Utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) para a década anterior, o pesquisador José Alcides Figueiredo Santos, Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), avaliou o impacto das classes sociais na saúde das pessoas. Um dos artigos da pesquisa foi publicado na revista Dados (IESP-UERJ) e divulgado na Scientific Electronic Library Online (SciELO).
O estudo concluiu que a estrutura social hierarquiza a distribuição da saúde. A análise temporal, usando indicadores de educação e renda confirma uma piora de saúde para todos os grupos nesse período (2003/2013). Foi utilizado o conceito neo-marxista de classe, baseado na distribuição desigual de direitos e poderes sobre recursos de valor e operacionalizado ao nível da estrutura do emprego. O pesquisador esclarece que o emprego “caracteriza o que alguém tem (ativos ou recursos) e o que essa pessoa faz (prática social e relações entre atores); além disso, o emprego está associado à educação (como insumo para acesso e desempenho do trabalho) e à renda (como resultado do trabalho).”
Interações de classe social na saúde
Para realizar o estudo, o pesquisador dividiu as classes em cinco grandes agrupamentos: o topo social, empregados qualificados, detentores de pequenos ativos de capital e terra, trabalhador típico e os destituídos. “O topo social é formado pelas três dimensões principais que geram privilégios, isto é, a propriedade de ativos de capital, o controle de conhecimento perito e o exercício de autoridade”, esclarece. Estas dimensões são as principais fontes de vantagens de saúde. Indivíduos como capitalistas, especialistas autônomos, empregados especialistas e gerentes, compõem o topo social. No polo oposto, tendo maiores desvantagens de saúde, estão as classes que passam por processos que levam à exclusão, à insuficiência ou à depreciação de recursos. São indivíduos como o trabalhador elementar, o autônomo precário, o empregado doméstico, o agrícola precário e o trabalhador excedente (desempregado).
Na década analisada, ocorreu queda da desigualdade relativa, porém um aumento da desigualdade absoluta entre os níveis de saúde dos grupos. A desigualdade relativa é calculada pela divisão entre os indicadores de dois grupos. “Seria a probabilidade do grupo A não ter boa saúde dividida pela probabilidade do grupo B. O Grupo B fica como a base. Representa uma alteração proporcional em relação a uma base”, explica Santos.
Já a desigualdade absoluta é calculada pela subtração de indicadores de dois grupos. Seria a probabilidade do grupo A diminuída da probabilidade do grupo B. A diferença ou desigualdade relativa é uma diferença por razão ou multiplicação. Diferença absoluta é uma diferença por subtração ou adição. “Ocorre então que se um grupo já não goza de boa saúde a mesma diferença relativa (ou mesmo uma diferença relativa um tanto menor) pode ter um impacto absoluto maior neste grupo”, aponta.
Educação e saúde
Um dos indicadores analisados foi a escolaridade. Mudanças educacionais representativas geram alterações absolutas relativamente modestas na saúde. No topo social privilegiado, ocorre um efeito de teto: quando já se goza de boa saúde, há menos espaço para ganhos adicionais. Já no grupo destituído, ir do ensino fundamental completo ao médio completo gera uma melhora de apenas 4,9 pontos percentuais na saúde boa. “Os empregos destituídos estabelecem limitações ou constrangimentos que comprimem estruturalmente as variações absolutas na saúde boa que podem ser produzidas pelas alterações educacionais”, afirma.
O impacto da classe social no combate a doenças
Apesar de não ter como foco a pandemia de Covid-19, as questões tratadas pelo artigo – como classe social pode afetar (intensificar ou amortecer) o impacto de outros fatores – e teorias sociológicas sobre o papel das condições sociais como causas fundamentais da saúde, podem ajudar a pensar como uma pandemia pode potencialmente gerar implicações de saúde diferenciadas entre os grupos sociais. De acordo com o pesquisador, o “meio social”, de natureza relacional e estruturada, afeta a propagação e a distribuição da doença entre os grupos. “As diferenças de classe em circunstâncias de trabalho, localização e moradia importam para a exposição à doença. No tocante às diferenças sociais no risco de desenlace fatal da doença, cabe considerar o papel da estrutura social na distribuição prévia de condições adversas (doença crônica, obesidade, etc) e as diferenças no modo como as instituições de saúde processam as pessoas.” Ele também afirma que as desigualdades de recursos, informações, disposições e capacidades estariam afetando a distribuição social dos efeitos da pandemia no Brasil.
Um exemplo analisado no artigo foi a exposição dos grupos a doenças crônicas. De acordo com o pesquisador, as classes sociais podem afetar diferenciadamente a saúde dos que sofrem destas doenças. Além de ter uma situação pior de saúde, em todas as situações retratadas, o grupo dos indivíduos destituídos vê a sua saúde se deteriorar ainda mais em com a ocorrência de uma doença crônica. O estudo concluiu que nas posições de classe destituídas ocorre um processo mais pronunciado de deterioração absoluta do estado de saúde provocado pela presença de doença crônica. “A situação desfavorável do destituído se revela também no fato de o impacto do adoecimento na saúde ser maior nas regiões menos desenvolvidas. O maior peso demográfico das categorias em desvantagem nessas regiões, aliado ao fato de o impacto ser mais severo nelas, faz com que a combinação de classe e território agrave o fardo de saúde de ter alguma doença crônica na população”, revela Santos.
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