Achatamento da curva, platô, pico de crescimento. Ultimamente, está difícil passar um dia sequer sem ouvir um desses termos nos noticiários. E não é para menos. Todas estas terminologias se referem a uma área do conhecimento que tem se mostrado imprescindível no combate ao novo coronavírus: a matemática.
Embora muitas vezes oculta em símbolos e códigos que dão um ideia de abstração, esta ciência está presente em nosso cotidiano, seja na culinária, na música e até mesmo em áreas avançadas como medicina, física, robótica e engenharia. Para o doutor em estatística aplicada, Leandro Roberto de Macedo, o conhecimento matemático atua como um aliado na tomada de decisões, e que por isso tem contribuído com o trabalho dos especialistas no acompanhamento da evolução e nas estratégias para conter a disseminação de doenças como a covid-19.
“A matemática é muito importante no estudo de pandemias devido à flexibilidade de permitir o ajuste de modelos que possam descrever o comportamento da trajetória da doença, que na maioria dos casos tem um crescimento exponencial. Através desses modelo é possível fazer estimativas do número de infectados em um determinado período de tempo, bem como o número de mortos ou de curados”, explica Macedo, que é professor do curso de Economia do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV).
Outro docente que também conhece muito bem as contribuições da matemática, principalmente em momentos como o da atual pandemia, é o doutor em física, Wesley Nascimento. Desde o último dia 13 de março ele monitora graficamente o número de casos e de óbitos provocados pelo vírus no Brasil. Em um trabalho conjunto com os alunos de cálculo aplicado à saúde – disciplina que leciona no curso de Farmácia da UFJF-GV – ele alimenta um software com os dados disponibilizados diariamente pelos órgãos oficiais.
“O programa interpreta e monta uma equação, que com os seus parâmetros numéricos descreve o comportamento desses dados. A partir dessa equação conseguimos fazer uma previsão, por exemplo, da quantidade de casos e de óbitos por semana ou quinzenalmente”, explica Nascimento. E tudo isso é possível graças a uma função matemática – do mesmo tipo daquelas estudadas por nós no ensino fundamental – que associa duas variáveis, que neste caso são o tempo versus o número de infectados ou de mortos.
Outro conhecimento que também adquirimos nas séries iniciais da nossa formação escolar e que você deve se lembrar são as coordenadas “x” e “y. Elas estão diretamente relacionados à famosa curva de contaminação que tanto temos ouvido falar. Os gráficos que fazem as projeções da pandemia possuem no eixo “y” (vertical) o número de casos ou de mortes e no “x” (horizontal) o espaço de tempo a que se refere a análise dos dados. Na interseção desses eixos está uma linha. Quanto maior sua inclinação, mais grave é a situação de disseminação do vírus.
“Uma pandemia ou uma epidemia começa descrita por uma função exponencial, que é a parte mais grave e perigosa do contágio porque a quantidade de casos e de óbitos cresce exponencialmente. É uma progressão geométrica, aumenta muito, porque parte do pressuposto de que uma pessoa vai contagiar três e cada um desses três vai contagiar mais três… Então a curva começa mais suave, de repente começa a inclinar e fica muito acentuada”, detalha o físico.
O principal objetivo de todos os profissionais que atuam no combate ao novo coronavírus é fazer com que a curva comece a ficar menos inclinada, o que significaria uma taxa de crescimento menor da doença. O ideal, segundo Nascimento, é que a linha do gráfico fique “estável, ou seja, próxima de uma função constante – uma reta paralela ao eixo ‘x’. Quando isso acontecer, está próximo de atingir o pico máximo e, a partir daí, começa a decrescer.”
E por falar em pico, recentemente houve uma mudança no período de ocorrência do ápice de contaminação. Mas para Nascimento, isso não prejudica o nível de confiança nas estimativas estatísticas. “Prever esse pico é muito difícil. Por que se mudou a data prevista para o final de abril? Porque as ações de controle não estão sendo suficientes e outros aspectos – falta de testes, por exemplo – estão fazendo com que essa taxa de variação diária ainda esteja flutuando, e cada vez que ela flutua impacta na posição do pico. Esses modelos de previsão do pico são influenciados pelos dados diários que a gente vem observando”, explica.
Macedo também não tem dúvidas quanto à precisão da matemática e a contribuição dela para o sucesso do combate à pandemia. Mais do que isso, a esperança dele é que a partir desse exemplo prático de grande interação entre a matemática e a área da saúde haja uma maior valorização desta ciência.
Se estiver vagando pelo nosso meio em uma de suas almas transmigradas, como acreditava, Pitágoras na certa deve estar muito feliz vendo o conhecimento do qual foi precursor sendo utilizado para salvar vidas.