Universalização, equidade e integralidade. Esses são os princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS), um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde do mundo. Do atendimento mais básico da Atenção Primária até os mais complexos procedimentos da medicina, o SUS oferece seus serviços de forma gratuita a todos os cidadãos, independente de raça, gênero ou ocupação, atendendo a todas as suas necessidades, e garantindo que os mais necessitados possam ser priorizados, gerando, assim, maior igualdade entre os indivíduos.
“O Sistema Único de Saúde é uma das políticas sociais mais importantes construídas com o modelo de seguridade social implantado em 1988. É a única que prevê atendimento universal, igualitário, integral e com a participação social. Todos cidadãos brasileiros utilizam o SUS, seja através das vigilâncias, das vacinas, atendimentos de emergência e em situações de epidemia, como a que vivemos agora”, defende a professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisadora em Saúde Coletiva, Sabrina Paiva.
A professora da Faculdade de Enfermagem da UFJF, Beatriz Farah, considera que o SUS é um sistema que defende a vida: “Esse é o maior patrimônio público do nosso país, assegurado pela nossa Constituição Federal. Possui uma rede de estabelecimentos de saúde públicos e conveniados ramificado nos diversos estados e municípios do nosso país e conta com milhões de trabalhadores, que lutam cotidianamente para prestar uma assistência qualificada, equânime e integral a toda a população brasileira”.
O professor da Faculdade de Comunicação e coordenador do grupo Sensus de pesquisa em Comunicação e Saúde (UFJF), Wedencley Alves, relembra que, antes do SUS, existia o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que não tinha cobertura universal, atingindo somente aqueles que tinham registros ativos na Carteira de Trabalho e seus dependentes. “O nível de carteira assinada nos anos 1970 e 1980 era mínimo, tínhamos um alto grau de informalidade. Ou seja, a maioria da população não tinha acesso à saúde. O SUS vem dar um acesso universal à saúde. Você sendo empregado, informal, aposentado, rico ou não, pode recorrer a ele”, rememora.
A professora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFJF, Danielle Teles, ainda aponta o SUS como imprescindível em um país que possui diferenças regionais importantes, refletindo em grandes desigualdades sociais e, consequentemente, de acesso à saúde. “Nos últimos quatro anos, vivenciamos o aumento da pobreza, da desigualdade social, do desemprego e dos vínculos e relações precárias de trabalho. O que seria de milhares de brasileiros? Devemos lembrar ainda que, atualmente, 80% da população brasileira dependem exclusivamente do SUS para as ações assistenciais. Sendo assim, o sistema é mais que fundamental”.
Covid-19 e o SUS
O mundo passa por um momento de crise pandêmica com o novo coronavírus (Covid-19). Em todo o planeta, até o momento, segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 416 mil casos da doença foram registrados. No Brasil, o número é de 2.201 notificações e 45 mortes (números divulgados pelo Ministério da Saúde na quinta, dia 26).
Para Beatriz, esse é um momento único para o SUS: “Estamos assistindo uma das maiores mobilizações no enfrentamento da pandemia da Covid-19, mostrando a toda a sociedade que apesar dos cortes sofridos pela Saúde nos últimos anos, estamos prestando assistência ininterrupta a todos cidadãos usuários do sistema”.
“Mais do que o atendimento de caso a caso, a responsabilidade pública e coletiva de combate ao vírus está nas mãos do Estado, mais especificamente do SUS”- Sabrina Paiva, professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF e pesquisadora em Saúde Coletiva
Danielle considera que a situação atual nos convoca a refletirmos sobre a importância de um sistema universal de saúde que seja capaz, de fato, de proteger a sociedade brasileira: “A garantia da segurança sanitária diante de emergências em saúde pública dessa ordem só se faz possível através de sistemas com acesso universal, que cubram todo o território e que não tenham como princípio a concepção de saúde como mercadoria. E o SUS é um desses sistemas. Imagine, diante dessa pandemia, condicionar o acesso a detecção, tratamento e prevenção à disponibilidade de recursos financeiros individuais dentro de uma lógica meritocrática?”.
Sabrina afirma que o SUS assume, nesse momento, uma responsabilidade ainda maior pela saúde coletiva, o investimento em recursos preventivos e o combate coletivo e em recursos humanos para o desenvolvimento de pesquisas sobre o combate ao novo coronavírus. “Mais do que o atendimento de caso a caso, a responsabilidade pública e coletiva de combate ao vírus está nas mãos do Estado, mais especificamente do SUS”. E Wedencley complementa: “Quando a vacina da Covid-19 for uma realidade, quem vai vacinar milhões de pessoas é o SUS. De graça”.
Democrático por ser único
O fato de ser um sistema único, comum a todo o país e a toda a população, faz com que o SUS seja uma via democrática de acesso à saúde. De acordo com Paiva, em países que possuem grande parte de sua saúde privatizada, parte da população sofre com o desamparo. “Nesses países são poucos cidadãos – somente idosos e pobres abaixo da linha da pobreza – que têm acesso aos atendimentos médicos e às medidas de saúde coletiva. A maior parte da população deve buscar atendimento na rede privada, o que é extremamente oneroso e leva a população a sofrer com a desassistência absoluta”, explica.
Alves reflete que se não tivéssemos o SUS, possivelmente experimentaríamos uma saúde descoordenada no território nacional. “Diante das carências sociais brasileiras é importante saber que existe uma unidade de ações. Por exemplo, em campanhas de massa, a desunidade poderia produzir uma descoordenação delicada. Num país dessas dimensões é muito importante ter um sistema que consegue fazer com que pesquisas no Rio de Janeiro repercutam nas populações ribeirinhas do Amazonas. Essa unicidade no sistema é fundamental para a coordenação das ações.”
“Você sendo empregado, informal, aposentado, rico ou não, pode recorrer a ele” – Wedencley Alves -professor da Faculdade de Comunicação e coordenador do grupo Sensus de pesquisa em Comunicação e Saúde
Entretanto, apesar disso, Teles considera que, se o SUS tivesse sido mais abraçado pelos diferentes governos, profissionais de saúde e sociedade civil como um projeto de Estado, hoje poderíamos estar lidando com a epidemia de Covid-19 de forma diferente. “O que podemos observar é que o SUS não é priorizado como uma política social da magnitude que é. Ele é utilizado frequentemente como uma aparelhagem que atende ao clientelismo e fisiologismo político e aos interesses do capital que se perpetuam através da financeirização da saúde vinculada à dominância financeira de grupos empresariais. Ainda temos que colocar em pauta o esvaziamento assistencial em áreas remotas e vulneráveis, acentuado com a saída dos médicos cubanos e com a desarticulação do Programa Mais Médicos e os cortes do Bolsa Família”, conclui.
Para além do atendimento básico
O Sistema Único de Saúde se faz presente na vida de toda a população das mais variadas formas e transcende esse momento de emergência em saúde. De acordo com o coordenador do grupo Sensus, não há como desconsiderar a relevância do SUS, não só no atendimento hospitalar, mas em todas as suas funções. “A pesquisa em ciência tem forte participação do SUS. A vigilância sanitária, como a que fica em aeroportos fazendo a barreira sanitária brasileira – uma das melhores do mundo -, é o SUS. A formação de médicos e outros profissionais tem forte participação do SUS. Todos os hospitais universitários são SUS. Todos os hospitais públicos municipais, estaduais e federais são SUS. As campanhas de vacinação são SUS. O Samu é SUS. Médicos de família, clínicos, ou seja, ele é público, não é governamental. É impossível o mercado cobrir isso”, ressalta.
“Devemos lembrar que 80% da população brasileira dependem exclusivamente do SUS para as ações assistenciais. Sendo assim, o sistema é mais que fundamental”- Danielle Teles, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFJF
Capacitação e educação permanente
Criada em 2010, a Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) garante a disseminação de novos conhecimentos aos profissionais que atuam no sistema público. Essa é uma rede colaborativa formada por 34 instituições de ensino superior – incluindo a UFJF – que oferecem cursos a distância gratuitos. Atualmente, o sistema conta com mais de 250 cursos e dois milhões de usuários.
Sobre a Covid-19, a UNA-SUS já oferece uma página especial com cursos, documentos, vídeos e podcasts, voltados aos profissionais, que dão orientações não só sobre a doença, mas de como lidar com os pacientes, orientar o isolamento domiciliar, lidar com as notícias falsas e atuar com comunidades específicas, como os povos indígenas, por exemplo. Há também conteúdos voltados à população em geral.
A coordenadora da proposta de adesão da UFJF na UNA-SUS e gerente de ensino e pesquisa do Hospital Universitário da UFJF (HU-UFJF), Angela Gollner, evidencia a qualidade das capacitações oferecidas pelo sistema. “Os cursos disponibilizados são construídos de forma a propiciar a difusão de conhecimento para os mais diversos níveis de instrução – desde leigos a doutores. Existe uma preocupação em transmitir informação atualizada e com uma forma agradável, leve e atraente ao cursista, além de material acessível a qualquer tecnologia que o usuário possui”.