Falta de acesso a serviços de saúde, discriminação, perda de privacidade. Esses são alguns dos direitos humanos violados no caso de pessoas com diagnóstico de Covid-19. Desde o início da pandemia, pesquisadores da área da saúde e do direito viram aumentar o número de casos de abusos injustificados. Reunidos por meio do Observatório de Direitos dos Pacientes, eles produziram um documento com diretrizes para atuação do Estado, dos profissionais de saúde e da população em meio a ameaça imposta pelo novo coronavírus.
O documento foi escrito por 12 pesquisadores do país sob coordenação das professoras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Kalline Eler e da Universidade de Brasília (UnB) Aline Albuquerque. “Durante uma pandemia, restrições de direitos e limitações são aceitáveis diante do cenário de emergência pública. No entanto, qualquer restrição de Direitos Humanos tem que ser estrita ao fim que se destina, deve ser proporcional, com um objetivo e tempo de duração muito claros”, alerta a professora de Direito da UFJF, Kalline Eler.
Segundo ela, a ideia foi apresentar de maneira objetiva aplicação dos direitos à vida, à privacidade, à informação e à liberdade no contexto da pandemia. Ao final da abordagem de cada tema, o leitor encontra um quadro resumido sobre seus direitos.
Para a professora do Programa de Pós-Graduação em Bioética da UnB, Aline Albuquerque, as medidas de restrição não podem ser discriminatórias, uma vez que os grupos vulneráveis vão se tornar ainda mais vulneráveis. “É consenso dos órgãos internacionais que a crise provocada pela pandemia é também uma crise de Direitos Humanos”. Ela destaca como obrigação do Estado reconhecer e prover os Direitos Humanos à população. “Muita gente está perdendo emprego, por exemplo, e o Estado tem que dar uma resposta para essas pessoas, não abandoná-las à própria sorte. De forma prática, é preciso prover uma renda básica para essas pessoas, para que elas possam viver dignamente.”
Outro enfoque do documento se refere ao direito à privacidade e à confidencialidade de informações durante os tratamentos e cuidados da saúde. Há casos de discriminação e de hostilidade em relação aos pacientes e ao principal grupo de risco da doença, os idosos. “Nos ambientes hospitalares, por exemplo, este direito diz respeito ao sigilo das informações que constam em prontuário eletrônico, que só devem ser acessadas por pessoas ligadas ao cuidado do paciente. Infelizmente, é muito comum o acesso indevido a essas informações em situações como a pandemia – e inclusive um vazamento não autorizado de informações para a mídia”, explica Aline.
Dentro da polêmica sobre violação de privacidade está o desenvolvimento de aplicativos que podem rastrear as pessoas infectadas e seus contatos, o que segundo a pesquisadora pode colocar em risco as informações pessoais dos indivíduos. Na Europa, onde a lei de proteção de dados é mais dura, esse tipo de tecnologia não deve ser liberado.
Entretanto, cabem exceções ao direito de confidencialidade sobre a utilização das informações de saúde. A Vigilância Epidemiológica deve ter acesso aos dados dos pacientes infectados por coronavírus, mas deve garantir que essas pessoas não sejam identificadas no momento da divulgação dos números, explica uma das autoras do trabalho, a médica Caroline Rech.
O direito à confidencialidade também não é absoluto quando houver um interesse real da sociedade para assegurar a proteção da saúde pública ou a segurança nacional, por exemplo. É o que mostrou o caso envolvendo os exames do presidente da República, Jair Bolsonaro. Apesar de ter se recusado a apresentar seus resultados, defendendo a privacidade, acabou tendo que acatar a decisão do Superior Tribunal Federal (STF) no dia 12 de maio pela divulgação.
O documento “Direitos Humanos Dos Pacientes e Covid-19” está disponível na Biblioteca da UFJF, na plataforma do ResearchGate e também no site do Observatório de Direitos do Paciente, da UnB.