Se a ação destrutiva da onda de lama foi rápida, o mesmo não se pode dizer da reparação dos danos e da punição dos responsáveis pelo rompimento da barragem em Mariana. A tragédia completa quatro anos nesta terça-feira, 5. Para garantir os direitos dos atingidos e evitar que a história do desastre seja soterrada, como aconteceu com o distrito de Bento Rodrigues e 19 de seus moradores, uma rede formada por pesquisadores de universidades federais de Minas Gerais e Espírito Santo promove seminários anuais. O mais recente deles ocorreu nas últimas quinta, 31, e sexta-feira, 1º, no campus da Universidade Federal de Juiz de Fora em Governador Valadares (UFJF-GV).
Segundo uma das pesquisadoras, os afetados pelo rompimento da barragem são o foco dos seminários. “A ideia é que tenha a centralidade das pessoas atingidas, porque nós entendemos que elas são protagonistas da construção da solução para os problemas que foram criados. Esse seminário tem circulado em diversas localidades da bacia do Rio Doce para que tenha um envolvimento maior das pessoas atingidas”, afirmou Tatiana Ribeiro de Souza, do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (Gepsa) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
Para a professora da UFJF-GV, Luciana Tasse, além de colocar os atingidos no centro do debate também é importante a articulação entre eles. É que na opinião dela, essa mobilização coletiva é importante para obrigar as empresas responsáveis pela barragem a cumprirem o acordo. “Não individualizar, não fragmentar os pleitos, mas trazer essa atuação conjunta para forçar as empresas a contratarem finalmente as assessorias, que é um direito já conquistado, executar os programas e construir as próximas etapas de reparação, que ainda estão longe de acontecer”, explicou a integrante do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH).
Joceli Andrioli é do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ele acredita que para a solução do que define como um “crime” seja necessário o envolvimento de todos os segmentos ligados ao tema. “É muito importante uma articulação mais ampla com a academia, com os movimentos populares, com as entidades em defesa dos direitos humanos. As lutas ainda estão muito fragmentadas”, frisou. Andrioli destacou que essa mobilização é a melhor forma de enfrentar as empresas ligadas ao desastre. “A Vale tem muito mais estratégia, organização, poder econômico e controle do território para manter, quatro anos depois, a situação de um crime que ainda não foi punido e que as pessoas não foram reparadas. Na medida em que se faz um seminário para avaliação e balanço se apontam perspectivas no sentido de criar uma articulação cada vez mais unitária, com estratégias comuns para enfrentarmos esse poderio que é a Vale e a BHP na bacia do Rio Doce”, finalizou o líder do MAB.
As assessorias técnicas
O seminário deste ano é focado na implementação das assessorias técnicas, que vão trabalhar junto com os atingidos para a reparação dos danos. Por isso, a programação contou com uma parte dedicada ao público em geral, constituída de palestras e debates, e outra com oficinas voltadas aos técnicos que integrarão as assessorias.
“A expectativa é identificar se os gargalos que têm ocorrido na prestação e no desempenho das assessorias são comuns, se as características dos territórios permitem uma articulação entre as diferentes assessorias para que trabalhem de forma que a reparação integral seja respeitada em toda a bacia. As dificuldades e as estratégias das empresas são as mesmas em toda a bacia do Rio Doce. Da mesma forma, a gente pretende ter uma articulação no direito das pessoas atingidas”, afirmou Tatiana Souza. Todas as assessorias técnicas da bacia do Rio Doce já foram escolhidas pelos próprios atingidos.
O papel da universidade no debate
Cinco grupos de pesquisa de universidades federais são responsáveis por promover os seminários de balanço anual da tragédia de Mariana: Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH), Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas) e Centro de Direitos Humanos e Empresas (Homa), todos da UFJF; o Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (Gepsa), da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e o Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais (Organon), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Esses grupos integram a Rede de Pesquisa Rio Doce.
Na opinião de Tatiana Souza, fomentar ações em benefício dos atingidos é compromisso da universidade. “É importante que exista universidade pública e gratuita, porque pode realizar um trabalho técnico, oferecer os conhecimentos científicos que estejam a serviço da sociedade, do meio ambiente e da natureza. Muitas entidades e atores envolvidos no processo de reparação têm interesses econômicos e a gente entende que a universidade pública pode se envolver de forma a trabalhar para que os interesses sociais e da natureza sejam preservados. Por isso, nós entendemos que a universidade tem que assumir um lado, o da sociedade e que, nesse caso, é o lado das pessoas atingidas”, insistiu.
O mesmo defende Diogo Mendes Rodrigues, da Pró-Reitoria de Extensão (Proex) da UFJF. Segundo ele, “é fundamental manter essa discussão porque temos que lutar pelos direitos e condições mínimas e necessárias dos atingidos, construir ações com eles para proporcionar melhores condições de vida para essa população”.
Desde o rompimento da barragem em Mariana, a Proex desenvolve uma série de projetos voltados para as comunidades afetadas pelo desastre. Eles compõem o Programa Boa Vizinhança Rio Doce. As ações concentram-se nas áreas de saúde, meio ambiente e qualidade da água.