Estudo inédito na América Latina, desenvolvido na Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Federal Paulista (Unesp), indica que 1,9% da população brasileira é de pessoas transgênero ou não binárias. Tal percentual representa cerca de 4 milhões de cidadãos e cidadãs. Ao mesmo tempo em que a pesquisa de 2021 revela números expressivos, dados alarmantes tornam traumáticas as experiências de trans e travestis.

No ano passado, por exemplo, foram registrados 140 assassinatos de representantes da letra T, da sigla LGBTQIA+, dado coletado a partir de estudo da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). O Brasil se torna, portanto, pelo 13º ano consecutivo, o país onde mais pessoas trans foram mortas.

Ações dos governos municipais, estaduais e federal para o combate à transfobia se tornam cada vez mais urgentes, bem como políticas que promovam o acolhimento desta parcela da sociedade. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), um dos trabalhos que visa contribuir para o cuidado de pessoas transgênero é o projeto de extensão “Falatrans: atendimento psicanalítico para o público trans”.

Liderado pela professora e coordenadora do curso de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da UFJF, Alinne Nogueira, o Falatrans funciona há quatro anos no Centro de Psicologia Aplicada (CPA) e está com chamadas abertas para pacientes contínuo(a)s. Alinne reforça que qualquer pessoa que não se identifique totalmente ou parcialmente com o gênero designado no nascimento pode ter acesso ao atendimento psicanalítico oferecido pelo Falatrans.

“Basta entrar em contato com o CPA e deixar o nome com telefone. Essa informação é enviada para a coordenação do projeto. Os atendimentos, por enquanto, têm sido em formato on-line. No entanto, a partir de abril, quando a UFJF retornará com suas atividades 100% presenciais, as pessoas poderão ser atendidas de ambas as maneiras”, explica a professora. Atualmente, o projeto de extensão atende cerca de 50 pessoas.

Saúde mental é tratada para reverter cenário doloroso

A insegurança por conta da violência e a falta de perspectiva profissional são dois fatores determinantes para o sentimento de não inclusão sofrido pela população trans e travesti brasileira. Tal afirmação pode ser confirmada por outros dados da Antra. No primeiro semestre de 2019, foram registrados 12 suicídios de transgêneros no país e, no mesmo período, em 2020, foram mapeadas 16 ocorrências do mesmo tipo. Além disso, mais de 90% da população trans e travesti sequer consegue chegar a fazer um curso superior.

Foi a partir da observação de informações deste tipo que a professora Alinne Nogueira idealizou o Falatrans, que é vinculado à Pró-Reitoria de Extensão (Proex) da UFJF e se tornou o primeiro projeto de atendimento clínico e psicológico para este público. “Já passaram pelo Falatrans uma média de cem pessoas. A maioria do(a)s atendido(a)s chegam até nós para falar sobre as dificuldades cotidianas, visto que a resistência e a agressão ainda se encontra presente na nossa sociedade. E isso dificulta demais o processo de desenvolvimento deles e delas, e a consequente construção de identidades e reelaboração de seus corpos”, relata Alinne.

Formação de futuros profissionais

Além da preocupação com os atendimentos, outro objetivo do Falatrans é a formação de profissionais da Psicologia. A equipe do projeto é composta por 20 pessoas, entre alunos da UFJF, da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ), do centro universitário UniAcademia e profissionais juiz-foranos da área. Lorena Silva Loures, que atualmente é colaboradora externa do Falatrans, foi aluna do curso de Psicologia da UFJF, bolsista de extensão e uma das idealizadoras do projeto.

Agora, Lorena leva a experiência para o seu mestrado em Teoria Psicanalítica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela constata que a população trans e travesti sofre grande violência por parte de profissionais de saúde e se torna fundamental propor uma psicanálise que mostre abertura para o pensamento a respeito de pessoas trans e travestis para fora da patologia. “É preciso fazer uma inversão das nossas leituras. Precisamos ouvir as denúncias que as pessoas trans e travestis fazem à estrutura patriarcal da nossa sociedade e as críticas à própria teoria psicanalítica. Meu trabalho visa, portanto, entender como este tipo de atendimento contribui para revisarmos a nossa própria ética e literatura e parar de considerar as pessoas trans como meros objetos de alguma teoria psicológica”, ressalta Lorena.

Para além do atendimento psicológico, os colaboradores externos participam de outras atividades, como supervisões, estudo de textos e reuniões, realizadas sempre às terças-feiras, às 14h. Graduando(a)s, ex-aluno(a)s do curso de Psicologia e profissionais da área interessado(a)s podem entrar em contato diretamente com o CPA caso queiram fazer parte do projeto.

Outras informações:

Centro de Psicologia Aplicada (CPA): (32) 2102-3121