Toda a sociedade brasileira passa por momentos trágicos. Estamos no pior momento da pandemia COVID-19, com necessidade urgente de cuidados, de distanciamento, de solidariedade e de defesa da ciência. A Universidade é a casa da ciência, e o brasão da Universidade Federal de Juiz Fora o expressa no que é sua convicção mais firme: “lumina spargere” – disseminar a luz. Não obstante tal objetivo, expresso na formação de gerações, sua atuação em pesquisa e sua associação com a comunidade de toda a região, a UFJF eventualmente é atacada, gratuita e levianamente, por alguns personagens que parecem odiar a universidade pública, seu papel de inclusão e atuação científica, caluniando, desrespeitando e frequentemente distorcendo o papel público de uma Universidade Federal.
Desde a sexta-feira, dia 26 de março, circula na rede mundial de computadores um vídeo, gravado a partir de uma “live” proposta e conduzida pelo sr. Vereador, Carlos Alberto de Mello, conhecido como Sargento Mello Casal. Em companhia do ex-deputado e condenado pela ação penal 470 do STF por corrupção passiva, o sr. Roberto Jefferson, foram manifestas opiniões claramente ofensivas e desrespeitosas, por palavras e gestos de concordância de uma à outra parte, com a clara intenção de estímulo ao preconceito, o peculiar negacionismo e a disseminação de informações imprecisas ou simplesmente falsas. Agrega-se a isto ameaças de violência física à Guarda Municipal, a defesa de formação de uma milícia e evidente incitação à violência, ao lado das ofensas gratuitas à Chefe do Executivo Municipal, ataques generalizados ao funcionalismo público e ao próprio Ministério Público. Não bastasse, como já é recorrente em segmentos autoritários e anticiência, foram realizados ataques às Universidades Públicas e, em particular, à UFJF. Para os cidadãos Sargento Mello e Jefferson, a UFJF seria responsável por uma “indústria de gay, de maconheiro, de cocaineiro, de comunista”, dita pelo segundo com risada do primeiro. Não suficiente, seria povoada por servidores “malandros” e alunos sob influência da “esquerda”. As manifestações do ex-deputado são aprovadas pelo vereador, o qual não o contesta sob nenhuma forma. E este devolve a gentileza com projetos como o de cortar salários do funcionalismo municipal se este estiver “em casa” ou ainda a formação oficial (como se tal fosse possível) de uma milícia.
Seria o caso, em primeiro lugar, de perguntar aos demais vereadores formados pela UFJF em qual dos estereótipos preconceituosos se enquadram, uma vez serem egressos da instituição. Em seguida, seria necessária uma pequena preleção aos dois cidadãos sobre como funciona uma Universidade Federal: as pessoas ingressam por concurso público, passam por avaliação em toda a sua carreira, seus procedimentos administrativos são todos transparentes e auditáveis, fiscalizados por órgãos de controle como o TCU e a CGU. A formação científica tem protocolos, regras e operações públicas, os professores gozam de liberdade de cátedra e realizam seu trabalho de acordo com a formação rigorosa que possuem (a UFJF tem mais de 90% de seus professores com doutorado). Somente uma mente distorcida e dominada por teorias conspiratórias pode imaginar que todo um sistema de conhecimento de tal magnitude, reconhecido internacionalmente e, na UFJF, com a tradição de 60 anos, esteja formando os estereótipos defendidos pelo Vereador e o presidente do PTB, partido criado por Getúlio Vargas e que, já há algum tempo, parece estar povoado por insanidades autoritárias e negando sua própria tradição.
A UFJF atua em todas as áreas de conhecimento, tem 45 cursos de pós-graduação, mais de 90 cursos de graduação; além do trabalho incansável do HU a qualquer tempo, nosso hospital tem se reinventado para responder às necessidades de saúde da população. Durante a pandemia, a UFJF já realizou mais de 22.000 exames de COVID, mais de 100 pesquisas estão sendo conduzidas no combate à doença, a universidade tem contribuído decisivamente com o processo de vacinação em Juiz de Fora e vem realizando ainda 100 ações de extensão no combate a pandemia. A instituição tem 3.000 servidores (professores e técnicos), emprega trabalhadores terceirizados em grande volume e contribui muito significativamente com a economia local, em comércio e serviços, movimentando próximo de 1 bilhão na economia local e regional. Não conhecemos um único município, por todo o país, que repudie a presença de uma universidade federal. Justamente porque sabem o quanto importa uma universidade na formação, na pesquisa, nas ações e na economia de toda uma cidade, fora sua presença como polo dinâmico de pesquisa e inovação. Agora teremos a inauguração, por um Vereador e um ex-deputado do Rio de Janeiro, da defesa do desmonte de uma Universidade Federal no município de Juiz de Fora?
Realizar manifestações caluniosas, agressivas ou imprecisas, não mantém qualquer relação com o exercício da liberdade de expressão. Esta é um elemento fundamental da democracia, serve à garantia da diversidade e do respeito à diferença. Mas também, em sua defesa, as instituições e os atores sociais não podem tolerar que triunfem aqueles que operam contra a própria democracia, propondo a violência ou o desrespeito à diversidade, inerente a toda sociedade complexa, porque isso seria a própria destruição da democracia.
Assim, a Universidade Federal de Juiz Fora REPUDIA veementemente a atitude do Vereador Sargento Mello Casal, que deveria representar o povo de Juiz Fora com seriedade e sem faltar com o decoro inerente ao exercício do cargo. Quanto ao sr. Roberto Jefferson, que ele se entenda com a justiça.
O Conselho Superior da UFJF, ao fim de sua reunião ordinária no dia 30 de março, discutiu os ataques do ex-deputado Roberto Jefferson em live do vereador Mello Casal (PTB). Após a leitura da carta (texto acima) enviada pela Universidade à Câmara de Vereadores de Juiz de Fora e a exibição de partes do vídeo dos ataques, vários conselheiros manifestaram-se contra as falas do ex-deputado e o CONSU referendou a carta de repúdio. Foi ainda aprovado um pedido à Procuradoria Federal para abertura de ações judiciais contra o ex-deputado.
*O texto foi editado no dia 30 de março, às 19h45