Em decorrência das muitas vítimas de agressões, torturas e assassinatos, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio, foi criado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1993, em defesa de um jornalismo sem censura e livre de ataques violentos ao redor do mundo. A data reforça, ainda, o papel social do ofício em divulgar a ciência, combater as fake news e em manter a sociedade alerta sobre os ataques antidemocráticos.
A imprensa nasceu com o objetivo de ser os olhos e ouvidos da sociedade e na concepção de um dos editores-chefe na Globo News, Alexandre Gasperoni, levantar dados, apurar informações e checar fatos sempre estiveram entre os deveres do ofício, mas talvez tenham se tornado as funções mais importantes na sociedade atual, com a disseminação acelerada de notícias falsas e disparos de mentiras em massa.
“Passamos por um momento inédito, em que o jornalismo profissional precisou lutar diariamente contra um negacionismo que ajudou a matar muita gente na pandemia. E, provavelmente, nesse ano eleitoral passaremos por mais um turbilhão de fake news de cunho político. Mais do que nunca, a essência do jornalismo tem que ser fincada como missão. Uma população bem instruída e difícil de ser manipulada depende de uma imprensa livre, difícil de ser corrompida”, ressalta o egresso da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Diante do atual cenário do país, a professora da Facom, Iluska Coutinho, aponta que, na maioria das vezes, a liberdade de imprensa se traduz no país em liberdade de empresa e somente possuem voz aqueles que têm acesso aos recursos. “O ambiente digital tem potencializado outros jornalismos possíveis, mas também abre espaço para aqueles que confundem liberdade de expressão com liberdade de agressão, como mencionou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em palestra realizada em São Paulo, e noticiada nos telejornais de rede nacional.”
Iluska lembra que, em governos anteriores, já houve a tentativa de criação de um Conselho Nacional dos Jornalistas, em busca da qualificação profissional, prevendo, entre outros pontos, a chamada “cláusula de consciência”, que daria proteção aos profissionais. No entanto, pressões diversas, sobretudo das empresas de mídia, conseguiram retirar o tema de pauta acusando o projeto de censura.
Qualidade de conteúdo
Iluska explica que a ideia de regulação da mídia passa por garantir que mais pessoas tenham acesso ao debate sobre a comunicação, que passa a ser entendida e a funcionar, de fato, como um direito de todos, como, receber informação de qualidade, de ser representado de forma adequada, de ter acesso a pontos de vistas plurais sobre os temas de relevância social e o de ter acesso a outros direitos.
“Como jornalista, pergunto: Quem garante a qualidade da informação e dos conteúdos distribuídos pela mídia? A quem recorrer caso tenhamos queixas quanto à cobertura ou abordagem de um assunto veiculado na TV, por exemplo, uma concessão de serviço público?”, questiona Iluska. “No caso brasileiro, a relação do cidadão com esse universo é muito distante, e quase sempre já conta com uma ‘regulação’, a econômica. Isso porque apenas aqueles que têm recursos para acionar advogados podem agir caso se sintam agredidos ou descontentes com a mídia, sem falar na dificuldade de saber quais os limites de cada empresa e/ou profissional”, complementa a pesquisadora da Rede de Pesquisadores em Telejornalismo (Rede Telejor).
Para o doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCom), Gustavo Teixeira de Faria Pereira, é preciso destacar que regulamentar não significa cercear ou privar a liberdade de expressão ou de opinião da mídia, mas em criar órgãos e mecanismos que tenham condições de fiscalizar os meios de comunicação, “algo muito comum em países como Portugal, em que temos a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC), que funciona como um canal de contato para receber as demandas da população e que prioriza a prestação de contas da imprensa acerca do conteúdo veiculado”, explica.
Violência na prática
De acordo com Pereira, o ambiente polarizado em que vivemos no Brasil aponta para um crescimento anual no número de agressões aos jornalistas, como denuncia a Fenaj. O último relatório da federação “Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil”, divulgado em janeiro de 2022, aponta 430 casos de violência contra jornalistas em 2021.
O dado se manteve praticamente estável em relação à 2020, ano em que houve crescimento exponencial dos ataques – 105,77% a mais que em 2019. “Os números mantêm o Brasil como um país bastante hostil aos jornalistas e, por consequência, sem total liberdade de imprensa”, aponta o relatório.
“Trazendo o ano de 2021 como recorte, foram 140 casos de censura, 131 tentativas de descredibilização da imprensa e 58 casos de ataques verbais ou virtuais. Isso demonstra que a imprensa tem sido cada vez mais atacada”, complementa o jornalista.
Entre os principais agressores aos jornalistas, o relatório aponta o nome do presidente da república, Jair Bolsonaro, responsável por 147 casos, o que equivale a 34,19% do total, sendo 129 episódios de descredibilização da imprensa (98,47% da categoria) e 18 de agressões verbais a jornalistas. Ainda de acordo com o documento, ele repetiu os argumentos de que a imprensa o persegue, porque ele cortou verbas publicitárias, usando expressões como “a mídia mente o tempo todo”, “a mídia é uma fábrica de fake news” e “imprensa de merda”.
Nosso papel é, como sempre e acima de tudo, relatar, denunciar e esclarecer os fatos: agressões e ataques a jornalistas são, além de crime, ameaças à democracia, que tem a liberdade de imprensa como um pilar.
Considerando o aumento da agressão aos jornalistas, Gasperoni reforça o dever do jornalismo na sociedade. “Nosso papel é, como sempre e acima de tudo, relatar, denunciar e esclarecer os fatos: agressões e ataques a jornalistas são, além de crime, ameaças à democracia, que tem a liberdade de imprensa como um pilar. O ódio a jornalistas legitimidado por qualquer discurso de autoridade ou reproduzido por qualquer cidadão deve ser repudiado, criminalizado e combatido com informação.”
Descredibilização do jornalismo
Os dados do relatório da Fenaj vão ao encontro dos resultados da pesquisa “Study of Risk and Resilience among Journalists in Brazil”, realizada no país, entre 2019 e 2020. Sob coordenação da professora Sallie Hughes, da Universidade de Miami, a pesquisa é parte de um estudo global, o Worlds of Journalism Study (WJS).
“Os resultados mostram que há cerca de três décadas jornalistas do país são coagidos, intimidados ou assassinados por milícias, traficantes de drogas ou a mando de políticos e empresários acusados de corrupção, com registros de ataques em todas as regiões. De lá para cá, esse clima de agressões tem se intensificado, os relatórios de 2019 a 2021 mostram um aumento no número de casos, e o estímulo do chefe do executivo em ações de descredibilização do Jornalismo também incentivam essa prática”, detalha a professora Iluska Coutinho, uma das pesquisadoras do estudo.
Para Alexandre Gasperoni, o movimento de descredibilização pode ser também freado com projetos de checagem de fatos, iniciativa de vários veículos de comunicação atualmente. “É nosso dever fazer serviços como o ‘Fato ou fake’ se aproximarem da população, reafirmar nossa importância para a sociedade e, mais uma vez, informar: agressões e ataques à imprensa são crime e ameaçam o estado democrático de direito”, finaliza.
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