Criada em 2013, a iniciativa é inspirada na experiência de outras instituições do país e exterior, como a Harvard University (Arte: Logotipo/Sempre Vivo)

A Anatomia é o ramo da Medicina que estuda a forma e a estrutura dos diferentes elementos constituintes do corpo humano, sendo de vital importância para diversas áreas do conhecimento. Entender o funcionamento do corpo pode ajudar na compreensão de muitos problemas, como a atuação de determinadas doenças e enfermidades ou de substâncias e fármacos no organismo de um indivíduo. O estudo da anatomia humana cumpre, ainda, um papel fundamental na formação de estudantes da área da Saúde e Biológicas.

Diante da importância dos corpos para as atividades de ensino e pesquisa, foi criado, em 2013, no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF, o Sempre Vivo – Doação voluntária de corpos para fins de ensino e pesquisa. Recentemente, a trajetória desse programa foi destaque em artigo publicado na revista Anatomy & Cell Biology: “The creation of a body donation program at Federal University of Juiz de Fora in Brazil: academic importance, challenges and donor profile”.

Para a coordenadora do projeto, professora do Departamento de Anatomia Alice Belleigoli Rezende, a publicação em um periódico internacional específico na área “é um reconhecimento de todo o trabalho realizado pela equipe do projeto e pelo Departamento, sempre com compromisso ético, científico e profissional”.

A docente complementa que “a renovação permanente e a manutenção do acervo são fundamentais para a qualidade do ensino e para uma formação mais ampla e adequada dos alunos. A literatura evidencia que o contato com corpos e peças naturais contribui significativamente para o conhecimento técnico e aquisição de habilidades clínicas requeridas aos profissionais de saúde”.

“O artigo também dá visibilidade e divulga a Doação Voluntária de Corpos e o Sempre Vivo não apenas na região e em nosso país, mas em toda comunidade acadêmica e científica internacional, encorajando a doação e facilitando a fundação de novos programas semelhantes em outras instituições de ensino e pesquisa no Brasil e no mundo”, ressalta o vice-coordenador do projeto, professor André Gustavo Fernandes de Oliveira.

Estrutura e sensibilização

O Departamento de Anatomia da UFJF conta com seis laboratórios anatômicos e atende a nove cursos de graduação das áreas de Saúde e Ciências Biológicas, totalizando aproximadamente dois mil alunos por ano. Por isso, há uma demanda grande de disponibilidade por corpos e peças anatômicas, sendo que o corpo doado pode ser usado por até 40 anos em todas as suas fases de utilização, incluindo peças isoladas, esqueleto e ossos.

Para além da questão acadêmica, o estudo em corpos humanos representa, para muitos alunos, o primeiro contato com a morte. “Esta experiência promove reflexões acerca da finitude humana, respeito, altruísmo, e generosidade, contribuindo para o desenvolvimento pessoal dos estudantes, bem como para uma formação profissional humanizada”, acredita Alice Rezende.

Quanto à divulgação e sensibilização da comunidade acadêmica, os coordenadores relatam que, a cada novo semestre, o projeto é apresentado aos discentes que estão cursando disciplinas de Anatomia, reforçando a necessidade da doação para renovação e manutenção do acervo de peças anatômicas, e enfatizando a relevância dos corpos doados para uma adequada formação discente, tornando-os replicadores desta ideia.

Um dos laboratórios do Departamento de Anatomia no ICB, utilizado nos cursos de graduação (Foto: Alexandre Dornelas)

Além disso, são realizadas diversas outras ações, tais como: participação em eventos institucionais – como semanas e jornadas científicas – com estandes educativos; site do Departamento de Anatomia; realização de campanhas nas áreas de lazer que a UFJF oferece a população, com distribuição de folders explicativos; oferta de palestras em outras instituições de ensino; participação em eventos científicos.

Como doar?

Pessoas interessadas em se cadastrar no Sempre Vivo como doadoras devem entrar em contato com o Departamento de Anatomia da UFJF para comunicar sua intenção e esclarecer todas as suas dúvidas sobre o processo. Uma vez feita a opção pela doação, alguns documentos específicos devem ser providenciados e registrados em cartório para completar o cadastro.

“Qualquer pessoa com idade acima de 18 anos pode se cadastrar e não há limite de idade para a doação. A doação post mortem, sem cadastro prévio, também é possível, neste caso a decisão cabe à família que deve preencher a documentação necessária”, informa.

Nos seis primeiros anos de funcionamento, os dados coletados apontaram que o perfil predominante entre os doadores são mulheres, com nível superior de educação, idade média em torno de 60 anos, que se autodeclaram espíritas: “Algumas dessas características geralmente não são encontradas em outros programas, e isso destaca o fato que esse perfil varia de acordo com o local. A maioria relata que a motivação se dá pelo desejo de colaborar com a formação dos estudantes e com pesquisas que podem gerar benefícios para a saúde da população.”

Trajetória

Historicamente, os corpos utilizados pela UFJF são aqueles não reclamados, ou seja, não identificados por familiares. Em 2011, professores do Departamento de Anatomia constataram que essa forma de obtenção tornou-se insuficiente para a manutenção do acervo.

“Havia um declínio progressivo na obtenção de corpos associado a uma demanda crescente por peças anatômicas. Nesse contexto, tornou-se necessário buscar uma via alternativa para manter a disponibilidade dessas peças para o ensino de Anatomia”, contextualiza a pesquisadora.

Inspirada em outras instituições de ensino superior brasileiras, como a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e a Universidade do Estado de São Paulo, e internacionais, como a Harvard University, foi criado o programa Sempre Vivo, institucionalizado em dezembro de 2013 pela Resolução 15/2013 do Conselho Superior.

“Desde a sua criação até maio de 2020, período de abrangência do artigo, o Sempre Vivo alcançou a marca de 64 doadores cadastrados e sete corpos recebidos, sendo dois provenientes de doação post mortem. Considerando que desde 2010 não houve recebimento de corpos não reclamados, o programa tornou-se uma alternativa viável e acessível para a manutenção da qualidade das atividades de ensino e pesquisa.”

Outras informações:

Site do Departamento de Anatomia da UFJF: ufjf.br/anatomia/

Artigo na íntegra publicado na Anatomy & Cell Biology: pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34657839/