Jéssica Mazzini ao longo de seu mestrado em Ciências Sociais, entre os anos de 2017 e 2019. Ela percorreu os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana e o distrito de Gesteira, em Barra Longa, fotografando os lugares por onde passava como uma forma de registro para auxiliá-la em sua investigação sociológica. “Eu buscava compreender o processo de reassentamento de Bento Rodrigues, primeira comunidade impactada com o rompimento da barragem, e o que norteou a minha pesquisa foi a observação de um desejo que estava sempre presente nas falas dos moradores quando eles falavam sobre essa questão. Eles sempre comentavam que gostariam de fazer o reassentamento, construir tudo novamente, da ‘forma que era antes”, relata.

Ainda de acordo com a pesquisadora, “o momento de campo foi algo muito difícil, porque era ver aquele crime ambiental, aquele evento crítico, acontecendo para além de 2015. Era acompanhar de perto o desastre no cotidiano das pessoas, um desastre continuado, que todo dia estava sendo reavivado em função da impunidade e do descaso com que tudo era tratado”.

“Há lama, há caos” carrega em seu cerne aspectos artísticos e documentais que levam ao público a possibilidade de reflexões importantes sobre o crime ocorrido em Mariana, suas consequências e as negligências em torno do caso que, tal como os rastros de lama nas paredes, ainda permanecem marcando a vida dos atingidos.

A exposição segue em cartaz até o dia 28 de julho, com visitações de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h.

Jessica Mazzini foi uma das artistas selecionadas pelo Edital de Ocupação da Galeria de Arte do Forum 2023, cujo resultado foi divulgado no dia 27 de fevereiro. 

Números trágicos. Danos incalculáveis.

O rompimento da barragem de Fundão, empreendimento sob a gestão da Samarco Mineração S/A, empresa controlada por Vale S/A e BHP Billinton, deixou 19 mortos, destruiu povoados inteiros em Mariana e espalhou lama com rejeitos de minério de ferro ao longo do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o desastre também afetou de diferentes formas, 41 cidades e suas populações; causou a degradação ambiental de 240,88 hectares de Mata Atlântica; atingiu três reservas indígenas (povos indígenas Krenak, Tupiniquim e Guarani); despejou mais de 50 milhões de m³ de rejeitos de mineração em terrenos e rios e causou a morte de mais de 14 toneladas de peixes.

Danos, que apesar de estarem contabilizados através de números, são imensuráveis. Consequências sociais, econômicas, ambientais e mentais de um crime ainda sem culpados.

Mais sobre a artista

Natural de Juiz de Fora, Jessica possui forte ligação com as Ciências Sociais. Grande parte de sua formação acadêmica (bacharelado, licenciatura e mestrado) ocorreu na UFJF, com foco em temáticas como patrimônio cultural, memória social e movimentos sociais.

Em sua trajetória desenvolveu outros trabalhos nas artes visuais utilizando-se da fotografia como ferramenta de investigação sociológica, participando de mostras e sendo inclusive, premiada na categoria Fotografia em Preto e Branco pela Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões em 2020.

Atualmente trabalha como editora, produtora e revisora de materiais didáticos na área de sociologia e filosofia, além de realizar doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).

Forum da Cultura

Instalado em um casarão centenário, na rua Santo Antônio, 1112, Centro, o Forum da Cultura é o espaço cultural mais antigo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Em atividade há mais de quatro décadas, leva à comunidade diversos segmentos de manifestações artísticas, abrindo-se a artistas iniciantes e consagrados para que divulguem seus trabalhos.

Endereço e outras informações

Forum da Cultura
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