Conhecida popularmente como erva cidreira de arbusto, Lippia alba é amplamente usada para fins medicinais (Foto: Lyderson Viccini)

Se publicar um artigo científico em uma revista de alto impacto internacional já representa um grande feito, figurar no topo entre os trabalhos mais citados é ainda mais significativo. Foi exatamente o que conseguiu um grupo de cientistas, liderado pelo diretor e professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Lyderson Viccini, com o estudo Genetic relationships and polyploid origins in the Lippia alba complex, divulgado na American Journal of Botany, em 2020.   

Os pesquisadores receberam o certificado Top Cited Article 2020-2021 (um dos artigos mais citados 2020-2021), concedido pela Editora Wiley. Segundo Viccini, a conquista é uma forma de prestar contas à sociedade do investimento público na ciência. “O fato de ter essa informação publicizada a nível mundial certamente projeta o trabalho da equipe, o nome da instituição, do Programa de Pós-Graduação e do Laboratório de Genética e Biotecnologia”, pontua. 

Em sua avaliação, foi uma aposta muito certeira do grupo: “nós acreditamos no modelo e em uma planta ainda pouco estudada, apesar de sua importância medicinal e amplo uso popular. Grande parte das informações publicadas sobre a biologia de Lippia alba foi desenvolvida na UFJF”. 

Além da escassez de informações sobre plantas tropicais em relação a vegetais de clima temperado e economicamente importantes, o docente ressalta que o conjunto de dados que foi possível reunir ao longo do tempo possibilitou “contar uma história robusta” e despertar o alto interesse pelo trabalho desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (PPGCBio).  

Genética e evolução 

Para entender melhor sobre o estudo, Lyderson Viccini explica que poliploides são organismos que têm mais de dois conjuntos completos de cromossomos. No caso das plantas, essa é uma estratégia muito importante em sua evolução ao longo da história. “Há trabalhos mostrando que todas as angiospermas, que são as plantas com flores, tiveram em algum momento da sua história evolutiva um evento de poliploidização, aumento do conjunto cromossômico e consequentemente da quantidade de DNA.”

Lyderson Viccini acha que esse reconhecimento pode servir também de estímulo tanto para jovens cientistas, quanto para quem está desmotivado diante do momento difícil pelo qual passa a ciência brasileira (Foto: Carolina de Paula)

O pesquisador do Laboratório de Genética e Biotecnologia do ICB afirma que tudo começou quando ele recebeu três materiais (ou indivíduos) de Lippia alba, uma espécie da família Verbenaceae, de uma professora da Faculdade de Farmácia, dada a sua aplicação medicinal. “Com isso, resolvi verificar como era a variação genética dentro dessa planta e, para minha surpresa, os três eram diferentes em termos de quantidade de cromossomos. Isso me chamou muita atenção e aí eu deduzi que, se em uma amostra tão pequena havia essa diferença, possivelmente, essa variação era maior do que tinha em mãos”, relata.

Aos poucos, a coleção foi ampliando e hoje já são mais de 100 amostras coletadas no Brasil inteiro, algumas cedidas por pesquisadores de outras instituições. Embora seja uma única espécie, Lippia alba possui cinco números cromossômicos; no reino animal, o número é em geral fixo para cada espécie, mas nas plantas essa variação é mais frequente. 

“Achamos indivíduos que não tinham conjuntos cromossômicos completos (dois, três ou quatro por exemplo), mas intermediários, ampliando ainda mais a variação inicialmente observada. Portanto, queríamos entender de onde vem essa variação. Existem muitos complexos poliploides, mas não é trivial saber de onde e como surgiu ou mesmo identificar essas relações”, revela.

Projeção internacional

O artigo é resultado de uma investigação coletiva, envolvendo outros pesquisadores e estudantes de doutorado, mestrado e iniciação científica. A doutoranda Juliana Lopes realizou parte do trabalho, com a participação de duas das maiores autoridades do mundo no estudo da poliploidia, no Departamento de Biologia na Universidade da Flórida, onde Viccini também fez o pós-doutorado em 2009 e 2010. No entanto, todos os dados foram gerados no Brasil. 

Sobre a American Journal of Botany, trata-se de um periódico científico de muita importância na área, que tem foco principalmente em sistemática, taxonomia, genética e evolução de plantas, sendo muito respeitado e tendo alta credibilidade entre os pesquisadores que atuam nessas áreas.

Acessos de Lippia alba mantidas em cultivo na Estação Experimental de Manutenção e Cultivo de Plantas, localizado no campus da UFJF (Foto: Lyderson Viccini)

Por ser organizado e publicado pela Sociedade Americana de Botânica – uma sociedade científica –, o pesquisador esclarece que o processo editorial é criterioso do ponto de vista científico, e não se trata de uma revista que visa somente o lucro mas considera fundamentalmente o valor científico agregado. “Não se leva em conta somente o número de visualizações, mas a densidade do estudo. Algumas publicações que têm, por exemplo, menor número de leitores por conta de sua especificidade temática, não deixam de ser publicadas.”  

Para além de Lippia alba

O grupo da UFJF também tem realizado experimentos envolvendo indução de poliploidia para aprofundar o entendimento sobre o processo de evolução em plantas: “estamos tentando ‘simular’, por meio da produção sintética de poliploides, o que a natureza fez ou vem fazendo e com isso duplicamos o tamanho do genoma artificialmente tendo relativo controle sobre o que está acontecendo ali”. 

Quando se trata dos poliploides naturais é preciso reunir muitas informações para entender esse processo. Em laboratório, ainda que não se tenha a interação com o ambiente, ao se reduzir algumas variáveis, há como direcionar algumas estratégias para se entender as consequências de duplicação daquele genoma. Também estão sendo utilizadas outras espécies, não só as não domesticadas, como as cultivadas.

Lyderson Viccini reforça que a estratégia utilizada nas pesquisas é trabalhar com perguntas-chave e buscar agregar ferramentas e parceiros para responder à medida que as dúvidas vão se complexificando. Muitas vezes, o uso de apenas uma mesma ferramenta pode não responder a questão principal. 

O grupo já publicou diversos outros estudos nessa linha, inclusive um nesse mesmo jornal em 2014. Em 2011, um dos trabalhos publicados nos anais da Academia Brasileira de Ciências foi capa daquela edição, também sobre Lippia alba.

Pesquisa está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Como um apelo global para superar os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) fazem parte da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

As ações científicas da Universidade Federal de Juiz de Fora também estão alinhadas aos ODS, conforme indica selo exclusivo criado pela Coordenação de Divulgação Científica da Diretoria de Imagem Institucional, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp). A pesquisa citada nesta matéria está alinhada com os ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável e 15 (Vida Terrestre).

Confira a lista completa no site da ONU.

Outras informações:

PPGCBio

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