Mensagens de texto constantes, memes, posts nas redes sociais, informação e publicidade. Hoje, tudo isso cabe na palma da mão e segue um fluxo rápido, bastando um clique para compartilhar. Embora isso seja útil em muitos aspectos, na era da informação, em que uma quantidade impressionante de conteúdo é produzida a cada segundo, existem perigos ligados a essa facilidade, pois é difícil saber em quem confiar.
Segundo levantamento da Comscore, uma empresa internacional especializada em tecnologias e mensuração da internet, o Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais em todo o mundo – à frente de Estados Unidos, México e Argentina. O dado preocupa frente ao que constatou a edição 2022 da pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br): quase metade dos 149 milhões de brasileiros que usam a internet não checa se as informações que recebem em redes sociais são verdadeiras ou falsas.
Para marcar o Dia das Mídias Sociais, celebrado em 30 de junho, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) conversou com pesquisadores da Faculdade de Comunicação (Facom), a coordenadora do curso de Jornalismo, Iluska Coutinho; e o professor Carlos Pernisa Júnior; além do pesquisador do campus de Governador Valadares, Lucas Costa dos Anjos, que analisam os impactos das mídias sociais na disseminação de conteúdo e estratégias no combate à desinformação.
Impactos das mídias sociais no jornalismo
Na visão dos professores da Faculdade de Comunicação, Iluska Coutinho e Carlos Pernisa Jr., as mídias sociais impactaram a forma como a produção das notícias passou a ser feita: por exemplo, facilitando o contato com fontes e o monitoramento das redes sociais na busca de conteúdos de interesse dos leitores, fenômeno denominado como gatewatching. Ao mesmo tempo, trouxeram desafios: o acesso cada vez mais imediato às informações e a facilidade em compartilhá-las potencializam a circulação de notícias falsas.
Os pesquisadores ainda ponderam que as plataformas de mídia social também oferecem um canal direto entre o público e os jornalistas, por meio do qual as pessoas podem enviar registros, dados e sugestões de pautas. Entretanto, eles alertam que, apesar do jornalismo e das mídias sociais muitas vezes caminharem juntos, um não pode ser confundido pelo outro; um conteúdo ser veiculado em perfis em mídias sociais, mesmo que sejam de grande alcance, não substitui o rigor e a ética jornalística. “A internet é apenas um meio por onde a informação circula, influenciando a maneira como a mensagem ‘viaja’”, destaca Pernisa.
Outros aspectos que não podem ser confundidos são as mídias sociais e as redes sociais. De acordo com Coutinho, “enquanto as mídias sociais são espaços para a distribuição de conteúdo, seja ele gratuito ou não, as redes sociais são canais de relacionamento entre pessoas, que são os aplicativos que estamos acostumados a usar: Facebook, Instagram, Twitter e entre outros”.
“Se tá na internet, então é verdade”
Segundo dados do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), os conteúdos falsos se espalham 70% mais rápido que as notícias verdadeiras. Para os entrevistados, esta questão está relacionada ao fato de que muitas pessoas não sabem identificar conteúdos inverídicos. Outra questão alertada pelo instituto é que o conteúdo falso, mesmo quando não surge no ambiente digital, tem a velocidade e o alcance do conteúdo ampliados nele.
Nesse contexto, os resultados das chamadas fake news podem causar sérios problemas tanto na vida pessoal, como pública. Como exemplo, recorda-se o episódio da moradora do litoral de São Paulo que foi vítima de linchamento, após uma notícia falsa divulgada em uma rede social causar uma confusão entre ela e uma suposta “bruxa” sequestradora de crianças.
Em uma perspectiva pública mais ampla, as notícias falsas também alcançam impactos substanciais em áreas como a saúde e a política – durante uma pandemia ou campanhas de vacinação, por exemplo, informações incorretas ou enganosas podem atrapalhar esforços para proteger a saúde pública; já na esfera política, a disseminação de notícias falsas durante eleições ou na publicidade de dados governamentais pode distorcer a percepção do público e afetar a tomada de decisões de maneira adversa.
“Um ponto importante que devemos considerar é com relação ao tipo de desinformação. Existem aquelas que são criadas de fato com conteúdos falsos, com o intuito de propagar conteúdos inverídicos, mas também existem aquelas notícias que estão fora de contexto ou mal redigidas, que também devem ter nossa atenção”, explica a coordenadora.
Para Pernisa, o motivo de parte da sociedade confiar nas notícias propagadas nas redes sociais como única fonte de informação acontece em decorrência de três razões: a primeira está relacionado à questão de proximidade e confiança nas redes, ou seja, receber informações de amigos e/ou parentes; a segunda é a identificação com assuntos que atraem pessoalmente quem está lendo; por último, temos as estratégias utilizadas pelas plataformas, como títulos sensacionalistas, utilização de palavras estratégicas, entre outros subterfúgios para aumentar o engajamento e os cliques.
Rigorosidade com a apuração
De fato, uma coisa é certa no jornalismo: independentemente das constantes mudanças tecnológicas, a essência da profissão continua sendo a apuração. Essa tarefa se tornou ainda mais necessária diante do volume de conteúdos que são compartilhados, sem critérios, diariamente.
Outro desafio que precisa ser enfrentado é a velocidade com que as notícias se espalham, tornando-se cada vez mais instantâneas. Pernisa ressalta que muitos profissionais ainda se enganam com os conceitos de agilidade e de rapidez na produção das notícias. “Agilidade é realizar o trabalho dentro do tempo necessário, sem pressa, mas com uma boa apuração, evitando erros e garantindo que a informação seja bem formulada.”
Além disso, os pesquisadores defendem a importância de estimular os cidadãos a desenvolverem uma leitura crítica dos conteúdos nas redes sociais, independentemente de serem provenientes de fontes confiáveis ou não.
Novos caminhos no combate à desinformação
Uma das propostas que está sendo discutida como uma alternativa no combate à desinformação são projetos de lei que visam a legislação das mídias digitais. O Projeto de Lei 2630/2020, por exemplo, cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, excluindo-se serviços de uso corporativo e e-mail.
Para o pesquisador Lucas dos Anjos, especialista na Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e integrante do projeto The New Digital Rule of Law (que promove o entendimento das normas digitais emergentes do século XXI), associar a regulamentação com censura é um argumento falacioso. Segundo ele, a nossa Constituição possui diversos direitos fundamentais, não só a liberdade de expressão, mas também a não discriminação e o direito à privacidade, por exemplo, que podem atuar como limites a discursos opressivos, de ódio ou que violem a honra e a imagem das pessoas.
“Por que o setor das mídias digitais não deveria ser regulado, especialmente quando cada vez mais há estudos que comprovam os efeitos nocivos de determinados conteúdos para a saúde mental de crianças e adolescentes, para a democracia e para a segurança das escolas?”, questiona o pesquisador.
Embora algumas empresas já adotem políticas próprias de combate à desinformação e ao discurso de ódio, as ações, em grande parte, são tomadas depois que os conteúdos já se tornaram virais nas redes sociais. As plataformas costumam justificar essa postura afirmando que não é possível monitorar todos os conteúdos postados on-line, o que, na opinião do estudioso, não condiz com a prática de divulgação.
“Eles realizam um mapeamento para perfilar usuários, para oferecer anúncios, para aperfeiçoar seus mecanismos de recomendação, para impedir a postagem de conteúdos que violem seus direitos autorais. Ou seja, eles não apenas conseguem fazer uma rápida análise e moderação dos conteúdos, como também escolhem não moderar alguns tipos de conteúdo que, normalmente, engajam muito os usuários”, analisa dos Anjos.
Ainda de acordo com o pesquisador, o projeto de Lei também prevê medidas de educação midiática e devido processo legal para a moderação dos conteúdos, bem como a transparência das grandes plataformas – que deverão informar como moderam as postagens, sua quantidade, o uso de impulsionamento pago ou não, além da proibição de perfis falsos ou automatizados. “Sem dúvida, é um avanço legislativo e, assim como na União Europeia, vem a complementar uma necessidade crescente de regulamentação dos ambientes digitais.”
Na mesma linha, a coordenadora da Faculdade de Jornalismo, Iluska Coutinho, acredita que a palavra-chave é “responsabilidade”. Segundo ela, assim como ocorre nas mídias tradicionais, “é necessário que haja uma cobrança com relação às redes sociais para que tenhamos mais conhecimento sobre os conteúdos que consumimos, garantindo a qualidade e a confiabilidade”.
Acompanhe a UFJF nas redes sociais
Facebook: UFJFoficial
Instagram: @ufjf
Twitter: @ufjf_
Youtube: TV UFJF
TikTok: @ufjf_oficial