Envelhecer não é fácil! Mesmo com o avanço das tecnologias em saúde e a prática de hábitos saudáveis, o estigma de “ser velho” ainda traz o sentimento de sofrimentos, perda da autonomia, fragilidades, debilidades físicas e isolamento, criando um cenário instável, como se fosse o fim da possibilidade de se manter uma vida ativa. Esse contexto histórico de desvalorização, aliado à pandemia causada pela Covid-19, acentua a situação de vulnerabilidade, uma vez que o distanciamento social e a pressão sofrida pelos idosos tendem a aumentar e fazem com que a sociedade precise repensar e criar estratégias para lidar corretamente com este público.

Envelhecer de forma saudável passa por uma perspectiva multidimensional, não somente biológica, mas também psicológica, social e física (Imagem: Steve Buissinne/Pixabay)

Para poder refletir criticamente sobre este assunto, o professor do curso de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Altemir Barbosa, acha mais adequado considerar a não existência de “velhice”, mas sim de “velhices”, onde são tratadas novas etapas, amplas e heterogêneas, do curso da vida. “É preciso considerar que a diversidade da qualidade de vida é um signo das velhices. O presidente da República, boa parte dos ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal (STF), e muitos deputados e senadores são idosos. Apesar de vários desses personagens contribuírem para um ‘caos’ nacional, é pouco provável que a velhice deles também esteja sendo caótica”, observa.

“Ainda assim, não se pode negligenciar que nessa fase há, por exemplo, diminuição da renda, surgimento de problemas de saúde, perda de massa muscular e aumento dos gastos com doenças. Todavia, envelhecer não é somente declínio. Como todo o desenvolvimento, é um processo de ganhos e perdas”.

Já o psicólogo da UFJF, Getúlio Medeiros, ressalta que envelhecer de forma saudável é um processo que passa por uma perspectiva multidimensional, não somente biológica, mas também social, psicológica e física. “Deve ser uma constante busca de equilíbrio entre essas várias dimensões, porém sem necessariamente significar a ausência de problemas em alguma delas no transcorrer deste processo. Para superarmos possíveis impasses, é importante criarmos e mantermos uma rede de relacionamentos interpessoais, sendo eles sociais e/ou familiares.”

Processo

Revisão das estruturas de organização da sociedade é desafio para a criação de novas políticas públicas que levem em conta todo o processo de envelhecimento (Imagem: Gerd Altmann/Pixabay)

De acordo com a coordenadora do Polo Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão sobre o Processo de Envelhecimento, Estela Cunha, a sociedade precisa rever as próprias estruturas para oferecer uma velhice com mais dignidade. “O idoso não tem que pensar em como fazer para diminuir as pressões, pois não é ele o responsável por ocasioná-las. É a sociedade que desvaloriza todo e qualquer ser humano, principalmente os que envelhecem, pois eles deixam de ter valor enquanto produtores de bem para consumo da coletividade”, explica.

O idoso não tem que pensar em como fazer para diminuir as pressões, pois não é ele o responsável por ocasioná-las.” (Estela Cunha, coordenadora do Polo de Envelhecimento)

“É preciso rever a forma de processar a vida e a organização de estrutura, cultura e valorização de homens e mulheres que envelhecem desde quando nasceram. É uma questão de ordem e políticas públicas que revejam o processo de envelhecimento e não apenas o sujeito que já tem mais de 60 anos”.

Ageísmo
Para Barbosa, o ageísmo – preconceito e atitudes negativas contra certos grupos etários – aumentou com o quadro epidemiológico da Covid-19, onde a crise na área de saúde agrava a “velhofobia”. “O discurso velhofóbico não é novidade. Contudo, ele ‘rasgou o véu’ com a pandemia. Esse tipo de ageismo contribuí para que os indivíduos idosos tenham sentimentos de inutilidade e sensação de serem onerosos e sem valor”.

Medeiros, por sua vez, acrescenta a necessidade de que os idosos sejam ouvidos. “Devemos ter em mente que o processo de envelhecimento humano é até certo ponto modificável. É importante buscarmos uma abordagem que vise o bem-estar do idoso, sempre dando voz a ele. Temos que escutá-lo e auxiliá-lo de modo a proporcionar sua autonomia. É preciso também estimular a atividade mental e física, bem como propiciar um envolvimento ativo na vida cotidiana, a fim de minimizar os possíveis sofrimentos.”

“O discurso velhofóbico não é novidade. Contudo, ele ‘rasgou o véu’ com a pandemia.” (Altemir Barbosa, professor do curso de Psicologia da UFJF)

Memória
Estela aponta o quanto a concepção de ócio precisa ser revista e considerada como a possibilidade que o idoso tem de se recriar, sem se envolver com atividades de consumo, tempo ou serviço. Faz parte da construção de uma nova relação deste sujeito com o mundo, valorizando as próprias lembranças.

“Acho importante atividades que estimulem a memória, como palavras cruzadas, e também que despertem o corpo, como é o caso da meditação e dos pequenos alongamentos. Crochê, tricô e qualquer tipo de bordado também são ótimos. É necessário fazer leituras, não apenas informativas, mas romances, ficções científicas e crônicas. No momento atual, acho que também deve assistir as lives, pois há cantores de todas as gerações.”

Além disso, a coordenadora do Polo ressalta a importância das trocas intergeracionais, como contar histórias reais para filhos e netos, escrever diários de lembranças e registros do tempo presente, e participar das atividades de higiene e alimentação da casa, assim como ajudar nas decisões. “Lavar verduras, escolher feijão e ajudar no preparo dos alimentos, mas tomando os devidos cuidados com facas e tesouras, e lavar as louças são bons exemplos. Há tarefas que precisam ser cumpridas e esse sujeito idoso tem toda condição e deve participar de todas elas.”

Ressignificação do ócio, empoderamento, trocas intergeracionais e atividades que estimulem a memória são recomendados para o envelhecimento saudável e a prevenção de transtornos mentais (Foto: Sabine Van Erp/Pixabay)

Depressão
Dentre os diversos transtornos que afetam os idosos, a depressão merece atenção especial. De acordo com Medeiros, costuma estar associada a algum tipo de perda na habilidade física, aparência, papel social, questões financeiras e morte de conhecidos.  “Os familiares e amigos possuem o importante papel de oferecer apoio social ao idoso promovendo o empoderamento dele. Com a criação de uma rede de apoio, tanto familiar  quanto comunitária, o indivíduo passa a perceber que é querido, amado, estimado e que faz parte de uma rede social com compromissos mútuos. Manter a capacidade de interagir socialmente é fundamental para a prevenção de transtornos mentais no processo de envelhecimento”.

Barbosa reitera que é preciso considerar que a depressão é um quadro grave, multideterminado e complexo e deve ser diagnosticado por profissionais competentes. Além disso, há que se considerar que pode tanto ser desencadeada quanto agravada por situações altamente estressantes. Porém precisa ser diferenciada das tristezas cotidianas.

“Os familiares e amigos possuem o importante papel de oferecer apoio social ao idoso promovendo o empoderamento dele.” (Getúlio Medeiros, psicólogo da UFJF)

Proteção
“Nem todo idoso precisa ser cuidado. Ao contrário, é bastante comum que essas pessoas assumam a responsabilidade, integral ou parcial, de, por exemplo, netos e filhos com deficiência. O grupo daqueles que precisam de cuidado adicional é bastante heterogêneo, incluindo desde os acamados, devido a processos demenciais, até os que vivem em situação de rua. Portanto, as ações individuais variam muito. Destaco, contudo, a necessidade de que os cidadãos exijam que o poder público exerça seu papel de proteção social”.

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