Com o quadro pandêmico de COVID-19, a população mundial anseia por uma cura rápida e acessível. Devido à emergência do cenário, a comunidade científica tem optado por desenvolver testes com medicamentos, principalmente antivirais, já existentes no mercado. Uma dessas drogas é a cloroquina, normalmente usada no tratamento de parasitoses e doenças autoimunes, e a análoga, hidroxicloroquina, que apresentou efeitos positivos quando testadas contra o coronavírus (Sars-CoV).
Apesar de muitos pesquisadores estarem debruçados sobre testes com as amostras, ainda não é possível afirmar inequivocamente sua eficácia para o tratamento da COVID-19. Por isso, a Organização Mundial da Saúde ainda não aconselha o uso destes fármacos para o combate à nova doença. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), um grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Química, e liderado pelo professor Adilson David da Silva, tem investido esforços na síntese de análogos a cloroquina. “Nosso grupo possui larga experiência na pesquisa da síntese de análogos de cloroquina para o tratamento da malária, com resultados promissores na obtenção de compostos menos tóxicos”, esclarece Adilson.
Parcerias para o desenvolvimento da pesquisa
Para desenvolver a análise, os pesquisadores contam com parcerias com o Grupo de Modelagem Computacional Aplicada da UFJF e com o Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os grupos integram o Programa Emergencial de Apoio a Ações de Enfrentamento da Pandemia Causada pelo Novo Coronavírus, ligado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). O projeto é intitulado “Síntese de análogos de Cloroquina/Hidroxicloroquina, estudos in silico com proteínas alvo do SARS-CoV-2 e avaliação dos efeitos sobre a modulação da replicação do vírus SARS-CoV-2”.
O Grupo de Modelagem Computacional Aplicada, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Modelagem Computacional da UFJF, trabalha com a análise computacional de derivados de cloroquina para o tratamento de doenças parasitárias, principalmente a malária. Agora, devido ao contexto, estão ampliando o estudo para o tratamento da COVID-19. O grupo será responsável pelo estudo in silico – ou seja, computacional – com proteínas alvo do SARS-CoV-2, o novo coronavírus.
“Para comparar as diferenças nas sequências do SARS-CoV-2 de pacientes contaminados pelo coronavírus aqui no Brasil, estamos trabalhando com sequências de proteínas que pegamos de bancos de dados públicos e aquelas depositadas pelo consórcio montado entre o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)”, explica a coordenadora do Grupo de Modelagem Computacional Aplicada, Priscila Capriles. “Faremos a avaliação desses compostos como possíveis fármacos para o tratamento da COVID-19.”
O grupo do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo da Fiocruz já realiza testes anti-SARS-CoV-2 e, no projeto, contribui com o desenvolvimento dos ensaios experimentais. Algumas amostras dos principais compostos identificados pelos grupos da UFJF como compostos que apresentaram baixa citotoxicidade e promissora atividade em SARS-CoV-2 já foram enviados para o Instituto para análise. “Neste momento, estamos aguardando os resultados das primeiras triagens do grupo da Fiocruz e em seguida poderemos enviar para os testes in vivo, em modelos celulares”, explica Priscila.
Cloroquina e coronavírus
O mecanismo de ação destes compostos ainda não está totalmente elucidado. De acordo com uma pesquisa da Oxford University Press for the Infectious Diseases Society of America, as moléculas de cloroquina e de seus análogos podem alterar o pH na superfície da membrana celular e, assim, inibir a fusão do vírus com a célula hospedeira. Além disso, podem inibir a produção de ácidos nucléicos, proteínas virais. Já em um estudo publicado em 2005 no Virology Journal da Bio Med Central foi observado que a cloroquina parece interferir em um gene que facilita a infecção por coronavírus, o ACE2. “Esta atividade pode influenciar negativamente a ligação do vírus ao receptor celular (ACE2), resultando na inibição da infecção e disseminação do SARS-CoV em concentrações clinicamente admissíveis”, afirma Silva.
Apesar de já ser um medicamento com propriedades antivirais reconhecidas, o caminho para a aprovação de uma substância para o tratamento de uma doença é longo. Existem diversos testes que devem ser realizados para assegurar a eficácia do medicamento especificamente para a doença e analisar quais são os efeitos que a substância causa no corpo humano. Isso demanda tempo e muitas etapas. A pesquisa realizada na UFJF em parceria com a Fiocruz está na primeira etapa – a fase pré-clínica.
Nesta fase inicial, os compostos são testados em in vitro, in vivo e in silico. As duas primeiras expressões vêm do latim e referem-se, respectivamente, à técnica de executar um procedimento fora de um organismo, em um ambiente controlado; e à experimentação em um organismo vivo. Já a última expressão, in silico, caracteriza experimentos biológicos realizados inteiramente em um computador.
O próximo passo é a pesquisa clínica, quando serão realizados testes em seres humanos. Essa etapa possui três fases e cada uma demora cerca de três anos para serem finalizadas. De acordo com revisão da literatura científica realizada por um grupo de cientistas brasileiros, vinculados a instituições como os hospitais Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz, existem 65 estudos sendo realizados no mundo que avaliam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. Desses 65, três já foram concluídos e apresentam resultados controversos. Muitos dos problemas encontrados são consequência do uso de “atalhos” na pesquisa, negligenciando testes indispensáveis como o ensaio clínico randomizado, no qual os voluntários são divididos em dois grupos: um recebe o medicamento e, o outro, placebo. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disponibiliza o roteiro com todas as disposições e fases necessárias para a aprovação de um medicamento.
Efeitos colaterais
Em um cenário de urgência demandada pelo contexto pandêmico, a OMS demonstra preocupação com a automedicação e afirma que ainda não existem evidências empíricas para o uso da cloroquina no tratamento da COVID-19. A ingestão de um medicamento cuja eficácia ainda não foi comprovada pode trazer risco para a saúde daqueles que o administram. Hospitais suecos interromperam o uso da substância na última sexta-feira, 10, devido aos graves efeitos colaterais observados. Foram relatados câimbra, perda da visão periférica e forte dor de cabeça. Além disso, em 1% das pessoas, a cloroquina pode causar arritmia cardíaca, que pode levar a um infarto fulminante.
No Brasil, o uso medicamento foi liberado pelo Ministério da Saúde em casos graves, internados nos Centros de Tratamento Intensivo (CTI) dos hospitais e também em casos moderados. Além disso, o Ministério também autorizou a prescrição do remédio por médicos que julguem necessário o uso.