No feriado da Semana Santa, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foi o destino de cerca de mil mulheres, que estiveram na cidade para participar da 10ª edição do Encontro das Mulheres Estudantes da União Nacional dos Estudantes (10º EME da UNE), entre os dias 7 e 9 de abril. Estudantes de várias partes do Brasil, desde estados do Sudeste, até Acre, Amapá, Alagoas, Paraná, Rio Grande do Norte, Goiás, entre outros, estiveram reunidas para debater os desafios estudantis e atualizar a agenda do movimento a partir de uma perspectiva feminista e antirracista.
O resultado dos muitos dias de debates, em plenárias, mesas, feira e também apresentações culturais foi a construção de uma carta que sintetiza as principais ideias discutidas ao longo dos três dias do 10° EME. O documento foi assinado pelas entidades participantes e pela diretora de Articulação Institucional, Eixos Temáticos e Participação Política do Ministério das Mulheres, Carla Ramos, que esteve na cidade representando a ministra Cida Gonçalves.
Entre as principais demandas apresentadas no documento, está a necessidade de políticas públicas que garantam o acesso e permanência das estudantes à universidade, com iniciativas voltadas à assistência estudantil e contra a evasão de mulheres e mães. A valorização das bolsas e equipamentos como moradias estudantis, creches universitárias, RU, lavanderias e transporte também foram apontados como ações fundamentais para garantir a permanência.
Um dos pontos que gerou mais discussão, segundo a integrante da Diretoria de Mulheres da UNE, Janaina Corrêa, foi a segurança das mulheres e o combate ao assédio nas universidades. “É muito recorrente que as mulheres evadam de seus cursos nas universidades após sofrerem violência e assédio. Por medo de denunciar, muitas vezes elas acabam tendo que conviver com seus agressores e assediadores. Ou então acabam desistindo de seus cursos por conta de uma situação em que elas foram as vítimas.”
Apesar da maior conscientização sobre a importância de lidar com casos de assédio e discriminação de gênero, as universidades brasileiras ainda enfrentam barreiras no combate à violência contra a mulher e toda a comunidade LGBTIAPN+. Diante disso, o grupo propõe o desenvolvimento de políticas públicas nos moldes dos centros de referência, com ações de acolhimento e atendimento humanizado às mulheres, apoio psicológico, jurídico e a construção de um protocolo de combate a violência e ao assédio no ambiente universitário.
“Não podemos permitir que mais Janaínas se silenciem. Não podemos permitir que mais Janaínas da Silva não realizem os seus sonhos”, declarou a presidenta da UNE, Bruna Brelaz, na abertura do evento, em referência à estudante de jornalismo Janaína da Silva Bezerra, de 22 anos, estuprada e assassinada em uma sala da Universidade Federal do Piauí (UFPI), em janeiro de 2023.
Para a coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFJF, Maria Edna Fernandes, é fundamental construir uma política universitária de combate ao assédio. “Nós somos maioria nas universidades, mas o machismo ainda impera. Precisamos urgentemente de ações de combate à violência nas universidades.”
Memória, verdade e justiça
O palco do Cine-Theatro Central, durante a abertura do 10º EME, realizada na última sexta-feira, 7, recebeu centenas de mulheres, de diferentes grupos, partidos, tendências e entidades, unidas com um só objetivo: promover debates que irão nortear políticas públicas estudantis voltadas às mulheres para os próximos anos.
Na abertura, fizeram uma homenagem às mulheres que lutaram e sofreram durante a ditadura militar no Brasil, encerrada com a faixa “Pela vida das mulheres: memória, verdade e justiça”, repetida em coro por todo o teatro. E seguiram com a leitura do manifesto do evento, com o propósito de “organizar os rumos da luta feminista, no florescer de um Brasil novo.”
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E teve gente que veio de muito longe para esse momento de luta e união. A estudante de Física Letícia Holanda, da Universidade Federal do Acre (Ufac), percorreu quase 4 mil quilômetros para estar presente no evento. Ela veio de Rio Branco (AC) para marcar presença na 10º edição do encontro. “A gente precisa se mobilizar. A mulher tem uma visão muito ampla da política e precisamos defender nossas pautas, como oportunidades de trabalho, creches, aborto, maternidade e combate à violência. Não há ninguém melhor que nós mesmas para falarmos de nossas necessidades.”
Já a estudante indígena do povo Kamecrãn, Fernanda Oliveira, coordenadora nacional da Ecoar Juventude Ecossocialista veio de Fortaleza (CE) para o evento. Estudante de Biologia da Universidade do Ceará (UFC) ela apontou, entre os desafios do movimento feminista, a necessidade de levar às discussões a situação das mulheres indígenas e seu apagamento nas universidades. Chamando atenção para a história de massacre dessas populações, Fernanda reforça a necessidade de lutar por melhores condições de educação e vida no geral para essas mulheres, que ao longo da história resistiram ao genocídio e à exploração capitalista. “A luta indígena é essencial para nosso povo, que está sendo massacrado desde 1500. A gente luta para ter nossa terra, nossa moradia e a gente quer demarcação, cotas nas universidades e nosso povo vivo. Por isso a gente precisa de mais mulheres indígenas nesses espaços.”
Presente na cerimônia de abertura, a vice-reitora da UFJF, Girlene Alves da Silva, destacou ser fundamental estimular a formação política estudantil e fortalecer as políticas públicas voltadas à mulher. “É preciso fazer o reencantamento da solidariedade entre nós. E fomentar a participação de mais mulheres cientistas, mulheres trabalhadoras, mulheres mães, fortalecendo a criação de políticas para que essa população não esteja vulnerável às mudanças de governo.”
Para a deputada federal Dandara Tonantzin (PT), que é relatora da revisão da Lei de Cotas, enegrecer as universidades é essencial. “Sou cotista, da quebrada, e vi a universidade se enegrecer nos últimos anos.” Ela também falou do selo ‘Não é Não’, seu primeiro projeto apresentado na Câmara dos Deputados, que consiste em um um protocolo de segurança para coibir e mitigar os casos de violência sexual contra mulheres e de outro projeto de lei apresentado, que busca criminalizar a misoginia. “Queremos que nenhuma mulher sofra qualquer tipo de violência.”
A vereadora juiz-forana Laiz Perrut (PT) destacou que sua atuação no legislativo é fruto de movimentos como o EME. “Se hoje estou vereadora, é porque o EME me trouxe para o feminismo”. A também vereadora pelo município, Tallia Sobral (Psol) destacou a necessidade de uma política de estado prioritária para a defesa da vida das mulheres. “Vivemos o resultado de uma política de extermínio.”
Representando a prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT), a secretária de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Fabiola Paulino da Silva, listou algumas iniciativas do executivo municipal para as mulheres, mas destacou que a cidade é menor para elas, pelo fato de não poderem andar em todos os espaços, devido à violência. “Por isso acredito na luta feminista, para a construção da sociedade que a gente quer”, destacou a secretária, que é ex-dirigente da diretoria de mulheres da UNE.
Para a representante da Marcha Mundial das Mulheres, Nalu Faria, é necessário pensar o feminismo como uma forma de desmantelar uma sociedade capitalista e patriarcal e o papel da auto-organização das mulheres nesse processo de formação é fundamental. “O mais importante é nossa organização coletiva.”
O próximo passo do movimento é a realização de mobilizações no dia 19 de abril para defender a revogação da reforma do ensino médio e pelo fim da violência nas escolas e universidades.