Desde o início do ano e, com ele, as ocorrências de chuvas intensas em Minas Gerais, 211 cidades mineiras decretaram situação de emergência e cinco de estado de calamidade pública. São 71 mortes decorrentes dos estragos causados pelas chuvas e, de acordo com o boletim emitido pela Defesa Civil Estadual na última quinta-feira, 13, são mais de 26 mil pessoas desalojadas e aproximadamente 7,5 mil desabrigadas. Minas Gerais sobrevive em meio a crateras, lama e moradias destruídas. Nesta matéria especial, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) explicam como é possível evitar ou amenizar esses cenários, e quais são alternativas para recuperar as cidades e seus habitantes dos danos.
Falta planejamento urbano
Segundo o Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa sobre os Índices Pluviométricos em Minas Gerais, “a forte urbanização e a redução da cobertura vegetal verificadas no Brasil a partir da década de 70 fazem com que as chuvas de altas intensidades tragam grandes problemas às populações que ficam expostas às inundações, aos desabamentos e aos focos de doenças”. Um exemplo disso foi a canalização do córrego Leitão em Belo Horizonte, em julho de 1970, obra noticiada como um avanço – “cenas de enchentes, você nunca mais verá” foi a promessa da Prefeitura de Belo Horizonte em propaganda na época. Porém, as obras para fazer com que o córrego “desaparecesse” mudaram o seu curso natural e prejudicaram a permeabilidade do solo, dificultando a absorção da chuva.
A falta de planejamento urbano é um dos principais fatores que permitem que desastres como estes aconteçam. A habitação e a impermeabilização de áreas próximas a rios e córregos, além da ocupação de locações perto de encostas, não deixam saída para a água. “Precisamos nos ater à questão do adensamento – redução do volume do solo, resultante da expulsão de água – do crescimento urbano não planejado, excesso de impermeabilização do solo, desmatamento e expansão para as áreas rurais”, avalia a pesquisadora Luciane Tasca, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF e Presidente do Conselho Municipal de Política Urbana de Juiz de Fora.
Apesar de não estar entre as 211 cidades em situação de emergência, Juiz de Fora também sofre com as chuvas. Alagamentos e deslizamentos de terra foram registrados no bairros São Mateus, Santa Luzia, Mariano Procópio, Democrata e Graminha já no início de 2020. Como a maioria das cidades brasileiras, Juiz de Fora teve crescimento urbano rápido e sem planejamento. Segundo dados obtidos pela Tribuna de Minas em 2018, cerca de 130 mil pessoas vivem em áreas de risco na cidade. De acordo com levantamentos realizados pela Defesa Civil em parceria com o Corpo de Bombeiros e com a UFJF, foram identificados 299 locais de risco em Juiz de Fora, sendo que metade destas áreas oferecem risco alto.
Ruas esburacadas, lixo nos córregos e bueiros entupidos
Segundo o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora, o relevo de Juiz de Fora é predominantemente composto por morros e, associado ao clima – que, de outubro a abril, conta com temperaturas mais elevadas – e ao alto índice pluviométrico, ocasionam um cenário propício para processos erosivos e escoamento. Somada, ainda, à ocupação de áreas perto de encostas e de córregos e rios, a situação fica mais complicada.
Segundo a professora Luciane Tasca, o planejamento prévio para a manutenção de estruturas diretamente ligadas à água não é realizado com frequência na cidade – como as “bocas de lobo”, o esgotamento sanitário, as bacias de retenção e a dragagem de rios e córregos. “Estas questões são a pauta de uma estrutura de planejamento urbano que, infelizmente, não vem sendo cumprida e tem causado transtornos. Com a situação estabelecida, vemos que se torna mais difícil e oneroso para o poder público fazer as devidas correções e melhorias necessárias”, avalia. As consequências desta falta de planejamento são ruas esburacadas, lixo nos córregos e bueiros entupidos.
Plano de ação para recuperação da cidade
“Todas essas questões fazem parte das discussões do Plano Diretor e das agendas da Câmara Municipal na elaboração de Leis Urbanas, que devem ser mais conscientes e discutidas”, reforça Tasca. No artigo 20 do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora, inciso VII, o Município promete garantir “a vigilância e atualização permanente das áreas que apresentam riscos de enchentes e escorregamentos, com avaliação crítica do ponto de vista geotécnico no caso de encostas; e a elaboração e a implantação, em cada estação chuvosa, de programas preventivos e emergenciais, contendo as atribuições e as responsabilidades dos órgãos públicos, a forma de organização da população – núcleos de defesa civil – o modo de recuperação das áreas críticas e a maneira mais rápida de dar assistência às comunidades afetadas”.
Apesar da dificuldade e do alto gasto, a pesquisadora evidencia a necessidade da elaboração de um plano de ação, iniciando pela limpeza de bocas de lobo e dos córregos, atendimento à população atingida com mantimentos, moradia auxiliar e temporária, ou remoções. “Na cidade, a verificação das áreas de risco se faz urgente, com a realização das obras mais prementes, mediante verba federal que já foi disponibilizada. Depois o recomeço se faz pela recuperação do asfalto, das estradas de acesso às comunidades com obras de infraestrutura que já estão na pauta”, adiciona.
A necessidade de áreas verdes na cidade
Muitas áreas que, por muitos, são tidas como ornamentais ou apenas para lazer – como parques, praças e áreas verdes – são indispensáveis para garantir a permeabilidade do solo e o bem-estar da população, explica o pesquisador Klaus Alberto, professor do Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído da UFJF. “Um ponto fundamental que tangencia minhas pesquisas é o impacto da redução das áreas verdes urbanas no planejamento das cidades. Não só as áreas de preservação ambiental, mas principalmente as áreas verdes com as quais convivemos no dia a dia: praças, parques, ruas e mesmo as áreas permeáveis dos lotes urbanos”, aponta. Esses mesmos espaços contribuem diretamente para evitar a ocorrência de enchentes, uma vez que influenciam na absorção e evitam a canalização excessiva das águas de chuva para os rios.
No cotidiano, as áreas verdes também ajudam em outras esferas importantes para a população, como a redução da poluição no ar, visto que a superfície das árvores urbanas retém parte do material que é prejudicial aos pulmões humanos. E não para por aí: “estudos indicam que a convivência com áreas verdes cotidianamente contribui para o bem-estar e a qualidade de vida, reduzindo a presença de doenças mentais como depressão e ansiedade, além de reduzir a temperatura das áreas centrais, promovendo maior conforto para os habitantes”, estende o pesquisador Klaus Alberto. “O planejamento urbano deve considerar todos esses benefícios e, ainda, a estética agradável que esses espaços podem proporcionar.”