Em um cenário em que as fake news se alastram em velocidade viral e pandêmica, cabe às instituições informar de modo claro e preciso. Ao longo desta semana, a Diretoria de Imagem Institucional irá divulgar uma série de matérias e vídeos em função do dia Internacional dos Direitos Humanos, que é comemorado no dia 10 de dezembro, com algumas iniciativas da Universidade voltadas à garantia de direitos. “Toda e qualquer violação dos direitos humanos é gravíssima na medida em que nos afastam da nossa condição humana.” A fala da professora da faculdade de Serviço Social da UFJF, Ana Maria Ferreira, explicita porque, mesmo após mais de sete décadas da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), ainda é preciso defender a sua importância.
O documento, que se tornou o mais traduzido do mundo em mais de 500 idiomas, inspirando as constituições de muitos Estados e democracias recentes, não foi o suficiente para garantir, universalmente, a liberdade, a justiça, a paz mundial e a dignidade da pessoa humana. Atualmente, os direitos humanos estão em pauta na sociedade, sobretudo na mídia e veículos de imprensa, como também nas redes sociais.
Para a pesquisadora, há diferentes concepções de direitos humanos em disputa. “É preciso pensar de maneira crítica para entender as lutas ideológicas que circundam essa situação”, observa. Comprometido com o projeto ético-político da profissão, o assistente social atua na defesa intransigente dos direitos humanos.
“É fundamental seguirmos na direção que amplie a margem de liberdade e universalidade do ser social” (Ana Maria Ferreira)
Sobre o exercício profissional da área do Serviço Social, Ferreira alega que “deve se referenciar em valores como liberdade, democracia, justiça social, cidadania e todos aqueles que representam a afirmação de direitos historicamente conquistados e a ampliação do acesso à riqueza socialmente produzida”.
“Devemos nos posicionar cotidianamente em defesa de um projeto de sociedade e de política que seja radicalmente democrático e sem exploração ou subjugação de qualquer tipo. É fundamental seguirmos na direção que amplie a margem de liberdade e universalidade do ser social”, destaca.
À margem dos direitos humanos
O Relatório do Estado dos Direitos Humanos no Mundo de 2020, elaborado pela Anistia Internacional, revelou que, durante a pandemia, o discurso antidireitos humanos no Brasil se expandiu, agravando os problemas sociais, como os obstáculos à liberdade de expressão, os ataques a membros de povos tradicionais, a negligência da proteção dos recursos naturais e a violência contra as mulheres. “A pandemia expôs profundas desigualdades na sociedade brasileira, afetando comunidades que enfrentam discriminação de forma desproporcional”, aponta um trecho do relatório.
Para a professora do departamento de Ciências Sociais da UFJF, Rogéria Martins, esses dilemas brasileiros podem ser explicados pela herança autoritária significativa que imprime marcas nefastas nas relações sociais democráticas. “Isso estabelece uma legitimação das normatizações de violências perpetradas sobre vários perfis sociais, inclusive enaltecendo a ideia de que matar é um mérito e morrer é um merecimento para alguns.”
“Os direitos humanos pensam o sujeito em sua integridade, com trabalho, saúde, educação e habitação para todos. Isso não pode ser privilégio de alguns. No Brasil se confunde prevenção com repressão e, a partir dessa condição, o Estado – e sua representação pelos mais diferentes agentes – pode fomentar uma violência, no qual ele, em tese, deveria contê-la”, compartilha Martins, coordenadora do Laboratório de Modalidades Diferenciada de Ensino de Sociologia (LaMDES) no Núcleo de Políticas de Drogas, Violência e Direitos Humanos (Nevidh).
Política repressiva
Uma das populações que enfrentam, atualmente, muitas violações de direitos é a carcerária. Segundo dados do Infopen de 2020, o sistema de informações estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), com 773.151 presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, só perdendo para os Estados Unidos e a China. Com uma taxa de ocupação de 200%, as prisões brasileiras só têm capacidade para receber a metade do número de presos.
Na visão da pesquisadora Rogéria, um dado preocupante é que “45% dessas prisões são realizadas sem sentença de condenação transitada em julgado, ou seja, quase a metade dessa população é presa provisoriamente, antes mesmo do julgamento em primeira instância”.
Sobre a falácia de que os direitos humanos servem para defender criminosos, a especialista considera que se trata de uma narrativa para desqualificar o discurso que enaltece a reserva moral para todos. “O preso está tutelado pelo Estado e por isso não pode viver sob uma política de extermínio.”
“A história social revela como o Brasil, e especialmente a política de segurança pública, lida de forma diferente com essa dimensão de direitos para uns e outros. No imaginário coletivo tecer essa engenharia do excesso da punição se coloca para determinados perfis sociais, normatizando ações de requinte de crueldade, numa clara acumulação social da violência”, lamenta.
Para entender os direitos humanos na política de segurança pública, é preciso traçar um paralelo com a lei e a ordem: “No estado democrático, a lei e a ordem estabelecem a punição para cada tipo de delito, mas não podem se contrapor aos direitos humanos, de forma arbitrária”.
Além das grades
“No Brasil se confunde prevenção com repressão e a partir dessa condição, o Estado pode fomentar uma violência, no qual ele, em tese, deveria contê-la.” (Rogéria Martins)
O perfil da população carcerária que tem uma concentração de pessoas negras e pobres reforça os indivíduos já afetados pelas desigualdades sociais e étnico-raciais presentes na sociedade brasileira. Algo que tem chamado a atenção dos estudiosos na área é o aumento significativo nos últimos anos das mulheres no cenário do sistema prisional, sobretudo, em razão da política de drogas. Por isso, foi criado, no âmbito do Nevidh, o programa “Mulheres encarceradas de volta à vida extramuros – Revir”.
“A proposta desse programa busca se concentrar numa análise relacional com atores vinculados ao universo prisional, a partir de mecanismos de ressocialização penal, focando em três dimensões para uma reintegração à vida social bem-sucedida: as condições interpessoais (bem-estar físico e psicológico); as de subsistência (habitação, emprego e dificuldades financeiras) e, por fim, as de apoio jurídico para o restabelecimento do vínculo familiar”, sintetiza a pesquisadora.
No momento, em função das restrições impostas pela Covid-19, a dificuldade tem sido manter o programa funcionando. “Conseguimos realizar as oficinas de forma remota para algumas mulheres. No entanto, esse formato não teve o alcance numa cobertura mais plena do universo do público-alvo. A agenda para 2022 já prevê a atuação presencial, possibilitando que o programa cumpra seus objetivos”, vislumbra.
Outras informações: Revir UFJF
Relembre: Covid-19: modelo de segurança pública e situação dos presídios brasileiros