Durante dois anos foi desenvolvido o modelo matemático que simula comportamento das células e comprova a participação da molécula Plexina-B2 no controle do citoesqueleto das células-tronco (Imagem: Reprodução)

Nos últimos anos, é cada vez mais comum se ouvir falar em tratamentos com células-tronco. Afinal, a possibilidade de reparar, regenerar ou substituir células é realmente um amparo para curar doenças e enfermidades relacionadas a lesões em células, órgãos ou tecidos. As células-tronco que surgem no indivíduo ainda na fase embrionária têm um potencial muito grande para revolucionar a Medicina moderna, aliadas ao estudo de biomateriais e engenharia de órgãos e tecidos.

Cooperação da UFJF se estende para o entendimento do câncer cerebral, com potencial de desenvolvimento de drogas para tratar diversos tipos de tumores.

Laboratórios de neurociência da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mount Sinai de Nova York têm realizado estudos para entender o comportamento das células-tronco, com base em uma molécula que regula o citoesqueleto e o movimento das células, a Plexina-B2. Em busca de comprovar os experimentos laboratoriais, a equipe tem contado com a ajuda dos professores José Paulo de Mendonça e Rodrigo Alves Dias, do Departamento de Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que desenvolveram modelo computacional para simular o movimento celular.

Os primeiros resultados já foram compartilhados no artigo, publicado na revista Nature Communications, intitulado “Plexina-B2 orquestra a dinâmica coletiva das células-tronco por meio da contratilidade da actomiosina, tensão do citoesqueleto e adesão” (Plexin-B2 orchestrates collective stem cell dynamics via actomyosin contractility, cytoskeletal tension and adhesion).

O estudo também irá compor a edição especial da revista Stem cells, que seleciona trabalhos de grande relevância na área de células-tronco. A colaboração com a UFJF está sendo aplicada, ainda, para o entendimento do câncer cerebral, e poderá levar ao desenvolvimento de novas drogas para tratar diversos tipos de tumores.

Ex-aluno da UFJF, Chrystian Junqueira Alves é pós-doutorando na Escola de Medicina Icahn do Hospital Mount Sinai, em Nova York. Foto: Arquivo pessoal

“A Plexina-B2 é um membro de uma família de receptores que atuam como reguladores do crescimento dos axônios (responsáveis pela transmissão de informações do neurônio para outras células) no cérebro, e também têm um papel muito importante no movimento de diversas células do corpo. O foco do nosso laboratório é estudar o papel das plexinas em colônias de células-tronco e também no tumor cerebral conhecido como glioblastoma multiforme, um tipo muito agressivo de câncer, altamente invasivo e difícil de tratar”, afirma o pós-doutorando da Escola de Medicina Icahn do Hospital MountSinai, em Nova York, Chrystian Junqueira Alves, graduado em Ciências Biológicas pela UFJF.

“Nessa primeira etapa da nossa pesquisa, nós mostramos o papel fundamental que a Plexina-B2 tem na regulação do citoesqueleto e consequentemente no movimento e na organização das colônias de células-tronco. Essa regulação tem importantes implicações para a eficiente diferenciação de células adultas, como neurônios e cardiomiócitos”, complementa.

Ele lembra que entender o funcionamento básico dessa molécula é crucial, uma vez que a próxima etapa é estudá-la nas células cancerígenas, para compreender como elas se movimentam e geram metástases.

Simulação computacional

Os pesquisadores da UFJF desenvolveram o modelo computacional no Laboratório de Física Aplicada (LabFlapi), após cerca de dois anos de elaboração e aperfeiçoamento para conseguir simular uma célula viva e a interação com a molécula Plexina-B2. “A novidade está na construção do protótipo de célula, em que toda a programação foi desenvolvida no LabFlapi, a partir de técnicas e métodos conhecidos”, informa Dias.

O pesquisador explica que a reprodução no software foi feita a partir de quatro elementos principais (conforme imagem abaixo): “o tipo 0 inclui todas as partículas que compõem a membrana da célula; o tipo 1 se refere ao núcleo e aos filamentos de actina; o tipo 3 corresponde à cabeça do filamento da actina; e o tipo 7 representa a ponta de manipulação da Plexina-B2.”

Protótipo busca mensurar a força exercida por uma ponta em escala atômica que atua na Plexina-B2 no movimento celular (Imagem: Reprodução)

A partir dessa reprodução celular, foi elaborada uma matriz de tecido com 25 células. “Puxamos uma célula no meio do tecido e medimos a força necessária para esse movimento”, alega. Ao identificar que a força atômica variava de acordo com a quantidade de Plexina-B2, fazendo com que todo o tecido se deslocasse, os pesquisadores conseguiram comprovar a hipótese levantada pelo grupo de Nova York, corroborando os experimentos realizados em laboratório.

Aplicações diversas

Na opinião do professor José Paulo de Mendonça, os gráficos produzidos pelo modelo computacional mostram que a simulação desenvolvida pela Física pode ajudar a desvendar vários mistérios. “Demonstrar que a Plexina-B2 atua na cabeça do filamento de actina não é nada trivial. Pretendemos expandir essa metodologia para outras áreas da Medicina, como na pneumologia para entender o funcionamento dos alvéolos, por exemplo”, ressalta.

Como a novidade ganhou destaque no grupo Nature, uma das publicações de maior impacto científico, os pesquisadores consideram que isso já mostra a relevância da simulação desenvolvida em parceria com o instituto dos Estados Unidos: “Eles gostaram muito dessa interação da Física com a parte laboratorial e já estamos utilizando a ferramenta para atender outras demandas deles”.

“Eu devo muito a UFJF como instituição que me deu as fundações intelectuais e científicas para ser o cientista que eu sou hoje”, Chrystian Alves.

O pós-doutorando Chrystian Alves conta que a próxima investigação a ser publicada é sobre o papel fundamental das plexinas na migração de células de tumores cerebrais. “Por meio de técnicas avançadas de imagem e novas tecnologias in vitro (em tubo de ensaio), estamos obtendo evidências impressionantes de como as células tumorais têm a capacidade de passar por espaços confinados dentro do cérebro, e ao que tudo indica, as plexinas têm um papel essencial nesse processo”, detalha.

Para além da Física Aplicada

Rodrigo Alves Dias salienta que os experimentos só foram possíveis pela parceria com o grupo de simulação computacional do Departamento de Física. “Essa troca e compartilhamento de experiências, materiais e recursos já acontece com frequência e é muito importante para a continuidade das pesquisas”.

O Laboratório de Física Aplicada (LabFapli) existe há cerca de 20 anos e atua em colaboração com outras universidades, institutos de pesquisa e empresas de diversas áreas. Atualmente, a maior parte dos recursos é captado por meio de projetos e prestação de serviços para a iniciativa privada.

Embora este tenha sido o primeiro uso de simulações da Física para o campo médico, já são realizadas diversas experimentações em outras áreas, como em energia, petróleo, mineração. “A nossa atuação é multidisciplinar e estamos abertos a atender diversos tipos de empresas que buscam uma solução para algum problema ligado à Física”, pontua José Paulo de Mendonça.

José Paulo de Mendonça tem a expectativa de aplicar o modelo para outros problemas do campo da Medicina (Foto: Arquivo pessoal)

Em sua perspectiva, o Laboratório tem cumprido um importante papel ao realizar projetos de altíssima qualidade com instituições de outros países, como também ao transferir o conhecimento acadêmico para o mercado, na forma de soluções e produtos inovadores.

O ex-aluno da UFJF acredita que a colaboração internacional também é uma forma de aumentar a relevância da pesquisa nacional, sobretudo em um momento em que a ciência do país precisa de qualificação e investimento, mas é pouco reconhecida pelos governos. “Eu devo muito a UFJF como instituição que me deu as fundações intelectuais e científicas para ser o cientista que eu sou hoje. A universidade tem papel fundamental na construção do indivíduo, e molda inclusive a forma como ele pensa”, expressa Chrystian Alves.

Serviço: Laboratório de Física Aplicada – UFJF