Atualizada às 9h25 do dia 29/05/2023

A maioria das pessoas em situação de rua na cidade é composta por homens cisgêneros, heterossexuais, de cor preta ou parda, entre 30 e 50 anos (Foto: jcomp)

Em Juiz de Fora, 805 pessoas estão em situação de rua. É o que aponta o censo divulgado pela prefeitura da cidade (PJF) em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O número representa um aumento de 110% em relação ao ano de 2016, quando 384 pessoas foram registradas em situação de rua no município. Segundo os dados, o perfil predominante da população em situação de rua na cidade consiste em homens cisgêneros, heterossexuais, de cor preta ou parda, na faixa etária de 30 a 50 anos, que vivem nas ruas há mais de cinco anos.

De acordo com a coordenadora do projeto que realizou o censo e professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF, Viviane Pereira, há três eixos dentro da heterogeneidade da população de rua no Brasil: a extrema pobreza, a ausência da moradia formal e a ruptura dos vínculos familiares e sociais primários. Ela acrescenta que o crescimento expressivo dessa população é um fenômeno observado em diversas cidades do país e ressalta a importância de uma ação conjunta das políticas públicas desenvolvidas nos municípios.

Apesar da pandemia ter contribuído para um aumento de 35% na população de rua, Viviane Pereira aponta que o problema social se estende muito além disso, abrangendo diversas facetas. A professora ressalta que a maioria dessas pessoas, “mais de 60%”, já se encontrava em tal situação antes da pandemia. Segundo a professora, essa não é somente uma questão “de saúde, de renda, de assistência social ou de direitos humanos”. Para ela, as políticas públicas precisam ser “o conjunto do desenvolvimento de ações articuladas”, não podendo ser realizadas de forma isolada. Essa coordenação é essencial para fornecer a sustentação necessária para a criação de soluções efetivas para enfrentar essa situação.

Ainda de acordo com os dados do censo, 59,5% da população em situação de rua em JF apresentam dependência de álcool e outras drogas; uma parcela de 71% tinha residência fixa e 54,2% possuíam emprego formal anteriormente.

64% dos sem-teto em Juiz de Fora utilizam instituições de acolhimento, aponta estudo

A coordenadora do projeto adianta que uma série de propostas e sugestões serão apresentadas ao poder público após os resultados do censo. A ideia é estimular um debate sobre o tema e reforçar que a Universidade está disposta a trabalhar em conjunto com a PJF na elaboração de políticas públicas para atender a demanda.

Os dados da pesquisa também apontam que 64% da população em situação de rua faz uso das instituições de acolhimento disponíveis na cidade, um dado que a professora Viviane avalia como positivo. Este número, segundo ela, pode indicar que as medidas para otimizar o atendimento, reduzindo o número de pessoas assistidas em cada instituição e explorando alternativas para alcançar os diversos segmentos dessa população, estão surtindo efeito.

Com este conhecimento, as ações existentes podem ser aprimoradas e novas iniciativas podem ser criadas para ajudar a enfrentar esse fenômeno social. A própria pesquisa, frisa a professora, revela a urgência de entender a realidade vivida pela população de rua.

Ações devem promover recuperação de direitos básicos, autocuidado, moradia, emprego e renda

De acordo com o professor do Departamento de Psicologia, integrante do estudo, Telmo Ronzani, o consumo de entorpecentes pela população de rua é uma das formas de enfrentamento deste tipo de situação. Isso porque, geralmente, são pessoas muito vulneráveis, com uma rede de apoio social comprometida e sem acesso às políticas públicas. Justamente por esses motivos, segundo Ronzani, é preciso pensar em ações multifatoriais que considerem tal complexidade.

Ao contrário do que muitos acreditam, não são as drogas que levam as pessoas às ruas e sim a desigualdade social no país. “Observamos no censo que a própria situação de estar na rua, não haver uma atividade de sustento e o tempo que vive na rua são os principais fatores associados ao consumo de álcool e drogas. Além disso, essas pessoas relatam usar drogas como forma de sobrevivência, enfrentamento da situação de rua ou ainda como única fonte de prazer acessível a elas. Outras experiências mundiais e nacionais, demonstram que, para além de ações de redução de danos e melhoria no acesso ao tratamento humanizado e de políticas sociais voltadas para as drogas, as abordagens mais amplas e compreensivas são mais eficazes.”

Ainda de acordo com o professor, o  processo de cuidado e recuperação psicológica dos usuários de álcool e drogas deve ser contextual. Ele exemplifica com a iniciativa Braços Abertos, em São Paulo, que desenvolvia ações de redução de danos, articulado com projetos de geração de emprego, renda e moradia digna para essas pessoas. Outra experiência importante são os Consultórios na Rua, que melhoram o acesso aos cuidados de saúde desta população.

“Em primeiro lugar, o profissional de psicologia deve ter uma consciência de seu papel profissional e uma leitura contextual para não cair na armadilha da psicologização ou da individualização da situação dessas pessoas. A partir daí, será possível que o profissional avalie as necessidades e as particularidades de cada caso para se tratar um plano de cuidado que, invariavelmente, vai demandar uma ação interdisciplinar em função da complexidade das situações. Outro fator importante é que, junto com os problemas do uso em si, é comum outros tipos de sofrimento mental que precisam ser avaliados para se pensar em intervenções que também considerem essas características.”

Livro gratuito de professor da UFJF analisa acolhimento da população em situação de rua

O tema do acolhimento à população em situação de rua foi abordado no livro “Atendimento à população em situação de rua: reflexões e práticas no Brasil e na Europa”, do professor Departamento de Fundamentos do Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS), Alexandre Aranha, disponível gratuitamente.

Para o levantamento dos dos números, coletados em outubro do ano passado, foi realizado uma força tarefa entre o Poder Executivo, alunos de diversos cursos da UFJF, professores e pesquisadores, além da Pró-reitoria de Extensão (Proex), Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Fadepe) e o Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia (Critt).

Para ter acesso ao censo, clique aqui.