Maria Andréa Loyola foi Chefe de Gabinete da Prefeitura de Juiz de Fora durante oito meses do primeiro governo de Itamar Franco. Era 1967, Itamar tinha apenas 38 anos e pela primeira vez assumia um cargo político. Sua equipe, mais jovem ainda. Aos 26 anos, Maria Andréa lecionava a disciplina de Sociologia e Metodologia de Pesquisa da Faculdade de Serviço Social quando foi convidada a participar da campanha de Itamar. Durante o período em que esteve na chefia do gabinete, Maria Andréa enviou várias cartas de demissão para o prefeito. Todas foram recusadas. Sua saída só foi aceita quando o Museu Nacional publicou a lista de aprovados do mestrado em antropologia. Itamar não teve escolha: Maria Andréa iria se mudar para o Rio de Janeiro. A história é narrada no livro “Memórias de uma moça malcomportada” (Editora Texto Território), no qual Maria Andréa reconstitui a própria trajetória em terceira pessoa. A obra tem lançamento nessa sexta, 23, às 19h, no Memorial da República Presidente Itamar Franco.
Nas lembranças de Maria Andréa estão os dias numa Prefeitura que fechava a porta por poucas horas. Todos muito jovens, prefeito e secretários não raro chegavam cedo e saíam após a meia-noite. A experiência da moça durou pouco porque, segundo ela escreve, “tinha plena consciência de que sua vocação estava voltada mais para a área acadêmica do que para a política”. Graduada pela UFJF, Maria Andréa Loyola tornou-se uma respeitada socióloga, professora titular e emérita do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Seu doutorado foi feito na Universidade de Paris X, e o pós-doutorado, na francesa École des Hautes Études en Sciences Sociales.
Em 1969, quando a Faculdade de Filosofia e Letras, a Fafile, já havia sido incorporada pela UFJF, Maria Andréa, então professora do curso de Serviço Social, foi aposentada compulsoriamente pela Junta Militar. O caso foi o único da cidade. “A consequência desse episódio, caracterizado pela arbitrariedade e intolerância, antidemocrático e inaceitável no mundo contemporâneo, foi o afastamento de Andréa da cidade e ambientes juiz-foranos. Mas não dos amigos e amigas”, recorda, em prefácio da obra, o ex-ministro Murílio de Avellar Hingel, naquele momento responsável pela Divisão de Educação e Cultura da Prefeitura gerida por Itamar Franco e ex-diretor da Fafile. Maria Andréa, forçosamente aposentada, exilou-se em Paris, regressando ao Brasil apenas em 1974.
“O livro contém uma narrativa forte e sutil sobre a opressão da mulher brasileira e sobre sua luta pela liberdade”, destaca a antropóloga Rosa Durán Castro na quarta-capa de “Memórias de uma moça malcomportada”. “Andréa cumpre a dupla virtude de procurar aprender e transmitir o que aprendeu sem regateio. E esta é apenas a primeira parte de suas memórias”, acrescenta o jornalista Geraldo Lúcio de Melo, que também atuou na equipe de Itamar Franco. “Para dizer o essencial, ela tem sido antropóloga, socióloga, professora, arquiteta, administradora, artista plástica, cineasta e indignada (malcomportada) em tempo integral. Agora, memorialista. Mas a vida de Andréa vai muito além”, pontua o médico e professor Reinaldo Guimarães, apresentando o livro.
Leve e bem-humorada, a obra é dividida em capítulos curtos, que funcionam como crônicas e cronologicamente revelam a formação e atuação de Maria Andréa, que em 2020 apresentou seu trabalho artístico na galeria do Memorial – peças de uma produção que ela mesma nomeou como “Dedeísmo”. Destaca-se ainda em sua produção recente o material audiovisual de sua Loyolama Pictures, trabalhos que, em comum, preservam o interesse de Maria Andréa pela memória. Há dois anos, a socióloga também atua na criação do Centro de Memória do Instituto de Medicina Social da UERJ. “Assim, quando pequena, foi considerada uma menina levada; e quando cresceu, uma moça malcomportada. Na verdade, ela foi apenas uma mulher do século XX, que sofreu e liderou, em seu meio, a verdadeira revolução por que passaram as mulheres nesse século”, conclui a própria Maria Andréa, falando de si em terceira pessoa.