Parque Halfeld: Registro realizado pelo fotógrafo Roberto Dornelas em 1967 (Acervo Memorial)

“Ganhar as ruas” pode significar simplesmente sair até elas, bem como tornar pública e ampla uma expressão política. O termo dá título à exposição que marca a reabertura do Memorial da República Presidente Itamar Franco na próxima segunda-feira, dia 14, após quase dois anos de portas fechadas devido à pandemia de Covid-19. A mostra reflete sobre a cidade e sua ocupação, partindo da experiência de esvaziamento das ruas, provocada pelo vírus, e de uma retomada radicalmente modificada pela crise sanitária. 

Do acervo com milhares de fotografias da Juiz de Fora da segunda metade do século XX, com ênfase para os períodos da gestão de Itamar Franco à frente da Prefeitura, entre as décadas de 1960 e 1970, saem imagens de uma cidade ainda pouco verticalizada, festiva e quase idílica, representando a memória. Pelo olhar sensível de Nina Cristofaro, jovem fotógrafa natural de Juiz de Fora, é possível enxergar o passado que resiste no presente, em ruínas espelhadas pelas ruas centrais. Já pelas mãos de Luiz Gonzaga, artista multiplataforma, a cidade da fantasia se mostra ocupada pelos monstrinhos da série “Ilustra Monstro”.

“Ocupar as ruas, assim como ocupar os museus, é parte da natureza humana, que busca interação e arte”, defende a supervisora do Memorial, Daniella Lisieux. “Essa exposição atua com três dimensões da urbe: o que foi e não é mais, que foi e ainda vemos, e o que poderia ser. A pandemia nos impõe uma nova reflexão sobre a ocupação das ruas, esse espaço do risco, do perigo, mas também do compartilhamento e da escrita da vida comum. Ressignificar esse lugar envolve um tanto de nostalgia, fantasia e realismo, expressões que fazemos interagir no conjunto de imagens”, aponta Mauro Morais, curador da mostra ao lado de Paulo Alvarez. 

Monstro dá boas-vindas aos visitantes

Logo na fachada envidraçada do Memorial encontramos um dos monstrinhos da série “Ilustra Monstro”. A criação de Luiz Gonzaga recepciona o visitante que, na exposição, se depara com diferentes cenários ocupados pelos simpáticos bichos, da Avenida Rio Branco à Praça da Estação, passando pela Avenida Itamar Franco, em cena na qual o monstro engole a pipa da escultura “Menino Empinando Pipa”. As ilustrações digitais, segundo Luiz Gonzaga, são feitas a lápis, inicialmente em sketchbooks, para depois serem transpostas para o Photoshop, quando são redesenhadas, redimensionadas e adaptadas ao cenário fotografado pelo artista, com ajuste de luz e sombra para que soem naturais.

“A principal ideia do projeto é chamar a atenção das pessoas para o lugar comum, aquele do dia a dia, além dos espaços turísticos ou de admiração pública. Aquele que passa despercebido com o corre-corre do cotidiano. Existe uma história por trás de cada logradouro, um mistério a ser descoberto ou algo ainda por vir que o torna vital e até místico, além de ser uma ponte ou acesso para o outro local de destino. Precisamos nos atentar para esses lugares: há uma história ali a ser contada. E, com os monstros, esses lugares simples tornam-se novamente percebidos”, define o artista, sobre a série iniciada em 2010.

Cisco, Ilustra Monstro, de Luiz Gonzaga (Foto: Divulgação)

Jogar luzes sobre essa urbe em constante transformação também é o interesse de Nina Cristofaro, autora do projeto “Reminiscências da Cidade”, no qual se insere a série fotográfica “Resquícios do Tempo”, apresentada de forma inédita na exposição “Ganhar as ruas”. “São casas que não deixaram de existir, porém foram esquecidas, desconfiguradas e negligenciadas. E, no atual cenário urbano, encontram-se em situação de invisibilidade, descuido e abandono”, pontua a artista visual graduada no curso de Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design da UFJF.

A cidade e a memória

Tanto os registros do Festival de Música Popular Brasileira, na Juiz de Fora de 1970, quanto os de um movimentado Parque Halfeld, em 1967, e da última viagem do bonde, em 1969, quanto as imagens atuais de Nina Cristofaro acionam a cidade de muitas memórias, cada um à sua maneira. “Precisamos constantemente revisitar as memórias para que elas permaneçam ativas e signifiquem algo para diferentes gerações”, defende Daniella Lisieux, supervisora do Memorial.

“Em meio à visualidade citadina, há alguns elementos de assombro, tal como ruínas, rachaduras nas paredes, portas interditadas com concreto e janelas e números de identificação ausentes – que provocam estranhamento e nos levam a questionar o sentido de moradia e espaço habitável”, observa Nina sobre sua série. “O ‘vende-se’ ecoa por toda a cidade, em casas desistidas, que esperam o que virão a ser. Nesse âmbito, venho me dedicando a captar os resquícios, as marcas depositadas pelo tempo, os traços que essas fachadas revelam, e o que elas ocultam.”

Novas recordações

 Acionando outras memórias, um novo setor do Memorial é inaugurado com a reabertura. A mesa que acompanhou Itamar Franco durante toda a sua vida pública tem sua história resgatada no segundo andar, com registro fotográfico de reunião feito ao seu redor durante o primeiro governo municipal do político, no final dos anos 1960. Outras cenas de reuniões são recuperadas numa vitrine, bem como o discurso de 1973 como Prefeito de Juiz de Fora pela segunda vez e objetos pessoais, como uma lupa e um tinteiro. O espaço também retorna revitalizado e com novo layout no primeiro andar.

“Além das reflexões sobre democracia e seus desdobramentos, a memória de Itamar Franco é valiosa para a cidade e precisamos lembrar o quanto ele significa. Em Juiz de Fora houve um estudante, como tantos outros que vemos pelas ruas, que jogava basquete, frequentava a Faculdade de Engenharia da UFJF e que se tornou um respeitado presidente do nosso país. Quantos ‘Itamares’ podem estar crescendo em Juiz de Fora atualmente?”, indaga Daniella Lisieux sobre o inspirador personagem que este ano completaria 30 anos de sua chegada à Presidência da República, fato norteador para as ações que ganharão as ruas em 2022.

A visitação ocorrerá de segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 17h. As visitações devem ser feitas após comprovação de esquema vacinal em dia. A permanência no espaço exige o uso de máscara, bem como o respeito ao distanciamento social. O espaço oferece álcool em gel para higienização constante das mãos e luva para manipulação das gavetas de exposição, além de realizar o controle de acesso para evitar aglomerações.

O Memorial da República Presidente Itamar Franco fica localizado na Rua Benjamin Constant 790, no Centro da cidade. 

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