Se você espera um texto clássico sobre os efeitos positivos da meditação que leva à iluminação e à melhoria do mundo, talvez se decepcione. Respire fundo: há mais dúvidas e raras certezas em relação ao tema, conforme o viés científico, que pode não dar conta de todos os aspectos dos fenômenos humanos. O professor de psicologia da Coventry University (Reino Unido), Miguel Farias, que atuou como docente convidado da UFJF, em 2013, apresentou, nesta sexta, 13, uma análise crítica de estudos sobre benefícios e reações adversas da técnica. O resultado dessa avaliação foi discutido na conferência “Meditação, fatos e mitos”, que abriu o 3º Congresso Internacional de Saúde e Espiritualidade 2020 (Conupes). 

Segundo o professor, há evidências consistentes e comprovadas por meio do método científico sobre os benefícios da meditação para apenas três situações. Diferentemente do que é propagado, a técnica não levaria a um estado de consciência singular, especial, tampouco o mundo seria mais pacífico. A constatação rebate uma declaração do líder espiritual do Tibete, Dalai Lama, para quem, se todas as crianças de oito anos meditassem, a violência no mundo seria eliminada em uma geração.

“A meditação, particularmente a terapia da meditação “mindfulness” associada a técnicas cognitivas (terapia cognitiva) parece útil para pessoas que tenham depressão recorrente. Ou seja, tiveram pelo menos três episódios. Há também estudos que demonstram que há efeito moderado para pessoas com transtorno de ansiedade ou com dor crônica. Os resultados de estudos para outras situações são muito mais ambíguos e as evidências são mais fracas”, ressalta Farias.

Análise científica
Isso não significa que a meditação seja ineficaz ou, por outro lado, que ela se posicione como a solução dos problemas do mundo. O combate do professor e do método científico (que é um dos meios de apreensão da realidade) é contra afirmações categóricas ou falsas e contra estudos com imprecisões metodológicas, mas tomados como verdade, com implicações financeiras. “Há cada vez mais aulas e aplicativos de meditação. Por isso, é muito importante a ciência se debruçar para podermos entender bem não só os benefícios, mas a quem ela pode beneficiar, em que contextos particulares e com que tipos de problemas psicológicos ela pode ser útil ou não.”

Como então o pesquisador chega a essas afirmações que poderiam desanimar um praticante em dúvida sobre a meditação? Por meio da análise crítica da história da meditação, da consulta a outros especialistas, da verificação de estudos e, em alguns casos, da tentativa de replicação dos resultados. Quando respostas semelhantes não são obtidas na pesquisa replicada, o estudo original pode ser posto parcial ou totalmente em dúvida. 

Ao rever uma pesquisa com quatro mil participantes que praticaram meditação por oito semanas, em Washington (EUA), Farias verificou que houve redução no índice de roubos. Mas, por outro lado, aumento de 50% dos casos de homicídio no período testado. Esse dado, segundo o professor, foi omitido na pesquisa devido a uma chacina. 

E em um estudo, realizado pelo próprio pesquisador, com prisioneiros que meditavam, foram constatados benefícios cognitivos e redução do estresse, mas não houve declínio no nível de agressividade. A pacificidade – acrescenta o professor – não viria unicamente da meditação tal como há discursos que difundem essa solução isolada, pois a violência é um fenômeno complexo, provocado por inúmeras variáveis. 

Em relação à ativação ou desativação de áreas do cérebro durante um momento meditativo, o professor cita estudo indicador de maior ativação da área da ínsula média e anterior, que regula atenção, respiração e interocepção (capacidade de reconhecer sensações e estímulos internos). Essa ativação foi o ponto em comum entre várias técnicas meditativas, que tendem a ativar ou desativar áreas específicas. Uma hipótese é que, para relaxar, o praticante é solicitado a se concentrar na respiração, no posicionamento do corpo. Tal atitude poderia ser acionada por outras técnicas, estando a pessoa sentada como ouvinte em um congresso ou em outra ocasião. A percepção de si não seria exclusiva da meditação.

Mas quanto mais se pratica há um aprimoramento pessoal, psicológico? De novo, inspire e expire calmamente: há redução. Conforme o levantamento de estudos feito pelo pesquisador, ocorre diminuição das modificações morfológicas e psicológicas. “Há poucas evidências de redução de estresse e melhoria contínua de qualidade de vida. E não há evidências suficientes sobre melhora da atenção e de um humor positivo.”

Os detalhes sobre esses apontamentos podem ser consultados no livro “The Buddha Pill: Can Meditation Change you? (em tradução livre, “A Pílula do Buda: como a Meditação pode ou não mudar você”), de que Farias é co-autor. Está ainda previsto o lançamento de nova obra, no fim deste ano, com a cooperação de outros profissionais.

No site https://meditatinginsafety.org.uk/, organizado por uma ex-aluna do professor que teria entrado em depressão profunda após um retiro, são reunidos estudos e possíveis consequências negativas do ato de meditar. É um campo que, tal como os dos benefícios da prática, ainda carece de estudos mais robustos, segundo Farias. Há pesquisas que apontaram início de depressão. Mas também existem dúvidas se esses praticantes já estavam doentes antes da prática. 

História revisada
Outro mito, conforme o pesquisador, é sobre a afirmação de que muitas tradições filosóficas e religiosas têm o objetivo, por meio de técnicas como a meditação, de viver o “aqui e agora”, o presente. “Mesmo tradições orientais não dizem que o estar no “aqui e agora” seja um objetivo espiritual. Visam iniciar um estado futuro ou valorizar uma tradição passada. O presente pouco importa. O foco no presente é uma construção iniciada no século XIX.” Parte do que é difundido sobre meditação e yoga seriam construções mais recentes e não milenares. “Mais de 90% dos movimentos, as asanas na yoga, feitos hoje não tem mais do que cem anos”, disse.

Do mesmo modo, a meditação não foi criada apenas para buscar a transcendência espiritual. “As motivações para essas técnicas também variam muito. No taoísmo, há o desejo de perpetuar a vida, a saúde. No hinduísmo, há registros com o objetivo de se tornar fisicamente imortal.” De alguma maneira, a apresentação de estudos científicos vai ao encontro de algumas práticas meditativas: reduzir a criação de expectativas sobre um objeto como a solução dos problemas internos e externos. “De modo algum sou contra o uso da meditação no contexto terapêutico”, destaca. 

Conupes
O congresso continua neste sábado, 14, no Trade Hotel, com apresentações e minicursos sobre experiências de transe, quase morte, sonhos, terapias sociais e imagens mentais. O evento, com inscrições encerradas, é organizado pelo Núcleo de Pesquisas em Saúde e Espiritualidade da UFJF (Nupes).

Outras informações
conupes.com.br 

ufjf.br/nupes

meditatinginsafety.org.uk

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