Fotografias de Vik Muniz e pinturas de Manabu Mabe, Aldemir Martins e Emmanuel Nassar compõem o lote de oito obras que passam a integrar o acervo do Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM). Elas foram destinadas ao museu juiz-forano pela Receita Federal do Brasil e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), após o MAMM vencer uma concorrência entre instituições museais federais interessadas em receber obras de arte apreendidas.
A Lei nº 12.840, de 9 de julho de 2013, e a Portaria Interministerial MF/MinC n.º 506, de 16 de dezembro de 2014, definem que o Ibram será notificado pela Receita Federal sobre mercadorias abandonadas, entregues à Fazenda Nacional ou objeto de pena de perdimento, quando houver indícios de que se trata de bem de valor cultural, artístico ou histórico. A Lei regulamenta os processos de destinação, anteriormente realizados sem normatização e divulgação, e sua regulamentação está em consonância com os princípios fundamentais dos museus, elencados no artigo 2º da Lei 11.904/2009, que trata do Estatuto de Museus.
Para viabilizar o cumprimento da Lei nº 12.840, foi estabelecido um Grupo de Trabalho Interinstitucional, composto por Ibram, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e autarquias vinculadas ao Ministério da Cultura (MinC), em conjunto com a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRF), do Ministério da Fazenda.
Desde a regulamentação, quando ocorrem apreensões os museus federais com registro no Ibram são notificados, podendo manifestar, por carta de intenção, interesse em participar do processo de destinação. Cabe ao Instituto a análise e a escolha do museu que será contemplado. O MAMM pôde participar porque obteve em 2018 o selo “Museu Registrado” do Ibram. Esta foi a primeira vez que o museu da UFJF pleiteou receber obras apreendidas pela Receita Federal, e de primeira foi contemplado com a destinação integral de um lote.
As obras foram apreendidas em uma importação irregular no Porto de Navegantes, em Santa Catarina: estavam escondidas em uma carga com falsa declaração de conteúdo proveniente dos Estados Unidos. Ao verificar a carga, que tinha como conteúdo declarado partes e peças de automóveis, os servidores da Receita Federal localizaram quatro pinturas de Manabu Mabe, uma pintura de Aldemir Martins, outra de Emmanuel Nassar e duas fotografias de Vik Muniz.
Elas foram avaliadas pela Receita Federal, no ato de transferência para o MAMM, em R$ 300 mil, valor baseado em pesquisa de mercado em dólar americano. “Essas obras estiveram em leilões nos EUA e esse é o total dos valores mínimos. O lote pode valer muito mais”, ressalta o superintendente do MAMM, Ricardo Cristofaro, que desde a obtenção da certificação do Ibram está atento a concorrências como essas para a expansão do acervo de artes visuais do Museu. “São oportunidades raras, e isso vem acontecendo com mais frequência desde 2013, com a promulgação da Lei nº 12.840”, observa.
Já em 2018 o museu participou do Edital de doação de bens culturais do Itaú Cultural para os museus brasileiros, obtendo um lote de 32 obras de arte moderna e contemporânea. “Isso se deve ao selo. O selo é uma certificação de qualidade do trabalho desenvolvido no Museu”, ressalta Cristofaro. O MAMM é o único museu da região e um dos poucos de Minas Gerais com essa certificação.
Adequação ao perfil
Pleitear a destinação de obras de arte em editais como esses é um processo demorado, que se estende por meses. Como outros museus registrados no Ibram, o MAMM tomou ciência do edital para destinação do lote apreendido em março deste ano. A partir de fotografias, o superintendente Ricardo Cristofaro verificou que se tratava de obras com o perfil do Museu, que, além da coleção muriliana, abrange obras de arte brasileira do período moderno e contemporâneo. “Tínhamos um prazo para nos pronunciar e dizer porque gostaríamos de receber o lote. Fizemos então uma Carta de Intenção”, explica.
O Ibram não divulga os critérios para destinação de obras em processos como esse: “Há uma comissão que avalia o perfil das obras, o perfil do museu e a carta de intenção enviada. Certamente um dos critérios é ter reserva técnica em condições de acomodá-las e um perfil de coleção que se alinhe com as obras apreendidas. Também avaliam se o que expomos na Carta de Intenção condiz com nosso Plano Museológico e nossa política de aquisições”, complementa Cristofaro.
Participar dos editais, segundo o superintendente, é uma forma de ampliar o acervo sem custos, o que é fundamental quando não se tem uma reserva de capital, nem se recebe doações financeiras de empresas ou se pode contar com um grupo de amigos do museu, o que é raro no Brasil. “O museu se torna um espaço valorizado e procurado pelo público quando conta com artistas e obras importantes”, ressalta.
Ao longo de sua história, desde que foi criado ainda como Centro de Estudos Murilo Mendes (CEMM), o Museu tem conseguido ampliar seu acervo com doação de obras por artistas que nele expõem. “O MAMM tem hoje uma coleção paralela com obras de muitos artistas interessantes provenientes de exposições e doações espontâneas de artistas”, recorda Cristofaro. Desde a certificação do MAMM, a direção também acompanha os editais disponibilizados. “Ficamos muito atentos a essas oportunidades, uma vez que aporte financeiro para aquisição de obra é muito difícil”, conclui.
Para a pró-reitora de Cultura, Valéria Faria, a aquisição de obras relevantes de alguns dos principais artistas visuais brasileiros como as do lote obtido pelo MAMM [veja relação abaixo] é ainda mais oportuna nesse momento, tendo em vista a celebração dos 15 anos de criação do Museu: “Essas obras vêm dialogar com o acervo moderno de nosso Museu e estarão ao lado de outros contemporâneos, como Regina Silveira, Suzana Queiroga, Carlos Vergara e Nelson Leirner.”
O processo de destinação do lote de oito obras foi concluído em agosto deste ano. No início de setembro, as obras passaram por uma vistoria técnica no MAMM, que atestou seu ótimo estado de conservação e a autenticidade das mesmas. Segundo Ricardo Cristofaro, as obras de Vik Muniz, Manabu Mabe, Aldemir Martins e Emmanuel Nassar devem ser expostas apenas em 2021. “Este ano está muito difícil abrir o museu em condição favorável. Esperamos poder fazer no ano que vem uma mostra das novas aquisições, já que recebemos também um lote significativo de trabalhos de Fayga Ostrower [gravadora, pintora, desenhista e ilustradora] e temos muitas obras inéditas para mostrar ao público.”
RELAÇÃO DAS OBRAS RECEBIDAS PELO MAMM
- Aldemir Martins – Galo, 1954 (mista sobre papel, 65,5 x 48,5 cm com moldura)
- Emmanuel Nassar – Sem título, 1990 (acrílica sobre tela, 147,5 x 149,5 cm)
- Manabu Mabe – Sem título, 1991 (óleo sobre tela, 45 x 53 cm)
- Manabu Mabe – Sem título, 1994 (mista sobre papel colado em Eucatex, 49,9 x 70 cm)
- Manabu Mabe – Sem título, 1995 (óleo sobre tela, sem moldura: 33,3 x 24,6 cm, com moldura: 47 x 38 cm)
- Manabu Mabe – Sem título, sem data (óleo sobre tela, sem moldura: 91,2 x 71,6 cm, com moldura: 94,9 x 75,3 cm)
- Vik Muniz – The Cottingley Fairies, Elsie Wright (Rebus Series, 2004 – impressão sobre papel, 189,5 x 253 cm com moldura)
- Vik Muniz – The White Rose (Monades Series, 2003 – impressão sobre papel, 110,7 x 137,6 cm com moldura)
SOBRE OS ARTISTAS
Aldemir Martins
Nascimento: 1922 (Brasil / Ceará / Ingazeiras) Falecimento: 2006 (Brasil / São Paulo / São Paulo)
Pintor, gravador, desenhista, ilustrador. Aldemir Martins produz desenhos, xilogravuras, aquarelas e pinturas. Desde o início da carreira, sua produção é figurativa. O artista emprega um repertório formal frequentemente associado a animais. Suas séries mais expressivas apresentam aves, sobretudo os galos; cangaceiros, inspirados nas figuras de cerâmica popular; gatos, realizados com linhas sinuosas; e algumas flores e frutas. Nas pinturas, emprega cores intensas e contrastantes. “A pintura doada ao MAMM faz parte da série de galos pintados em aguadas de guache e aquarela, sendo uma das mais significativas pinturas dessa fase temática” ressalta a pró-reitora Valéria Faria.
Emmanuel Nassar
Nascimento: 1949 (Brasil / Pará / Capanema)
Realiza instalações e objetos pintados. Trabalha inicialmente com pintura sobre tela e, mais tarde, estuda técnicas como o relevo sobre madeira. Nos anos 1980, passa a realizar pinturas em que representa pequenos mecanismos, contendo eixos, manivelas e placas de cor, incorporando também objetos comuns, como garrafas e elementos vernaculares, que tornam-se o traço central de sua obra. Seus trabalhos evocam frequentemente a cultura popular local, como nas cores vibrantes e formas geométricas das casas e barracas de feira. Em outros trabalhos, alia imagens do universo do consumo a outras, recorrentes nos subúrbios da sua cidade natal. Sua obra se caracteriza pelo diálogo entre duas tradições visuais: a popular, onde cores vibrantes em formas geométricas são trabalhadas como ornamentos para residências, barracos, vitrines etc., e a tradição construtiva e geométrica, que marcou e ainda marca parte significativa da produção artística erudita brasileira. O cunho crítico social também marca suas mais importantes produções. Segundo Valéria Faria, “a obra doada ao MAMM insere-se neste contexto e representa uma de suas mais expressivas pinturas.”
Manabu Mabe
Nascimento: 1924 (Japão / Kyushu / Kumamoto) Falecimento: 1997 (São Paulo / São Paulo)
Pintor, gravador, ilustrador. De Kobe, Japão, emigra com a família para o Brasil em 1934, para dedicar-se ao trabalho na lavoura de café no interior do Estado de São Paulo. Interessado em pintura, começa a pesquisar, como autodidata, em revistas japonesas e livros sobre arte. Em 1945, inicia sua carreira pintando com a diluição em querosene de tintas em tons fortes e contrastantes que se tornam a identidade de sua linguagem. Influenciado por sua educação oriental, aos poucos deixa a pintura figurativa para se aproximar mais da linguagem simbólica, até mergulhar no mais profundo do abstrato. Em 1958, recebe o Prêmio Leirner de Arte Contemporânea. As quatro obras doadas ao MAMM configuram expressivas representações de sua pintura abstrata e fauvista, afirma a pró-reitora Valéria Faria.
Vik Muniz
Vicente José de Oliveira Muniz (Nascimento: São Paulo, 1961).
Artista plástico brasileiro reconhecido internacionalmente, trabalha com linguagens variadas e materiais inusitados. Chocolate, feijão, açúcar, manteiga de amendoim, leite condensado, molho de tomate, gel para cabelo, geleia e produtos reaproveitáveis são algumas das suas principais matérias-primas. Em 1983, passa a viver e trabalhar em Nova York, trabalhando predominantemente com linguagem fotográfica. Em 2009 retorna ao Brasil e dá início a uma das principais fases de sua carreira intitulada Lixo Extraordinário. O filme homônimo, lançado dois anos depois, foi indicado ao Oscar de Melhor Documentário e ganhou o prêmio do público no Festival de Sundance como Melhor Filme. As duas fotografias recebidas pelo MAMM fazem parte desta série, tendo sido realizadas a partir de montagens com pequenos brinquedos de plástico colorido.
Outras informações:
Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM)