O isolamento social como medida preventiva à Covid-19 mobiliza também pesquisadores que avaliam os impactos e mudanças de estratégias de atuação de instituições e de agentes ligados às questões de segurança pública, violências e direitos humanos. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o coordenador do Núcleo de Estudos de Políticas de Drogas, Violências e Direitos Humanos (NEVIDH), Paulo Cesar Pontes Fraga, observa que naturalmente os indicadores da segurança pública vão apontar uma redução nos números de casos de crimes cometidos nas ruas, em função do menor deslocamento de pessoas.
Por outro lado, o professor ressalta a preocupação com o aumento dos registros de violência doméstica, assim como das subnotificações desses fatos. “É um momento delicado em que muitos temem pelos seus empregos, pela sua sobrevivência, as pessoas ficam muito inseguras e elevam-se os níveis de tensão. E, em uma sociedade que tem um alto histórico de violência doméstica, contra a mulher e contra a criança e o adolescente, preocupa a possibilidade de realmente haver crescimento desses casos.”
Na mesma linha, a também pesquisadora do NEVIDH, Letícia Paiva Delgado, ressalta que “no que tange aos crimes patrimoniais que demandam uma combinação de fatores, inclusive uma oportunidade, há uma tendência em diminuir; o que temos que analisar é a possibilidade de termos mais crimes violentos em casa. Vamos, depois, poder analisar se houve ou não algum tipo de migração de violência em virtude desta desocupação do espaço público.” Na opinião de Letícia, alguns crimes podem acontecer com mais facilidade no período de isolamento pela configuração de uma relação de proximidade entre autor e vítima. “Temos que perceber qual comportamento com relação as taxas de violência doméstica, ao partirmos da premissa que temos vários tipos de violência: moral, psicológica, sexual, patrimonial e física.”
A pesquisadora lembra, ainda, que a Lei Maria da Penha abrange a violência contra qualquer mulher que esteja dentro de casa, quando se tem a relação de cohabitação. “Essa reflexão é importante para percebermos a importância das instituições que fazem atendimento, para que elas não paralisem neste momento de isolamento social, consigam fazer os atendimentos para que essas mulheres se sintam acolhidas neste momento.”
Neste contexto da violência doméstica, a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher em Juiz de Fora, delegada Ângela Fellet, informa que, em comparação ao mesmo período do ano passado, de 25 de fevereiro a 25 de março, houve uma redução de quase 50% nos registros de ocorrência neste ano. Assim como observou o professor Paulo, ela atribui esse cenário à subnotificação, pelo fato de muitas mulheres não estarem saído de casa.
A delegada explica, ainda, que determinados crimes mais graves, como é o feminicídio, tendem a ocorrer fora das residências, “que é quando o agressor percebe que a mulher não está dentro de casa e que ele teria perdido a vigilância e o controle sob a companheira.” De qualquer forma, a autoridade policial ressalta que a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher mantém as suas atividades e que as denúncias podem ser feitas pelo 180 e 181 (Disque Denúncia Unificado). Outra ferramenta voltada para a mulher, especialmente a que está sendo vítima de violência é o aplicativo MG Mulher.
Serviços essenciais e Direitos Humanos
O cenário mundial de luta pela vida diante da ameaça invisível provoca o redirecionamento das políticas públicas na área e põe em evidencia, ainda mais, os direitos humanos. Para Paulo Fraga, além dos investimentos para que os sistemas de saúde enfrentem a crise, é necessário “garantir renda mínima a determinados grupos mais vulneráveis, como os informais e pessoas de baixa renda. O Coronavírus nos faz repensar enquanto sociedade globalizada.” Ele também realça a importância de mobilização política com relação à população idosa, que tem sido a principal vítima do vírus. Letícia Paiva acrescenta que o trabalho das polícias é considerado essencial e que, em um contexto novo, referente à política de isolamento social, ainda não temos histórico para analisarmos de modo comparativo os reflexos das violências cometidas.
Em Juiz de Fora, a Polícia Civil reconhece os impactos na frequência e na espacialidade do crime. O chefe do 4º Departamento, delegado geral Gustavo Adélio Lara Ferreira, enfatiza que “em tempos de COVID-19, a PCMG tem reforçado orientações sobre golpes por telefone, em virtude da atuação de criminosos que buscam enganar o cidadão de bem, inclusive, na área do 4º Departamento, que abrange as Delegacias Regionais de Juiz de Fora, Ubá, Leopoldina, Muriaé e Viçosa. A Polícia Civil recomenda cautela. Há golpistas, por exemplo, que podem estar se passando por funcionários de instituições financeiras, ou mesmo policiais civis, gerando prejuízo às vítimas.”
O delegado acrescenta, ainda, que, com a diminuição de circulação de pessoas, principalmente em locais normalmente sempre muito movimentados, os estabelecimentos comerciais considerados essenciais e que estão em funcionamento são mais vulneráveis a ações criminosas, ou mesmo um pedestre, dependendo da hora e do local por onde passa. Outra preocupação é com as rixas entre gangues que, segundo Gustavo, podem ser mais frequentes com a liberação de alguns detentos, em função da superlotação das unidades prisionais e o consequente risco de contágio.
Para o professor Ricardo Bedendo, que também integra o NEVIDH, esse é um cenário no qual podemos avaliar, ainda mais criticamente, como as práticas delituosas, as formas de violências e as violações de direitos humanos nem sempre são apenas uma questão de oportunidade para a ação, de escolha racional dos agentes, como são pautadas muitas vezes algumas políticas na área. O pesquisador destaca que há outros fatores muito mais complexos nas estruturas social, política, econômica e cultural que precisam ser acrescentados nas respostas que buscamos diariamente para os problemas. “Com a Covid-19, será preciso enxergar, como nunca, que medidas com slogans políticos fora das realidades das pessoas e da atual estrutura das instituições não vão resolver as questões urgentes e de médio e longo prazo. O Estado deve agir e será preciso deixar de lado as diferenças partidárias e ideológicas para pensar na humanidade em primeiro lugar.”