No Brasil, os estudantes foram um dos primeiros a entrarem na rotina de isolamento social. Escolas de todo o país foram, pouco a pouco, fechando as portas temporariamente para conter a proliferação do novo coronavírus. É sabido que as crianças são vetores, normalmente, assintomáticos, fazendo delas disseminadores silenciosos do vírus. Daí a necessidade do isolamento absoluto nesse momento.
A dúvida de muitos pais nessa hora é de como estabelecer uma rotina de estudos para os seus filhos. A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Núbia Schaper, reconhece a peculiaridade do momento. “Com o passar dos dias, a medida em que a angústia nos permitir uma organização, é preciso criar um ambiente de brincadeiras e, dentro do possível, também de atividades escolares. Essas atitudes conectam as crianças com o contexto escolar, trazem a memória afetiva com aquele espaço”, explica.
“Determinar uma rotina similar ao de antes da suspensão das aulas é uma forma importante de organização e de ritmo para a própria criança”, defende Núbia.
A pesquisadora, entretanto, alerta que para os pequenos o ambiente de casa não deve ser transformado no ambiente da escola. “Penso que estabelecer os dias da semana, com horários específicos seja importante. Algumas instituições da rede privada têm colocado atividades em suas plataformas digitais. Mas, reitero a necessidade de dosar esse tempo”. Coincidir o horário das aulas com o de estudos em casa é uma boa estratégia: “Determinar uma rotina similar ao de antes da suspensão das aulas é uma forma importante de organização e de ritmo para a própria criança”, defende Núbia.
O caso da alfabetização
O professor da Faculdade de Educação da UFJF, Eduardo Magrone, alerta que os alunos em fase de alfabetização são os mais afetados pelas interrupções de aulas. Ele explica que até mesmo o período de férias escolares pode interferir no aprendizado: “A interrupção dos estudos nessa fase pode acarretar muito prejuízo na qualidade do desenvolvimento. É preciso cuidado, porque os trabalhos escolares não devem parar. Ter formas, por meio da própria escola ou mesmo da família, de prosseguir os seus estudos em condições diferenciadas é fundamental, uma vez que a convivência com colegas e professores nesse período está debilitada”.
Esta preocupação deve seguir entre os demais estudantes da primeira fase do ensino fundamental – do 1º ao 5º ano. “Os pais e as escolas precisam estar atentos para a rotina de estudos dessas crianças. Devem primar pela frequência e a regularidade, para que os prejuízos sejam menores”, orienta Magrone.
Para os maiores, a rotina também é fundamental
A partir da segunda fase do ensino fundamental, incluindo o ensino médio, é comum os alunos criarem um “clima de férias”, segundo o pesquisador. “É o clima de quem já concluiu o ano letivo e entra em uma fase relaxamento e distanciamento das atividades acadêmicas”, explica. O estudante deve manter o hábito de estudo para que não acarrete no subdesenvolvimento do seu aprendizado. “As escolas precisam desenvolver atividades de ensino a distância, que podem ser úteis para preparação para vestibulares e Enem, por exemplo”.
Ensino a distância
Nesse período, o ensino a distância está sendo adotado por algumas escolas para suprir a falta do ambiente escolar. De acordo com Magrone, há quase um consenso sobre desaconselhamento dessas plataformas para crianças menores de 11 anos, a não ser que sejam oferecidas de maneira complementar. A partir dessa idade, essas plataformas podem ser usadas mais livremente, entretanto encontra-se uma barreira fática: nem todas as famílias possuem computador ou acesso a internet em casa.
“Não se pode pensar em se resolver o problema somente dessa maneira. Principalmente os alunos de escolas públicas, muitas vezes, não têm esse dispositivo em casa com a mesma frequência que em outros segmentos sociais. Isso não está universalizado e é a primeira trincheira encontrada para que algumas pessoas possam se entusiasmar com a tecnologia”, aponta.
“A cobrança excessiva agora pode gerar resultados comportamentais e cognitivos piores do que a recusa em estudar”, explica Magrone.
O pesquisador relembra que, para aqueles com acesso, a internet também reúne muitas opções e os conteúdos, além daqueles disponíveis em meio impresso. É necessário disciplina, porém deve-se dosar o afinco: “É muito problemático manter a disposição de um filho em um momento de adversidade. A cobrança excessiva agora pode gerar resultados comportamentais e cognitivos piores do que a recusa em estudar, caso os pais não tenham a sensibilidade necessária para administrar o momento atípico que estamos atravessando”, conclui.
A importância do ócio criativo
A palavra ‘escola’ tem origem na Grécia e significa “espaço do ócio”. Por isso, segundo o professor do Departamento de Matemática da UFJF, Marco Aurélio Kistemann, hoje o espaço do ócio está em casa. “É em casa sob mediação remota docente e supervisão dos pais que os estudantes vão aprender. Mas aprender de uma forma lúdica por meio de jogos, brincadeiras que já estavam esquecidas numa sociedade altamente tecnológica”.
Brincadeiras como pião, batalha naval, pega-varetas, jogo da memória, pular corda, jogos de tabuleiro e adedanha são indicados por Kistemann: “Aprender por meio de brincadeiras é o divertimento que o cérebro não esquece jamais, pois é prazeroso e é no ócio que a aprendizagem também pode e deve ocorrer”, defende.
De acordo com Núbia, esse é um momento de possibilitar um aprendizado para além do que é enviado pelas escolas. Alguns colégios estão enviando uma profusão de atividades, como se todo o tempo da criança tivesse de ser preenchido com atividades escolares. Na verdade, ter um momento de ócio criativo também é fundamental para que a criança aprenda e amplie sua visão de mundo.
“Ao ler uma história para a criança você pode criar inúmeras situações de aprendizado, por exemplo. Quando eles escutam ou leem uma história, eles podem criar e reinventar a própria realidade. Oferecer objetos e artefatos da cultura possibilita momentos de criação e recriação. Pais e mães podem e devem criar um ambiente em que os conteúdos escolares circulem a partir da dimensão lúdica. Neste momento, o mais importante é construir laços de afeto que trazem serenidade para as crianças em um momento de muitas incertezas”, propõe a pesquisadora.
Kistemann explica que a leitura promove uma aprendizagem significativa nesse e em todos os momentos. “Ler com os pais e depois explicar o que entendeu das histórias é um bom exercício para a memória e para a aprendizagem. As crianças devem ser incentivadas a leituras de gibis, contos clássicos da literatura infanto-juvenil universal, fábulas e literatura de cordel. Para os adolescentes, além das HQs, incentivar a leitura de livros de ficção científica e literatura fantástica como Harry Potter e Senhor dos Anéis pode ser muito positivo”.
Núbia defende as brincadeiras lúdicas com os pequenos. É possível transformar materiais como papel e papelão, pregadores de roupa, palitos, caixas de fósforo vazias e rolos de papel higiênico em brinquedos divertidos. Para mais informações, a pesquisadora indica os portais da Aliança pela Infância e do Instituto Alana.