No final da década de 1960, dizia o folder de arrojado projeto gráfico para a época, produzido pelo fotógrafo Roberto Dornelas: os cursos de graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora somam 1.535 alunos. O período da Ditadura Militar e da Reforma Universitária permitiram um modelo arquitetônico de cursos e a expansão das universidades federais pelo país. Eram anos difíceis como relembra os alunos dessa época na reportagem publicada para este especial de 60 anos. A redemocratização nos anos 1980 trouxe alívio para as liberdades individuais e de cátedra, no entanto, não foi automática a expansão e o acesso ao ensino superior no Brasil.
Trinta anos depois de sua fundação, a UFJF tinha cerca de 10 mil alunos, mas o aumento mais significativo das matrículas em cursos de graduação do país se deu no setor privado. As universidades federais passavam por uma fase de estagnação, e a ampliação das vagas pelo Ministério da Educação (MEC) era praticamente inexistente. Os vestibulares se tornaram cada vez mais concorridos e o sonho de estudar em uma universidade saltava aos olhos da população à medida em que o país começava a se estabilizar economicamente a partir dos anos 1990 com o Plano Real.
A professora de História Françoise Mello Loures Tenchini possui uma trajetória que perpassa três décadas junto à Universidade. Graduou-se em História entre 1979 e 1983; já no período de 1985 a 1986, especializou-se em História do Brasil República; e, em 2002, ingressou no mestrado em Educação. Durante essa vivência conta que, entre as décadas de 70 e 80, as provas vestibulares eram realizadas duas vezes ao ano. Além disso, destaca que a população negra era escassa na composição da comunidade acadêmica e que as mulheres estavam concentradas nos cursos de licenciatura.
“A mudança de perfil, mínima, nessas décadas só se deu com a abertura dos cursos noturnos, no final dos anos 80 e início dos anos 90. Esses cursos não implicaram aumento de vagas, pois as turmas de meio de ano passaram para o período noturno, como, por exemplo as de Geografia, História, Letras e Pedagogia. Naquela época o MEC não autorizava a ampliação das vagas”, reitera Françoise. “Não havia diversidade na UFJF nos anos 80 e 90. A pluralidade só se obteve a partir do governo Lula com o Prouni e a lei de cotas. A universidade era frequentada, majoritariamente, pela burguesia e suas frações.”
Considerando que as universidades brasileiras, desde as origens, traziam um aspecto elitista e excludente, a professora lembra que a maioria dos estudantes eram brancos e não trabalhavam em horário comercial, pois a oferta de cursos noturnos eram muito pequenas e esse era um fator de exclusão para os jovens trabalhadores. “A criação de cursos não era proibida, mas só era possível remanejando vagas, e assim foi feito, por exemplo, com os cursos de fisioterapia e psicologia, que foram criados a partir do curso de medicina.”
A entrevista registrada na cobertura do Vestibular de 1988 com o pró-reitor de Ensino e Pesquisa da época, Jos´r Carlos Barbosa, mostra que, de fato, a implantação dos cursos noturnos aconteceu naquele ano, conforme apontou Francoise. A implantação significava um marco para a UFJF.
Primeiros passos rumo à democracia
O momento compreendido entre os anos 1980 e 1990 marca a fase em que a instituição começou a dar passos importantes na liberdade de manifestação e expressão cultural e, apesar dos preconceitos enraizados diante de uma perspectiva de raça, gênero e sexualidade, abriu diálogos com os grupos socialmente excluídos.
Neste período, marcado pelo declínio da ditadura militar, integrantes da comunidade acadêmica participavam de manifestações, debates, greves – estudantis e docentes -, dos movimentos nacionalistas contra o regime militar e gritavam nas ruas pedindo eleições diretas. Entre as participantes, encontrava-se a estudante do curso de Geografia da UFJF, Eliane Comissário Pimentel Coelho.
Aprovada em seu primeiro vestibular, em 1981, ela comenta que a concorrência era composta, majoritariamente, por estudantes de cidades próximas. E que os cursos mais concorridos eram os de Medicina, Odontologia, Engenharia, Economia e Direito. Veja aqui fotos de vestibulares das décadas de 1970, 1980 e 1990.
“O exame era composto por duas fases, sendo que na primeira havia uma avaliação eliminatória de cem questões, cujo ponto de corte era de acordo com o número de concorrentes por curso, e uma prova de redação, também eliminatória. Se aprovado para a segunda fase, eram realizadas as provas classificatórias de todos os conteúdos e uma de três questões abertas da sua área específica. No meu caso foram de história por ter escolhido a área de humanas.”
Aluna do antigo Instituto de Ciências Biológicas e Geográficas (ICBG) entre 1981 e 1985, Eliane aponta que as mulheres, de um modo geral, eram minoria na Universidade. “Éramos em maior número no antigo Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), ainda assim, havia pouquíssimas mulheres negras. A presença de pessoas LGBTQIA+ também concentrava-se no ICHL, mas as manifestações de gênero ainda eram muito reprimidas na época, apesar das lutas pela liberdade de expressão e de manifestação serem constantes entre nós que cursávamos as licenciaturas. A maioria da comunidade acadêmica era composta por homens brancos e os negros e negras que estudaram comigo eram de Cabo Verde e São Tomé, vindos da África.”
Uma das lembranças que marca a trajetória da estudante, foi a de trocar o vestido longo por um terninho no dia da formatura para simbolizar um ato feminista e de rebeldia contra o sistema. “Queria deixar a universidade mostrando que lá, sobretudo, aprendi o valor da liberdade. Não seria uma cerimônia de formatura que me faria seguir um padrão de uma sociedade hipócrita, em que a mulher tem que estar vestida para agradá-la.”
Representatividade
Filha de uma faxineira mineira e de um mecânico nordestino, Sandra Moreira ingressou no ensino superior em 1987 e graduou-se em 1990. Mulher negra e vinda da periferia, terminou o curso de Letras em apenas três anos e meio, pois precisava, com urgência, trabalhar e ajudar a mãe e as irmãs mais novas. “No dia da formatura, confesso que senti um alívio. Passávamos sérias privações financeiras. Como filha mais velha, sentia-me responsável pelos meus, já todos tão sofridos. Não pensei duas vezes: a meta era agarrar todas as oportunidades de melhoria de vida, através dos estudos. Logo, nunca reprovada. E assim surgia o primeiro diploma de curso superior da família, tanto do lado materno, como paterno.”
Praticamente não havia representatividade negra na universidade, entre os professores e estudantes. “Fui uma aluna desconfortável num ambiente que não parecia ser meu por direito. Recebia olhadas, cochichos, risadinhas disfarçadas. Por minha roupa. Por meu cabelo. Por meu humilde lanche trazido de casa. Por minha cor. Por minha existência, vista como uma intrusa.”
Jovem que era naquela época acostumou-se com a invisibilidade mesmo diante das boas notas e dos excelentes textos e trabalhos. Hoje, depois de 30 anos de carreira escolar, o discurso de Sandra para seus alunos é outro. “Há quem tente nos sufocar, em tempos de barbárie e retrocesso. Então, estudar é o caminho. E, mais que nunca, hoje, a palavra de ordem é visibilidade. O verbo que mais aprecio é ‘lutar’. Porque a luta é árdua, contínua e, muitas vezes, compensadora.”
Histórias como as de Sandra abriram caminho para outras, que foram, aos poucos, multiplicando-se. Giovana Castro, representante da comunidade negra, ingressou na UFJF em 1996 para cursar História. Conseguiu manter o curso noturno até o sexto período, quando optou em parar de trabalhar e estudar integralmente.
“Naquela época, eram iniciadas as discussões sobre a chegada das classes populares à universidade, mesmo que de forma rasa. Minha irmã e eu entramos no mesmo ano, apesar de ela ter feito outra graduação antes. Fomos as primeiras da nossa família a chegar até um curso superior e à universidade pública. Eu me lembro muito da emoção do meu pai e da minha mãe no dia da nossa formatura. Somos da segunda turma da colação unificada da UFJF e colamos grau juntas.”
Em termos de formação, Giovana explica que a passagem pela UFJF foi muito importante, pois era a única possibilidade de obter uma graduação. “Não tinha condições de pagar uma faculdade privada e a Federal era um horizonte possível naquele momento. Tinha mais ou menos a ideia de como seria, e como se daria a chegada de uma aluna periférica até a Universidade, mas com uma família que sempre me deu muito suporte para isso”, explica. “Consegui fazer o curso noturno e foi a possibilidade de estudar algo com que me identificava de alguma forma. Fiz uma graduação nos moldes tradicionais e com todas as questões curriculares eurocêntricas.”
Diversidade
Em relação às discussões de gênero e sexualidade nos anos de 1980, a professora aposentada do curso de Enfermagem, Vânia Bara, aponta que era algo inexistente. Na época, entre 1982 e 1986, ainda estudante da instituição, recorda ter participado do movimento estudantil e se deparar com pessoas da comunidade LGBTQIA+, mas os debates não eram incentivados.
Mesmo em 1993, quando retornou à UFJF como docente, e ao expressar-se como lésbica, ainda percebia o pouco avanço da Instituição em relação as questões de gênero e sexualidade. “A faculdade era muito conservadora e eu passei por muitos momentos de preconceito. Ainda não havia abertura na universidade”, explica Vânia.
A professora relata que tentava vivenciar a orientação sexual de maneira discreta. No entanto, com o passar dos anos, percebeu que pessoas LGBTQIA+ começaram a ampliar o diálogo e tornar público o sofrimento e a discriminação no ambiente universitário. Vânia recorda que avanços foram sendo construídos desde os reiterados dos professores Rene Mattos e Margarida Salomão e permanecem até hoje necessários.
Da UFJF para o mundo
Atualmente, aos 57 anos e residindo em Luanda, na República de Angola, Augusto Alfredo Lourenço teve a oportunidade de sair do país de origem para cursar Comunicação Social, entre 1994 e 1998. O estudante tomou conhecimento do convênio, por meio do Ministério da Defesa de Angola, e veio para a UFJF enviado conforme as vagas oferecidas pelo programa de cooperação Brasil-Angola.
Chegar a Juiz de Fora foi muito conturbado, sobretudo porque não conhecia o Brasil. “Foi a primeira vez que viajei para fora de Angola. Tudo era desconhecido para mim e cheguei exatamente no dia 28 de Junho de 1994, durante o processo de troca do Cruzado pelo Real. Desembarquei no Rio de Janeiro e três dias depois parti com destino à Juiz de Fora. Morei, primeiro, no Bairro Nossa Senhora Aparecida com dois angolanos que haviam chegado antes de mim e igualmente frequentavam a UFJF. Depois, mudamo-nos para o Dom Bosco”, explica o angolano.
O que mais marcou a passagem do estrangeiro pelas terras mineiras foi o enriquecedor convívio com os colegas, professores e com a população local. “A sua simplicidade e generosidade. A passagem pelo Grupo de Teatro Divulgação é inesquecível. A UFJF contribuiu, de forma determinante, na aquisição de conhecimentos fundamentais para o exercício da profissão de jornalista. Após o meu regresso, trabalhei no Jornal de Angola, único diário na época, tendo chegado a Editor de Economia, depois me tornei diretor da Revista da Marinha Angolana.”
As experiências de Lourenço foram tão enriquecedoras que o inspiraram a escrever um livro sobre o período: “Aventura de Estudante angolano no Brasil”.
UFJF 60 anos
Para celebrar a data, a Diretoria de Imagem Institucional traz a proposta de recordar os mais diversos momentos vividos pela comunidade acadêmica ao longo dos 60 anos. A iniciativa consiste em envolver as pessoas da comunidade para compartilharem suas recordações pelo e-mail ufjf60@comunicacao.ufjf.br ou pelas redes sociais usando a #UFJF60anos.
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