Neste domingo, 17 de maio, é celebrado o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. A data marca a luta da comunidade composta por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros, transexuais e intersexos pelo direito à vida, à educação, ao trabalho, à saúde.  

Há 30 anos, em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de distúrbios mentais da Classificação Internacional de Doenças (CID). A decisão reconheceu que a orientação afetivo-sexual não pode ser considerada doença, por se tratar de traço da personalidade do indivíduo. 

A mudança estabeleceu uma vitória para a movimento LGBT no combate ao preconceito e à violência contra essa comunidade. Apenas 29 anos depois, em maio de 2019, o mesmo procedimento foi adotado, pela OMS, em relação à transexualidade ou à condição de transexual, pessoa que não se identifica ou se identifica parcialmente  com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento. 

O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de países que mais violentam e matam LGBT, dado que aponta a extrema vulnerabilidade dessa comunidade. É importante destacar que a insegurança dessa população é acentuada por outros marcadores sociais – como raça, classe, gênero, geração – e que há um déficit de políticas públicas para a correção das desigualdades mencionadas.

O Portal da UFJF ouviu estudantes, egressos e professores da instituição que integram a comunidade LGBT sobre o assunto. Aos 11 entrevistados, foi apresentada a seguinte questão: na sua avaliação, quais os principais desafios enfrentados por essa população atualmente e neste contexto de excepcionalidade, por conta da pandemia provocada pelo novo coronavírus?

Confira abaixo as respostas na íntegra: 

“Muitos de nós não podem contar com o apoio das famílias”, destaca Ana Emília (Foto: arquivo pessoal)

Ana Emília Carvalho, graduanda em Ciências Sociais na UFJF

“O contexto de isolamento traz novos desafios para todos, mas acredito que para a população LGBT as principais questões não são novas, mas sim o aprofundamento de muitas das situações de vulnerabilidade as quais já somos expostos cotidianamente.  Ficar em casa pode não ser uma alternativa, se você precisa se manter trabalhando em situações de exposição para sobreviver, já que muitos de nós não podem contar com o apoio das famílias por terem sido expulsos de casa por serem LGBTs.”

Anderson Ferrari, professor da Faculdade de Educação da UFJF

“Um desafio fundamental é combater o extermínio da população LGBTQI”, aponta Anderson (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

“É difícil pensar em um principal desafio enfrentado pela população LGBTQI na atualidade, visto que eles são muitos e se relacionam. Vou tentar elencar alguns deles. Penso que temos um desafio fundamental (porque diz da manutenção da vida e do direito de existir) que é o combate à violência e ao extermínio que a população LGBTQI vem sofrendo há anos, especialmente as travestis e as pessoas transexuais, desafio este que diz de um outro, que é a necessidade de desconstruirmos imagens negativas das pessoas LGBTQI e construirmos imagens positivas, que passa pela educação e pela mídia. Esse é um desafio que pra mim é muito caro, que passa pelo conhecimento, ou seja,que conhecimento, que imagem temos das pessoas LGBTQI que nos faz pensar e agir da forma que pensamos e agimos. O desafio diante da população LGBTQI é o desafio que passa por qualquer pessoa, repensar as formas de lidar com os seus preconceitos e seus pequenos fascismos. Neste sentido, na situação de pandemia, o desafio talvez seja esse de considerar o direito à vida, visto que estamos falando de quem merece viver e quem deve morrer.”

Bianca Silva, licenciada em História pela UFJF

Bianca: “Enfrentamos a acentuação da vulnerabilidade, vinda da agenda de retrocessos do atual governo” (Foto: arquivo pessoal)

“Com o aumento dos casos da Covid-19, alguns/as LGBTs estão ou voltaram para o ambiente familiar, onde passa a ser também espaço de violências físicas e simbólicas. Outras/os permanecem em espaços onde não há garantia de direitos, como acesso à moradia, saneamento básico, etc, vivenciando o que a antropóloga Fátima Lima (UFRJ), no ano de 2018, escreveu como sendo a política de matabilidade. Ou seja, vidas negras, pobres e LGBTs que se tornam cada vez mais “descartáveis” e matáveis. Muitas/os enfrentam violências e constrangimentos ao procurar serviços de saúde. Desta forma, enfrentamos, mesmo em nossas especificidades, a acentuação da vulnerabilidade de LGBTs, vinda da agenda de retrocessos do atual governo com ameaças à garantia de direitos conquistados historicamente, junto ao agravamento decorrente do atual contexto da Covid-19.”

Bruna Rocha, especialista em Relações de Gênero e Sexualidades pela UFJF

“As travestis profissionais do sexo em Juiz de Fora passam por enormes dificuldades”, alerta Bruna (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

“​Ao meu ver a população LGBTI+ historicamente é um grupo excluído, marginalizado e vitimizado pelo sistema. Neste contexto de pandemia, a população com a qual trabalho e pesquiso,  as travestis profissionais do sexo em Juiz de Fora, passam por enormes dificuldades. Eu as acompanho muito de perto e, com o apoio de entidades como o Centro de Referência e Promoção da Cidadania LGBTQI+ da UFJF (CeR-LGBTQI+), o Centro Regional de Direitos Humanos (CRDH), o Coletivo 8M e dos amigos, foi conseguido, em um primeiro momento, garantir uma ajuda emergencial de R$ 200 por pessoa,  para um grupo de 12 meninas. Em um segundo momento, conseguimos fornecer uma cesta básica para esse mesmo grupo. Em uma terceira ação, um kit de higiene e limpeza. Também orientamos na busca do auxílio emergencial do Governo Federal. No momento, as maiores dificuldades para nossa população são realmente a falta de acesso aos aparelhos governamentais. Muitas sequer conheciam Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), o CRDH e o CeR-LGBTQI+ . Então, com essa primeira busca sentimos a necessidade de efetivar um grupo voltado às profissionais do sexo dentro do Centro de Referência e Promoção da Cidadania LGBTQI+, sob a coordenação do professor Marco Duarte. O objetivo é fomentar este debate e, possivelmente, subsidiar a construção de políticas públicas para essa população.”

Caluã: “É de extrema importância apoiar instituições de acolhimento LGBT+ neste período” (Foto: Gustavo Tempone/UFJF)

Caluã Eloi, mestre em Artes, Cultura e Linguagens pela UFJF

“O governo Bolsonaro seria, sem dúvida, um filme de terror para a população LGBT+ em todo o Brasil. Levando em consideração também o histórico de pessoas LGBT+ com abandono familiar, saúde mental e subemprego, este período de quarentena tem sido particularmente cruel com esse grupo. Ter que ficar debaixo do mesmo teto com familiares preconceituosos, e até abusivos; o isolamento que pode agravar quadros de depressão e outro problemas psicológicos; o risco que pessoas LGBT+ que estão na informalidade vão se expor ao sair para trabalhar nas ruas, ou não poder trabalhar e ficar sem  garantir o seu próprio sustento. É de extrema importância apoiar instituições de acolhimento LGBT+ neste período, mas também é um momento de pensarmos a longo prazo,  na urgência de políticas públicas para a população LGBT+, que pensem em empregabilidade, moradia, educação e saúde deste grupo.”

Dandara Oliveria (Foto: Arquivo pessoal)

Dandara:”Nosso principal desafio neste momento é enfrentar o neofascismo que cresce no país”  (Foto: Arquivo pessoal)

Dandara Felícia, mestranda em Serviço Social na UFJF

“Nosso principal desafio neste momento é enfrentar o neofascismo que cresce no país e nos mostra o quanto somos um país atrasado, por culpa de nossos governantes. Todas as manifestações de agressões à imprensa, de ataque aos direitos individuais e pedidos de retorno da ditadura, mostram a nós o quanto ainda devemos acertar as contas com o passado e melhorarmos enquanto seres humanos e nação. Se esse era um desafio para nós LGBTQIA+ há muito  tempo, ele agora passa a ser um desafio nacional. Por outro lado, as pessoas transexuais, que tem como sustento a prostituição por exemplo, neste cenário são as que mais sofrem. A exclusão, que começa na escola, faz com que quase 90% das mulheres trans dependam da prostituição para sobreviver.”

“Pessoas transexuais e travestis ocupam, hoje, com muita frequência, posições sociais de pobreza e marginalidade”, destaca Juliana (Foto: Arquivo Pessoal)

Juliana Perucchi, professora do Departamento de Psicologia da UFJF

“As pessoas que mais sofreram impactos negativos, em diferentes contextos epidemiológicos de pandemias, na história da humanidade, sempre foram as mais pobres e marginalizadas. Desconsiderar esse aspecto pode levar a interpretações obscurantistas ou interpretações ingênuas ou perversas, dependendo de quem as faz. Portanto, considerando que pessoas transexuais e travestis ocupam, hoje, com muita frequência, posições sociais de pobreza e marginalidade, garantir sua subsistência – posto que são pessoas que já se encontram fora do mercado de trabalho, exatamente por terem suas vidas marcadas por vulnerabilidades estruturais, econômicas e sociais, nas quais elas vivem – parece ser um desafio enorme. Cabe ao Estado – forte, necessário e autônomo; e não um estado mínimo e fraco submetido ao mercado – garantir uma renda mínima, para essas pessoas que não tenham condições de subsistência própria. O Estado brasileiro precisa respeitar os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.” 

Kelly: “Somente com a educação pelo respeito à diversidade é que poderemos assumir nosso lugar de cidadãos plenos” (Foto: arquivo pessoal)

Kelly da Silva, doutora em Educação pela UFJF

“Um dos principais desafios dos LGBTQI é o enfrentamento à homofobia. É recente o reconhecimento das homossexualidades como mais uma forma de expressão da sexualidade. Assim, as ações contrárias à homossexualidade estão arraigadas na nossa sociedade e somente com a educação pelo respeito à diversidade e às diferenças é que nós poderemos assumir nosso lugar de cidadãos plenos na sociedade brasileira. Como feminista negra e lésbica, considero que num país onde racismo, sexismo e homofobia são inseparáveis, é importante destacar que só a partir de 10 de abril o Ministério da Saúde passou a divulgar os dados raciais das pessoas atingidas pela Covid-19. E os primeiros dados apontam que pretos e pardos são 23,1% das pessoas internadas, mas correspondem a 32,8% dos óbitos por Covid-19, ou seja, os desafios continuam e não são poucos”.  

Marcelo do Carmo, professor do Departamento de Turismo da UFJF

Marcelo: “Acredito que os desafios são em escala mundial e envolvem toda a humanidade” (Foto: arquivo pessoal)

“Acredito que os desafios são em escala mundial e envolvem toda a humanidade! Vou elencar alguns sobre os quais tenho refletido: a) o acesso às ações de acolhimento e apoio pela população LGBTQI em situação de vulnerabilidade – voluntariado, assistência social e financeira, políticas públicas; b) cultura, turismo e eventos continuarão sendo setores muito afetados. Inúmeras pessoas LGBTQI trabalham com cultura e/ou turismo (equipamentos culturais, diferentes linguagens artísticas, espetáculos, eventos, bares, restaurantes, casas noturnas, agências de turismo, cias. aéreas etc). Como será a (re)inserção nos postos de trabalho da cultura e do turismo?; c) como manter as ações de visibilidade, ocupação de espaços e luta por acesso aos direitos, instrumentos muito utilizados pela comunidade LGBTQI? Mas, “o fim de um mundo não é o fim do mundo” (MAFFESOLI, Michel) e devemos estar bem para construirmos um futuro melhor.”

Marco Duarte, professor da Faculdade de Serviço Social da UFJF

“LGBTQI sofrem de grave e ameaçante ódio estrutural e institucional presente nas esferas governamentais”, ressalta Marco (Foto: Gustavo Tempone/UFJF)

“A população LGBTQI+ é historicamente exposta às violações de direitos, violências e mortes. Assim, neste contexto de crise sanitária, econômica e política, isso tende a ser mais tensionado. A LGBTIQfobia é socialmente construída e se expressa nas diversas formas de preconceito, discriminação, estigmatização, intolerância, segregação, isolamento, abandono e desproteção de LGBTQI+. A existência das dissidências sexuais e de gênero, que fogem aos padrões cisheteronormativos, estão muito mais vulneráveis e precarizadas, seja na família, no trabalho, na escola, nos serviços de saúde, e se agravam na falta de leis que garantam segurança para esta população. É preciso considerar que a LGBTQIfobia tem impactos, riscos e agravos à saúde das pessoas LGBTQI que sofrem desse grave e ameaçante ódio estrutural e institucional presente nas esferas governamentais.”

Roney Polato, professor da Faculdade de Educação da UFJF

Roney: “A ascensão do atual governo e de suas ideias preconceituosas parece incentivar atitudes discriminatórias e violentas” (Foto: arquivo pessoal)

“A população LGBTQI enfrenta desafios históricos, que dizem das lutas por visibilidade, isonomia diante dos direitos mais fundamentais e, sobretudo, pela sobrevivência, considerando as intersecções com vulnerabilidades de raça, classe, gênero e outros. No cenário brasileiro recente esses enfrentamentos têm se acirrado, mediante a ascensão de uma política governamental que atua sistematicamente na potencialização das vulnerabilidades das pessoas LGBTQI e demais grupos sociais subalternizados. Para além do âmbito político, o cotidiano dessas pessoas tem se tornando mais difícil, pois a ascensão do atual governo e de suas ideias preconceituosas parece incentivar atitudes discriminatórias e violentas, nos tornando alvos de um pânico moral que alimenta essa política de ódio. Temos sido discriminadas/os e violentadas/os nos diversos âmbitos do social, com destaque para família, trabalho e escola. Considerando o contexto de excepcionalidade em função da pandemia pelo novo coronavírus, essas questões se agravam, por exemplo, quando pessoas LGBTQI são obrigadas a se manter em isolamento social em ambientes familiares altamente violentos, preconceituosos. Para alterar esse cenário, devemos continuar com o combate a essa política de ódio, a partir do enfrentamento político, do debate jurídico por leis, políticas públicas e isonomia de direitos e do embate cultural, promovendo ações que sejam educativas, no sentido de que façam as pessoas pensarem e agirem de formas diferentes daquelas que aprenderam, no que se refere às questões das sexualidades e gêneros. E as universidades têm um papel fundamental nisso.”

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