A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) se tornou a mais nova instituição de ensino superior do país credenciada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). O acordo foi feito por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), uma iniciativa da agência para garantir que pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio tenham acesso a direitos e serviços no Brasil e oferecer apoio a um processo de integração local.
Para celebrar esta importante conquista, no dia 24 de março, a partir das 19h, a Diretoria de Relações Internacionais (DRI) da UFJF, em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão (Proex), realiza evento de lançamento da Cátedra Sérgio Vieira de Mello/UFJF, transmitido ao vivo pelo canal da Universidade no YouTube.
Mediado pelo professor do Instituto de Ciências Humanas (ICH) e coordenador da CSVM/UFJF, Rodrigo Christofoletti, a live contará com a participação do professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Rodrigues, um dos primeiros a implementar a Cátedra no Brasil; e com Ana Beatriz Gonçalves, professora de Português como Língua de Acolhimento na UFJF; Alberto Farías Navarro, estudante de Jornalismo, representando a comunidade de refugiados; e Eliza Feres, pós-graduanda em Administração, que divide a vice-coordenação da Cátedra com Edmárcia Andrade, técnico-administrativa da Diretoria de Relações Internacionais.
Para Christofoletti, a Cátedra na UFJF representa um imenso avanço na possibilidade de ações afirmativas e de políticas públicas que tenham como foco um banco de boas práticas e políticas que privilegiam a imigração e as pessoas que estão em situação de refúgio, o que se torna um enorme desafio para a Universidade.
“Será um canal privilegiado para tratar questões práticas do cotidiano da vida de um migrante/refugiado, como assessoria e orientações em diversas áreas”, destaca o professor, complementado pelo diretor de relações internacionais da UFJF Anderson Martins: “A iniciativa se insere perfeitamente na busca incessante pela internacionalização das instituições de ensino do serviço público de nosso país. Além dessa base fundamental voltada à internacionalização, a Cátedra amplia o engajamento social da universidade, fomentando ações de acolhimento, solidariedade e inserção das populações refugiadas na cidade e região”.
Para atingir tal finalidade, a CSVM/UFJF tem o suporte institucional da DRI e da Pró-Reitoria de Extensão. “Esse trabalho conjunto possibilita o fortalecimento das nossas relações com parcelas da sociedade que, de outro modo, seriam privadas de muitos de seus direitos fundamentais, como as pessoas em situação de refúgio, refugiadas e apátridas, e também apresenta novas oportunidades para a troca de saberes e para a interação dialógica, que caracterizam a extensão”, reforça a pró-reitora de Extensão Ana Livia Coimbra.
A CSVM e a UFJF
Desde o final de 2019, por iniciativa estudantil da pós-graduação aderida pela Diretoria de Relações Internacionais, em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão (Proex), um Grupo de Trabalho foi criado, com a participação de professores, técnico-administrativos (TAEs), graduandos e pesquisadores, para a execução do processo de implantação da Cátedra. O trabalho se constituiu na construção de um projeto que conta com a adesão de pró-reitorias, docentes, unidades, programas de pós-graduação, iniciativas discentes e grupos de pesquisa, para a criação e compilação de ações que contribuam para o acolhimento, proteção e inserção das pessoas em situação de refúgio na nossa região.
Para o início da construção do projeto, a DRI organizou, em janeiro de 2020, um encontro com refugiados e migrantes na condição de refúgio, residentes em Juiz de Fora e região, além de representantes de organizações civis independentes que apoiam refugiados. O encontro buscou proporcionar uma aproximação inicial e dialógica com os migrantes, além de sistematizar informações gerais sobre esta comunidade, por meio de um questionário anônimo. O instrumento levantou o perfil desta população presente, bem como suas necessidades imediatas para, a partir deste diagnóstico, se reunir institucionalmente para analisar como a UFJF poderia contribuir para facilitar a integração desta comunidade na cidade e no campus.
Veja as ações já previstas para serem implementadas:
PROJETO | ÁREA | OBJETIVOS |
Português como Língua de Acolhimento | Letras | Ministra conhecimentos básicos em língua portuguesa para inserção na sociedade e no mercado de trabalho |
Ações afirmativas na pós-graduação | Institucional | Democratiza o acesso e a permanência de estudantes cotistas na pós-graduação |
Revalidação de diploma | Institucional | Regulamenta que pessoas refugiadas sem a documentação requerida possam ter a revalidação flexibilizada de diploma na UFJF |
Oferta de vagas na graduação | Institucional | Possibilita o ingresso de pessoas em refúgio em cursos de graduação da UFJF |
Grupo de Pesquisa – FEGS | Ciências sociais | Pesquisa a vivência de pessoas LGBTQI+ em situação de refúgio no Brasil |
Grupo de Pesquisa – Patrimônio e Relações Internacionais | História | Pesquisa e promove as manifestações culturais heterogêneas dos refugiados no espaço universitário |
Oficinas de Música | Música/Artes | Proporcionar atividades de apreciação e formação musical para refugiados, viabilizando a integração cultural por meio da música |
Memória do Sabor | Farmácia | Compilar receitas de pratos típicos regionais ou dos países dos migrantes |
Clínica de Saúde | Odontologia | Promover e manter a saúde bucal desse grupo e solicitantes da condição de refugiado |
Grupos de conversas | Psicologia | Propiciar um espaço de conversas e trocas entre os migrantes |
Orientação jurídica | Direito | Prestar orientações e auxílio preventivo no que tange a documentação e formalização das demandas dos refugiados |
Empreendedorismo | Inovação | Oferecer aos refugiados treinamento e introdução ao empreendedorismo |
Educação Financeira | Finanças | Possibilitar aos participantes criar suas formas de planejamento financeiro e controle e previsão de gastos e possibilidades de investimentos. |
Cátedra Sérgio Vieira de Mello
A CSVM é um projeto conjunto do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados com universidades brasileiras para o desenvolvimento de atividades acadêmicas sobre, para e com pessoas refugiadas ou em situação de refúgio. Em âmbito internacional, o Pacto Global sobre Refugiados, firmado por 181 países, em dezembro de 2018, inclui as universidades como atores estratégicos na proteção internacional às pessoas refugiadas.
Vice-coordenadora da CSVM, Eliza Feres de Moura Botelho entende que “a inclusão de refugiados na comunidade acadêmica ou em convívio com ela por meio das diversas ações previstas e algumas já em funcionamento, agrega diversidade e senso humanitário, coloca o ambiente institucional em contato direto com problemas globais e nos mostra o que podemos fazer acerca deles, especialmente nas frentes de ensino, pesquisa, extensão e internacionalização. Sua presença na UFJF se justifica na busca pela difusão do tema do refúgio e pelo estímulo a iniciativas para a integração de migrantes forçados”.
Cerca de 3 mil refugiados em Juiz de Fora
Há dois anos, Juiz de Fora foi a primeira cidade da região sudeste a ser adicionada à Estratégia de Interiorização do Governo Federal brasileiro para a população venezuelana, segundo o Sumário Executivo do Acnur de 2021. Atualmente, estima-se que a comunidade de cidadãos refugiados ou em condição de refúgio presentes na cidade seja de 2.000 a 3.000 pessoas.
Segundo o professor Christofoletti, existe uma articulação municipal com a finalidade de criar um comitê que irá elaborar, até o final de 2022, uma política específica sobre esta parcela da população. “Em Juiz de Fora (centro metropolitano e cidade universitária), a presença de refugiados nos impele a um novo desafio: a convivência pacífica e a interação cultural, muitas vezes abismos que são quase intransponíves. A CSVM pode e deve agir como mediadora desses conflitos, buscando não só dar visibilidade às demandas desse contingente, mas, sobretudo, possibilitar que políticas públicas sejam adotadas”, ressalta.
Um dos exemplos de pessoas refugiadas que tornaram Juiz de Fora seu novo lar é Alberto Farías Navarro, 26, que está no Brasil há seis anos e, na cidade, há cinco. Alberto conta que chegou ao Brasil por conta dos problemas políticos na Venezuela. Após procurar a Universidade para cursar Português como Língua de Acolhimento, Navarro ingressou como refugiado no curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação (Facom) da UFJF. Entre 2019 e 2021, atuou como bolsista do Núcleo de Acordos e Convênios da DRI. Hoje, Navarro é membro do Grupo de Trabalho para implantação da CSVM, tendo sido essencial na articulação e diálogo da instituição com a comunidade de refugiados venezuelanos, que corresponde à grande maioria de refugiados em Juiz de Fora.
“O primeiro trabalho que desenvolvemos na cidade foi o projeto piloto da Estratégia de Interiorização, com uma ONG chamada Associação dos Amigos (Aban). Recebíamos refugiados e os ajudávamos a criar condições para trazer suas famílias da Venezuela para Juiz de Fora ou outras cidades brasileiras. Em diálogo com instituições religiosas, também temos ações de acompanhamento psicológico e de garantia de seguridade alimentar para os mais necessitados. Por fim, a Cátedra Sérgio Vieira de Mello chega para complementar nossas ações e as medidas públicas municipais de integração e atenção aos migrantes”, destaca Navarro.
Para o venezuelano, a qualificação proporcionada pelo acesso dos refugiados aos serviços da Cátedra pode, inclusive, levar ao ingresso dessas pessoas aos cursos de ensino superior e de pós-graduação. “A gente pode mudar o mundo, a realidade das pessoas que perderam tudo. Com atitudes como essa, a UFJF está nos acolhendo e nos dizendo: ‘você é um ser humano, tem direito a uma vida digna, tem direito aos estudos’”, finaliza Navarro.
Sérgio Vieira de Mello
Filósofo e diplomata brasileiro, Sérgio Vieira de Mello foi o primeiro brasileiro a atingir o alto escalão das Organizações das Nações Unidas (ONU), atuando em alguns dos principais conflitos mundiais, em localidades como Bangladesh, Camboja, Líbano, Bósnia e Herzegovina, Kosovo, Ruanda e Timor-Leste, entre os anos de 1999 e 2002. Também foi nomeado Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos e desempenhou trabalho fundamental e duradouro no Acnur.
Em 2003, foi morto em Bagdá em um ataque da Al Qaeda ao Hotel Canal, usado como sede da ONU. “Quando Sérgio Vieira de Mello morreu, os corredores e as cúpulas da ONU o tinham como o candidato certo a ocupar a secretaria geral das Nações Unidas. Com sua brasilidade, costurou acordos diplomáticos impensáveis e era tido como um grande negociador. Homenagear esse brasileiro como patrono desta cátedra é uma honraria que nos incentiva a darmos o melhor de nós em causas nobres como esta, de acolhida, ajuda e orientação aos refugiados”, exalta Rodrigo Christofoletti.
“Que o legado de Sérgio Vieira de Mello, neste momento em que, mais uma vez, pessoas são privadas de seu lar, de sua dignidade, de sua vida, por situações de guerra, nos inspire a realizar cada vez mais ações que reúnam forças para minimizar os danos causados a essas pessoas”, finaliza Ana Livia.
Mais informações: csvm@ufjf.br | www.ufjf.br/csvm