A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a América do Sul é um novo epicentro da pandemia de Covid-19 no mundo e o Brasil é o país mais afetado na região, com cerca de 400 mil casos e 25 mil mortes. Até 26 de maio de 2020, a doença de Coronavírus 2019 (Covid-19) havia infectado cinco milhões e meio de pessoas em todo o mundo, representando mais de 300 mil mortes. A dinâmica da pandemia está desafiando os sistemas de saúde de diferentes países. Na ausência de vacinas ou tratamentos eficazes, políticas de mitigação, como isolamento social e fechamento de cidades, foram adotadas, mas os resultados variam entre os diferentes países.
Impulsionados por definir algumas características da pandemia no Brasil, Minas Gerais e Juiz de Fora e qual o impacto das políticas de contenção das transmissões, um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do CEFET-MG têm desenvolvido modelos computacionais e apresentado os resultados via a divulgação de notas técnicas abertas para a sociedade. Baseando-se nos novos métodos computacionais desenvolvidos para a modelagem computacional da pandemia de Covid-19, o grupo publicou recentemente um artigo na revista internacional “Chaos, Solitons & Fractals”, da editora Elsevier. O documento apresenta os resultados que comparam números italianos e sul-coreanos com os brasileiros e já previa a situação da América do Sul como novo epicentro da doença, confirmada pela OMS.
As notas técnicas e o artigo chamaram a atenção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que havia formado um grupo de trabalho interdisciplinar para avaliar diferentes ferramentas de simulação da evolução da Covid-19. Por solicitação, os cientistas da UFJF têm enviado seus relatórios e artigos sobre Covid-19 no Brasil à Abin.
“Temos dez vezes mais pessoas infectadas no Brasil. Ou seja, se hoje os dados oficiais apontam para 400 mil notificações, na verdade já temos/tivemos 4 milhões de casos no Brasil”, esclarece Rodrigo Weber.
Subnotificação e isolamento deficiente no Brasil
No início de abril, alguns países conseguiram controlar a doença, como é o caso da Coréia do Sul. Outros, como a Itália, enfrentaram o auge da pandemia. Já países com economias emergentes e questões sociais, como o Brasil, ainda estavam em fases iniciais da pandemia.
Os parâmetros do modelo estimados para a Coréia do Sul revelaram políticas efetivas de distanciamento e isolamento social, controle de fronteiras e um número alto na porcentagem de casos relatados. Por outro lado, estima-se que a subnotificação de casos seja muito alta no Brasil e na Itália. De acordo com Rodrigo Weber, um dos pesquisadores envolvidos no estudo, o grupo continua estimando uma alta subnotificação no Brasil desde as notas técnicas. “Temos dez vezes mais pessoas infectadas no Brasil. Ou seja, se hoje os dados oficiais apontam para 400 mil notificações, na verdade já temos/tivemos 4 milhões de casos no Brasil”, esclarece.
O modelo também estimou uma política de isolamento deficiente no Brasil, com uma redução de contato em torno de 40% em abril, enquanto a Itália e a Coréia do Sul reduziram 75% e 90%, respectivamente, o contato social no mesmo período. “Essa caracterização da Covid-19, nesses diferentes países, em diferentes cenários e fases da pandemia, apoia a importância de políticas de mitigação, como o distanciamento social. Além disso, suscita sérias preocupações em países social e economicamente frágeis, onde a subnotificação apresenta desafios adicionais à gestão da pandemia do Covid-19, aumentando significativamente as incertezas quanto à sua dinâmica”, apresenta o artigo. As simulações também confirmaram que a Coréia do Sul adotou estratégias de mitigação muito eficazes e a transmissão do vírus caiu para 9% do seu valor inicial. Por outro lado, o Brasil apenas reduziu suas taxas de transmissão para 60%. O país possui taxa de transmissão efetiva que é o dobro da observada na Itália.
De acordo com o estudo, o país possui taxa de transmissão efetiva que é o dobro da observada na Itália.
Metodologia utilizada
No artigo, os pesquisadores utilizaram modelos matemáticos adaptados para o acompanhamento da pandemia de Covid-19. Um dos parâmetros utilizados foram coeficientes dependentes do tempo. De acordo com Rodrigo Weber, estes coeficientes foram utilizados, principalmente, para poderem capturar a dinâmica rápida com que a transmissibilidade é afetada pelo isolamento social. “Como o isolamento social depende das políticas de mitigação e de como a sociedade está respondendo a elas, somente usando um parâmetro que varia no tempo conseguimos capturar a dinâmica da pandemia”, esclarece. “Importante ressaltar que o mesmo modelo conseguiu capturar cenários bastante distintos. Como os da Coreia do Sul com controle rápido da pandemia; da Itália, controlando tardiamente; e do Brasil, em uma fase que se encontra ainda em um acelerado crescimento exponencial devido a falta de uma política organizada de isolamento social para o país.”
Além dos coeficientes dependentes do tempo, foram utilizadas técnicas de quantificação inversa e direta da incerteza e análise de sensibilidade para caracterizar aspectos essenciais. A quantificação de incerteza inversa visa estimar incertezas dos parâmetros do modelo considerando dados experimentais, ou seja, usa dados reais para diminuir a diferença entre as aplicações computacionais e reais. Por outro lado, a quantificação de incertezas direta ou simplesmente propagação de incertezas, assume os parâmetros do modelo como distribuições de probabilidade e propagam a incerteza dos dados de entrada para os dados de saída simulados pelo modelo. “Em geral, essas técnicas são utilizadas em conjunto com uma análise de sensibilidades, que possibilita identificar quais são os parâmetros mais influentes do modelo”, explica o professor Bernardo Martins Rocha, também envolvido na produção do artigo.
Também fizeram parte do artigo os pesquisadores Ruy Reis, Bárbara Quintela, Joventino Campos, Johnny Gomes e Marcelo Lobosco.
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