Vamos falar de coisa boa? Não é da Tekpix, mas é melhor. Cultura, filmes, séries e produções audiovisuais. O momento de isolamento social, para quem tem essa oportunidade, pode ser uma boa chance de maratonar os clássicos ou descobrir coisas novas.

Para organizar uma lista de indicações, o Portal da UFJF convidou dois professores especialistas em cinema, televisão e mídias – Felipe Muanis (Instituto de Artes e Design) e Nilson Alvarenga (Faculdade de Comunicação). As sugestões mesclam clássicos e contemporâneos, além de filmes para pensar sobre o atual momento político e social.

Diante da “tarefa inglória”, de selecionar seu top cinco, o professor do IAD Felipe Muanis preferiu eleger diretores obrigatórios para assistir, com indicação de algumas de suas obras. Já o docente da Faculdade de Comunicação, Nilson Alvarenga, optou por clássicos que geralmente não aparecem tanto nas listas, tornando a escolha bem pessoal. Para encontrar alguns deles, além das mais conhecidas plataformas, a dica de Muanis é o Mubi, com filmes alternativos, europeus e fora do circuito comercial. 

Clássicos por Muanis

Federico Fellini – “Com uma narrativa muito idílica e sonhadora, tem filmes maravilhosos que até poderiam ser escapistas em algum sentido. Destaco ‘E la nave va’ (‘O navio’, 1983) e ‘La Strada’ (1954).”

Luis Bunuel – “Acho genial, é um surrealista que faz crítica social com bom humor.” As preferências do professor são ‘O anjo exterminador’ (1962)  e ‘Esse obscuro objeto do desejo’ (1977).

Nelson Pereira dos Santos – “‘Rio, 40 graus’ (1955), é um filme belíssimo e importantíssimo para o cinema brasileiro, que inaugura o Cinema Novo.” Menos falado, injustamente, segundo Muanis, é o “Rio, Zona Norte” (1957), com Grande Otelo.

Akira Kurosawa – “Tem filmes épicos, de batalha e ao mesmo tempo poéticos como ‘Ran’ (‘Os senhores da guerra’, 1985), e outros muito interessantes como Rashōmon (‘Às Portas do Inferno, 1950’).”

Sergio Leone – É conhecido pelo western italiano e serviu de inspiração para Tarantino. “Para quem gosta de faroeste é obrigatório.” Entre os títulos ‘Era uma vez no Oeste’ (1969) e ‘Era uma vez na América’ (1984).

Clássicos por Nilson Alvarenga

‘Limite’ (1930), de Mário Peixoto – “Embora sua recepção vá do reconhecimento de uma obra além do seu tempo até uma obra de arte pela arte, é indiscutível que é um dos filmes mais representativos de todos os tempos do cinema no Brasil.”

‘O Atalante’ (1934), de Jean Vigo – “Jean Vigo é um pouco um ‘lado B’ na história do cinema. É um filme triste, mas mostra um realizador seguro na arte de criar variações intensivas para além das mudanças narrativas, o que o aproxima muitas vezes de um certo realismo sensorial contemporâneo.”

‘Pai e Filha’ (1949), de Yasujiro Ozu – “Ozu é um realizador importantíssimo  no cinema mundial de todos os tempos. Influência incontornável para cineastas tão diferentes e tão importantes como Akira Kurosawa, Hou Hsiao Hsien e Abbas Kiarostami.”

‘Alemanha, Ano Zero’ (1947), de Roberto Rossellini  – Mais lembrado por Roma Cidade Aberta ou Paisá, neste filme o diretor “começa a explorar cada vez mais a diluição narrativa, a errância e outros dispositivos, mesmo tratando de histórias fortes e com reflexão sobre a realidade social do seu tempo.” 

‘Shadows’(1959), de John Cassavetes – “Pela dramaturgia, baseada no improviso e na câmera livre, que ajuda a inaugurar ou influenciar a Nouvelle Vague Francesa e os “cinemas novos” pelo mundo a partir dos anos 60.”

Contemporâneos

Na lista dos contemporâneos, Muanis aponta os badalados ‘Parasita‘, ‘Bacurau‘ e ‘Coringa‘, todos de 2019. Na TV, segundo ele, há uma grande variedade de séries interessantes, das mais “pesadas” como ‘Chernobil’ (HBO) às mais leves como a ‘Gracie and Frankie’ (Netflix), “que tem atores excepcionais e é boa para esfriar a cabeça”. Outra dica é a ‘The Mandalorian’ (Hulu) sobre o universo de Star Wars.

Para Nilson Alvarenga, são imperdíveis o documentário ‘Estou me guardando para quando o carnaval chegar’ (2019), de Marcelo Gomes; a série ‘Atlanta’ (Netflix), o longa brasileiro de André Novais, ‘Temporada’ (2018) e ‘Happy End’ (2017), de Michael Haneke. “Citaria ainda um documentário, que foi pouco visto e pouco comentado, mas me parece falar muito sobre o modo como as cidades contemporâneas reforçam formas de controle: ‘A grande muralha’ (2015), de Tadhg O’Sullivan, disponível no Vimeo.”

Para pensar

Para Muanis, os filmes de Kleber Mendonça são um grande reflexo do que a sociedade está vivendo atualmente. “Em ‘Aquarius’ (2016) ele já questionava a falta de empatia, o lucro e o dinheiro a qualquer preço. Outro dele é ‘Som ao Redor’ (2012), que fala sobre a maneira da classe média se relacionar, e o mais recente, ‘Bacurau’ (2019), uma crítica ao imperialismo e um reflexo do que o Brasil é para os Estados Unidos, algo descartável. Todos eles conseguem fazer uma crítica social contundente e, ao mesmo tempo, criar uma boa comunicação com o público, o que é fundamental.”

De acordo com Nilson, ‘Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar’ (2019) e ‘Bacurau’ (2019) articulam questões importantes sobre o Brasil contemporâneo. O primeiro “não fala diretamente de resistência, mas aponta como se instaura no cotidiano os modos de pensar que fazem com que as novas formas de poder se instauram. Já o filme de Kleber Mendonça, na sua opinião, traz como pano de fundo um outro modo de pensar o cinema: “não o de uma reflexão para pensar, mas que quer agir diretamente, embora pague o preço ao aceitar uma situação como dada, às vezes esquematizando-a”. 

No exterior, cita ‘Synonymes’ (2019), de Nadav Lapid, que traz à tona a tradição do cinema político dos anos 70 de enfrentamento da imigração estrangeira, do terrorismo e do canibalismo cultural europeu. E, ainda, a comédia ‘O Paraíso Deve Ser Aqui’ (2019) de Elia Suleiman, que apoia-se em outra tradição – a do burlesco à la Jacques Tati. “(O filme mostra) como comportamentos culturais, aparentemente naturalizados, sob pretexto de serem ‘tradições’, ancoram hábitos preconceituosos e práticas de segregação.” 

Para descobrir

O pesquisador do IAD têm se dedicado a trabalhos envolvendo deslizamentos entre linguagens e tecnologias no audiovisual – entre os exemplos estão o uso de drones, celulares e geolocalizadores para produção de filmes. “Tem me chamado a atenção essas experiências no sentido de dar possibilidade a pessoas comuns (não necessariamente com formação de cinema) de criar novos tipos de imagens e filmes pessoais, muito particulares, sem depender de um grande estrutura e até com inovações de linguagem”, comenta Muanis. 

Nilson Alvarenga, por outro lado, prefere aguardar as próximas cenas a serem produzidas “depois dessa nova e (inesperada?) onda de fascismo político e cultural e dessa crise generalizada de expectativas no futuro”. “Se o cinema e as artes permanecerem falando as mesmas coisas dos mesmos jeitos aumentará a força daqueles que acham que tudo o que acreditamos seja apenas uma mentira. E, estando no poder, eles podem, falaciosamente, simplesmente desmentir.”