“Afirmar, reparar e transformar: perspectivas para o sistema de cotas” é o título do encontro que será realizado no próximo dia 19, sexta-feira, às 15h, no canal do YouTube da Revista A3 da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Os convidados serão o diretor de Ações Afirmativas (Diaff) da Instituição, Julvan Moreira de Oliveira, e a produtora cultural e membro do Gerres, da UFJF-GV, Flávia Carvalho.
O debate do “Encontros A3” irá girar em torno dos objetivos e da história das ações afirmativas na UFJF, bem como da importância da presença de representantes negros e negras como forma de identificação e representatividade e da recente votação que determina a aplicação de cotas nos Programas de Pós-Graduação (PPGs). Tudo para fomentar a avaliação dos dez anos da Lei de Cotas, a serem celebrados em 2022, e para que haja a reflexão a respeito das questões que envolvem a comunidade negra para além do 20 de novembro, dia da Consciência Negra.
Para Julvan Moreira de Oliveira, tal política é uma das raras conquistas do movimento negro no Brasil. “Ao todo, 4,8 milhões de africanos chegaram ao Brasil escravizados, fora os seus filhos, que ficaram aqui sendo escravizados. Há uma dívida histórica, que só foi reconhecida em 2001, após uma conferência das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Durban”, informa, fazendo referência à 3ª Conferência Mundial sobre o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela ONU, na África do Sul. Segundo Oliveira, é a partir desta data que o Brasil, assim como outros países, passou a pensar em políticas de ações afirmativas.
Lei de Cotas
No ano de 2012 foi a aprovada a Lei 12.711, que passou a determinar que as universidades federais deveriam destinar 50% de suas matrículas para estudantes autodeclarados negros, pardos, indígenas, de baixa renda, com rendimento igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tivessem cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A obrigatoriedade da política de cotas nas instituições federais de ensino superior celebra, portanto, em 2022, uma década.
Antes da aprovação da lei, 18 das 58 universidades públicas do país ainda resistiam em aplicar o sistema de cotas. Para se ter ideia, em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos, cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil.
As experiências com o sistema de cotas começaram em 2002 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2004, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição federal a adotar o modelo de cotas raciais enquanto política de ação afirmativa. Entende-se ações afirmativas como um conjunto de medidas que têm por objetivo corrigir desigualdades presentes na sociedade, que busquem oferecer equidade de oportunidades e o combate ao preconceito e à discriminação.
A UFJF, bem antes da institucionalização da Lei de Cotas aprovada em 2012, já demonstrava seu pioneirismo na instauração de ações afirmativas para a graduação. Também em 2004, aprovou seu próprio sistema, com a Resolução nº 16/2004 do Conselho Superior (Consu), sendo a primeira do estado de Minas Gerais. O documento fixava a exigência de dez anos para a ação afirmativa, revisada três anos após sua implantação.
Em 2005, a Resolução nº 5 do Consu fixou os percentuais a serem gradativamente aumentados e estabeleceu critérios de inclusão nos grupos de cotistas: (A) negros egressos de escolas públicas; (B) egressos de escolas públicas; (C) não cotistas. No ano de 2006, foram reservadas 30% das vagas para cotistas e, em 2008, 50% tanto no acesso pelo vestibular quanto pelo Programa de Ingresso Seletivo Misto (Pism). E, a partir de 2012, a instituição se adequou à Lei de Cotas nacional, assim como todas as universidades federais brasileiras.
Atualmente, para a análise da condição étnico-racial afirmada pelo candidato autodeclarado negro (preto ou pardo), a UFJF conta com a Comissão de Heteroidentificação, que atende ao ingresso em todos os cursos de graduação e, a partir de 2021, de pós-graduação. As bancas de heteroidentificação, constituídas pelas instâncias competentes da administração superior da UFJF, analisam os pedidos dos candidatos durante o processo seletivo. O objetivo é evitar fraudes, levando a política de ações afirmativas até quem, de fato, possui o direito.
Como denunciar fraudes
Para eventuais fraudes ao sistema de cotas instituído na UFJF e em outras universidades federais, com o intuito de garantir a defesa das ações afirmativas e dos mecanismos que garantem os direitos conquistados pela história das comunidades negra, indígena e de pessoas com deficiência, é preciso registrar oficialmente as denúncias. As delações devem ser encaminhadas pela plataforma nacional Fala.BR. A ouvidoria da Universidade analisa a delação, que é encaminhada à Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) ou Pós-Graduação e Pesquisa (Propp), que instauram o processo através da Comissão de Sindicância.
Cotas na Pós-Graduação
Em mais uma iniciativa histórica para a instituição, em outubro de 2021, através da Resolução 67, o Consu da UFJF aprovou a reserva de 50% de vagas para ações afirmativas em Programas de Pós-Graduação. Pessoas negras, ou oriundas de povos e comunidades tradicionais, pessoas trans (transgêneros, transexuais e travestis), pessoas com deficiência (PcD) e refugiadas, solicitantes da condição de refugiado ou imigrantes humanitários passarão a fazer parte do sistema até então somente implantado nos cursos de graduação.
Segundo o diretor da Diaaf, a discussão com diversos representantes da comunidade acadêmica começou ainda em 2017, por meio do Grupo de Trabalho (GT) Cotas na Pós-Graduação. Na época, Victor Cezar Rodrigues, representante da Associação dos Pós-Graduandos (APG) lembra que o grupo fez um levantamento de quais universidades já haviam implantado o sistema de cotas na pós-graduação. Entre elas, estavam a Universidade Federal de Goiás (UFG), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). “A partir desse mapeamento, discutimos qual seria o modelo ideal para a realidade da UFJF. Neste primeiro momento, por exemplo, pensávamos em como oferecer melhores condições para os alunos da graduação, que já haviam ingressado na Universidade pelas cotas, concorrerem às vagas nos programas de mestrado”, conta Victor.
Questões como a aplicação de provas de idiomas e o suporte para a elaboração de projetos eram fatores bastante discutidos. “Com o passar dos anos, tanto na graduação quanto na pós, percebemos uma mudança no perfil dos alunos e alunas da UFJF. Mas seria preciso unificar a forma de entrada, obviamente respeitando a metodologia de ingresso de cada Programa de Pós-Graduação”, ainda destaca o então representante da APG.
Os debates foram se desenvolvendo até a aprovação no Consu em 2021. A implantação da Política de Ações Afirmativas na Pós-Graduação deverá ocorrer progressivamente, sendo o percentual de reserva de vagas de 30% no primeiro ano. O valor será acrescido anualmente, em cinco pontos percentuais, até atingir o percentual inédito de 50%.
Sobre a live
Tema: Afirmar, reparar e transformar: perspectivas para o sistema de cotas
Data e Horário: 15h, dia 19 de novembro (sexta)
Canal: Canal do YouTube da Revista A3 UFJF (www.youtube.com/c/RevistaA3UFJF) e pelo perfil oficial do Facebook da UFJF
Convidados: Flávia Carvalho, Produtora cultural e membro do Gerres, da UFJF-GV e Julvan Moreira de Oliveira, Diretor de Ações Afirmativas da UFJF
Principais temas a serem abordados:
* 10 anos da Lei de Cotas
* Objetivo e história das ações afirmativas na UFJF
* Importância da presença de representantes negros como forma de identificação e representatividade
* Ações afirmativas nos Programas de Pós-Graduação da UFJF
* Atuação e importância do Gerres
Convidados:
Julvan Moreira de Oliveira
Professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), exercendo atualmente o cargo de Diretor de Ações Afirmativas; Doutor e Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); Especialista em Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Política) pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP); Licenciado em Filosofia pela Universidade São Francisco (USF-SP); Graduado em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da Arquidiocese de São Paulo; membro do GT 21 – Educação e Relações Étnico-raciais – da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED); do GT Filosofia Africana e Afrodiaspórica da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN); da Red Iberomericana de Investigación en Imaginarios y Representaciones; do Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial de Juiz de Fora; líder do ANIME (Grupo de Estudos e Pesquisas em Africanidades, Imaginário e Educação); atua na área de Antropologia Educacional e Filosofia da Educação, com interesse nos seguintes temas: africanidades; filosofia africana; imaginário afro-brasileiro; diversidade étnico-racial; socioantropologia do cotidiano
Flávia Carvalho
Mestra em Gestão e Avaliação da Educação Pública e jornalista com especialização em Políticas Públicas e Projetos Sociais, pela Universidade Vale do Rio Doce. Atualmente é produtora cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Gov. Valadares. Integra o Conselho Municipal de Política Cultural de GV e, entre 2017 e 2018, foi membro do Conselho Deliberativo de Patrimônio Histórico Cultural de GV. Entre 2012 e 2015 trabalhou como analista de Artes e Cultura do Sesc Governador Valadares, sendo responsável pela estruturação e gestão da Escola de Artes e Cultura da unidade e também da produção local de diferentes projetos, como Palco Giratório, Sonora Brasil e Projeto Parede. É idealizadora do projeto Semana de Formação Artística, que foi replicada em 2014 em diversas unidades do Sesc Minas Gerais. Entre os anos de 2009 e 2012 atuou junto à Ong Núcleo Cidade Futuro, como assessora de comunicação e produtora cultural no Projeto de Manutenção das Atividades da ONG, financiado pelo Fundo Estadual de Cultura de MG; Ponto de Cultura Beabá Audiovisual (Programa Cultura Viva), sendo este o primeiro Ponto de Cultura do Vale do Rio Doce financiado pelo Ministério da Cultura; Projeto Banco da Memória, realizado em parceria com a Ong Favela é Isso Aí (BH). Teve o projeto Revista Interioriza aprovado em duas leis de incentivo: Lei Estadual de Incentivo à Cultura de MG (2010) e Lei Rouanet (2012). Tem experiência nas áreas de comunicação comunitária, comunicação e cultura, mobilização social e Terceiro Setor.
Sobre o Gerres:
O Grupo de Estudos relações raciais, Estado e sociedade (Gerres) tem como objetivo pesquisar e analisar diferentes conteúdos a respeito das questões raciais em nossa sociedade, tendo como foco de atuação a UFJF-GV e a comunidade de Governador Valadares. O grupo contempla ainda atividades que possam contribuir no fomento aos debates e às ações relacionadas ao tema dentro da universidade.