A Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) lançou este mês o livro digital “Eu (não) sou da sua rua: uma arqueologia dos discursos jurídicos sobre o direito à cidade”. A publicação, disponível gratuitamente para download, é fruto da dissertação de mestrado da professora da Faculdade de Direito da UFJF, Regina Tavares.
A obra analisa um caso de remoção, promovido contra ocupantes de um prédio abandonado, localizado em um bairro privilegiado de São Luís (MA), mesmo município no qual Tavares realizou a pós-graduação, entre os anos de 2015 e 2017, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “Trata-se de uma análise dos discursos proferidos pelo sistema de justiça sobre o direito à cidade, orientada pela arqueologia de Michel Foucault. Exploramos, a partir da formação discursiva das escolas urbanísticas no século XX, como os enunciados da escola progressista afetam a forma como o direito vai se moldando a dispositivos de separação, organização e higienismo, típicos daquela forma modernista de pensar e dispor o espaço, definindo, por conseguinte, porque determinadas pessoas não podem habitar em determinados espaços de exclusividade”, explica Tavares.
Conforme a autora, a abordagem do tema do direito à cidade, a partir de uma análise arqueológica dos discursos, parte de uma necessidade de entender como enunciados de estatura constitucional, como aqueles que remetem ao direito fundamental à moradia, podem, no discurso jurídico, assumir diferentes sentidos. “A partir do recorte comparativo das escolas urbanísticas do século XX, cujo protótipo mas exemplar é o urbanismo progressista, que separa de cima para baixo a cidade em funções otimizantes, a exemplo do funcionamento de uma máquina capitalista, é possível visualizar um modelo discursivo que inevitavelmente vai se acumular, mesmo inconscientemente, nos enunciados produzidos junto ao sistema de justiça, como espécie de ‘lei do que pode ser dito’ até mesmo sobre o incontestável direito fundamental à moradia.”
Tavares acrescenta que, embora o livro se limite à análise de um único caso que cuida da ocupação de um prédio abandonado em bairro de classe média alta, situado no Maranhão, a pesquisa da qual resulta o obra é exemplo em microescala do que acontece em todo o país. “Chama a atenção para um problema que é recorrente, qual seja o do império da lógica remocionista, que fere direitos humanos para o favorecimento de um tipo de produção de espaço que atende a lógica do valor de troca em prol da circulação do capital e que, por isso, desprestigia quem não pode acessá-lo a partir de uma ordem que é de consumo. Aqui fazendo referência a uma fala da professora Betânia Alfonsin, dessa lógica perversa da remoção, um dia dela lembraremos como coisa bárbara e abjeta, da mesma forma como hoje lembramos do tráfico de pessoas escravizadas para o Brasil”, avalia.
Pesquisa e extensão
Regina Tavares relata que a experiência no Programa de Pós-graduação em Direito da UFMA, cuja ênfase está nas instituições do sistema de justiça, a despertou para o desenvolvimento de ações extensionistas no município de Juiz de Fora. “Minha pesquisa buscou investigar a performance discursiva do Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia Pública sobre temas relacionados ao direito à cidade. O contato com questões sensíveis à demanda por moradia no Brasil me despertou para uma ação acadêmica atenta a esses processos, assim naturalmente me conduzindo, já como professora da UFJF, lotada na Faculdade de Direito, a integrar projetos de extensão relacionados à temática.”
Dentre as iniciativas, a docente destaca dois projetos. “O Regularização Fundiária, de iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Juiz de Fora, viabilizado por verbas oriundas de emenda parlamentar que, em sua execução, promove a conexão de professores e alunos bolsistas das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo, Direito, Serviço Social e Engenharia, para juntos pensarem a condição urbana específica de uma comunidade assentada às margens da Rodovia BR-267, ameaçada de remoção pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).”
O outro projeto extensionista, mencionado pela professora, é o “Moradia Legal no Entorno da UFJF”, vinculado ao Programa de Extensão Boa Vizinhança. “Essa iniciativa me trouxe a oportunidade de inserção na dinâmica de luta por acesso a direitos, mais intimamente relacionados à questão da moradia no perímetro urbano da cidade de Juiz de Fora, e que me permitiu lidar mais amiúde com trajetórias comunitárias e procedimentos de reivindicação à terra urbanizada e à segurança da posse. Esses dois projetos foram meu lugar de inserção acadêmica na temática que me afetava mais diretamente, e onde, por meio deles, pude me familiarizar com as questões mais específicas acerca da dinâmica do direito à cidade no município.”
Saiba mais:
“Eu (não) sou da sua rua: Uma arqueologia dos discursos jurídicos sobre o direito à cidade”
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