Um dos principais teólogos e escritores em atividade no Brasil, o filósofo Leonardo Boff vem à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) nesta sexta-feira, dia 30, para ministrar a palestra e lançamento do livro “Leonardo Boff: reflexões de um velho teólogo e pensador.” A apresentação acontece no auditório do Instituto de Ciências Humanas (ICH), com início programado para as 10h30 e aberto para todos os públicos.
O teólogo já estará na cidade participando do evento “Rubem Alves e a Teologia da Libertação”, na quinta-feira, dia 29, discutindo a influência do escritor Rubem Alves, natural de Boa Esperança (MG), na corrente teológica. Tanto a palestra quanto o simpósio são organizados pelo departamento de Ciência da Religião.
Sobre Leonardo Boff
Doutor em Teologia pela Universidade de Munique, Boff iniciou sua vida na igreja católica em 1958, quando ingressou na Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco de Assis. Em 1964, foi ordenado sacerdote e, mais tarde, passou a lecionar aulas de teologia no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Enquanto sacerdote, a carreira de Boff foi marcada por conflitos com lideranças da igreja, principalmente com o Cardinal Joseph Ratzinger, mais tarde nomeado como Papa Bento XVI. As divergências resultaram em sanções a Leonardo, que foi condenado em 1985 a um ano de “silêncio obsequioso” – impedimento de pregação ou publicação de textos – por “pensamentos dissonantes com a doutrina da Igreja Católica” presentes em seu livro “Igreja: carisma e poder”, originalmente publicado em 1981.
As constantes oposições entre as autoridades eclesiásticas e Boff o levaram a pedir dispensa do sacerdócio e a se desligar da Ordem Franciscana em 1992. Desde então, o teólogo tornou-se professor emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); assessorou e acompanhou movimentos sociais ao redor do Brasil e publicou mais de 6o livros. Dentro do campo da teologia, Boff é tido como um dos precursores da corrente de pensamento cristã conhecida como “Teologia da Libertação”, sendo uma das lideranças que introduziu a ideologia no Brasil. Durante toda sua carreira eclesiástica e após seu desligamento da Igreja, Boff dedicou-se à disseminação e à concretização do pensamento entre os meios religiosos e nas comunidades ao redor do país.
Teologia da libertação
Principal fundamento do pensamento de Boff, a Teologia da Libertação é uma corrente teológica cristã criada na América Latina, em 1971, com a publicação do livro “A Teologia da Libertação”, do padre peruano Gustavo Gutiérrez. Influenciada por outras obras de pensadores teológicos, como o livro “Uma teologia da esperança humana”, de Rubem Alves, o pensamento parte da premissa de que o Evangelho estabeleceria a escolha prioritária pelos mais pobres. A Teologia da libertação baseia-se na ação conjunta entre as ciências humanas e sociais a fim de transformar as realidades de pobreza e exclusão através da reflexão e do pensamento teológico.
Os ideais da teologia entendem os ensinamentos de Jesus Cristo como uma libertação das injustiças políticas, sociais e econômicas. Na visão do movimento, os pontos da teologia moderna seriam eurocêntricos e desconectados da realidade dos países periféricos. Por conta de suas críticas ao poder da igreja, a teologia da libertação recebeu sanções e posições contrárias por parte do alto escalão da Igreja Católica.
Uma das vertentes do pensamento defendida por Boff é a “Ecoteologia da Libertação”, que atua principalmente com questões relacionadas à sustentabilidade e a favor dos direitos de grupos indígenas. Esta corrente entende o planeta Terra como o grande pobre, sendo devastado constantemente devido às ações do homem. Em crítica constante a uma ideia de “progresso infinito”, a ecoteologia de Boff surgiu ainda nos anos 80, quando o teólogo percebeu uma escalada perigosa da “violência contra a mãe-terra.”
Em entrevista ao Portal da UFJF, o teólogo abordou questões sobre as perspectivas da teologia da libertação, suas impressões do atual Papa e os desafios da ecoteologia no atual contexto.
Portal UFJF – Estamos assistindo, nos últimos anos, a um aumento exponencial do conservadorismo ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Frente às perspectivas da Teologia da Libertação e à proposta de uma horizontalidade das relações humanas, como o senhor enxerga este aumento do fundamentalismo na política e na sociedade brasileira? Como a Teologia da Libertação se porta frente a esse crescimento do conservadorismo? Quais as perspectivas da corrente teológica para o futuro em face deste panorama?
– O atual fundamentalismo político é uma derivação da crise econômica mundial ocorrida em 2008 e de uma muito maior que, segundo sérios analistas mundiais e também do Brasil, será muito terrível. Quem governa o mundo não são os políticos. São as grandes corporações e seus interesses de acumulação ilimitada. Mas estão se dando conta de que há um excesso de dinheiro especulativo circulando no mundo – alguns trilhões – e sem base real com os limites da Terra. A Terra como um planeta limitado não suporta ecologicamente um projeto de acumulação ilimitado, feito à base da exploração da natureza e dos povos. A reação é concentrar riqueza e, junto, concentrar o poder. O capitalismo sempre se deu bem com as ditaduras e regimes autoritários. A direita e a extrema direita são úteis para o sistema dominante. No caso do Brasil, os ricos, com a crise, ficaram 3% mais ricos e os pobres 20% mais pobres. Bolsonaro ficará no poder enquanto o mercado, vale dizer, as oligarquias endinheiradas o considerarem útil para a sua acumulação. Caso contrário, o substituirão por outro. A Igreja da libertação com sua teologia acompanha preocupada esse curso e se coloca decididamente contra as políticas restritivas e anti-povo do atual governo de extrema-direita. E participa da resistência e mais que tudo oferecendo nas bases alternativas de produção e de trabalho de forma que positivamente enfrentam a crise.
“O capitalismo sempre se deu bem com as ditaduras e regimes autoritários. A direita e a extrema direita são úteis para o sistema dominante”
– Um dos temas que o senhor mais vem trabalhando nos últimos anos diz respeito à questão ambiental. Recentemente, o Brasil assistiu a um aumento significativo no número de queimadas em um de seus maiores patrimônios, a Amazônia, além de uma descrença por questões ligadas às minorias indígenas, por exemplo. O governo brasileiro, no entanto, indica pouca preocupação com a questão ambiental, relegando-a a um papel secundário em sua governabilidade. Como a ecoteologia, que prega o planeta terra como sendo o “grande pobre”, enxerga as perspectivas ambientais nesta nova realidade? Quais as saídas para termos uma retomada da agenda ambiental?
– O atual governo e as bases que o sustentam, vale dizer, a coligação da oligarquia nacional articulada com a internacional não possuem nenhum interesse na Ecologia porque obrigaria a estas bases a mudar seu modo de produção, de exploração e de consumo. Isso significaria a ruína de todo o sistema. Mas a crise ecológica é fatal. O aquecimento global e crescente escassez de água potável e a violência implícita na nova guerra-fria entre os Estados Unidos e a China podem levar-nos a uma grande catástrofe ecológico-social. O sistema atual, que visa exclusivamente a acumulação de bens materiais à custa de suas injustiças: uma [injustiça] ecológica, exaurindo os bens e serviços da natureza; e a outra, a injustiça social, com a criação de milhões e milhões de pobres, poderá produzir conseqüências desastrosas para toda biosfera, atingindo a espécie humana. Valem as palavras, pouco antes de morrer, de Sigmund Bauman: “Temos mais problemas que soluções, mais desafios sem saber como enfrentá-los. Ou nós nos damos as mãos e nos unimos para salvar a vida ou engrossaremos o cortejo daqueles que rumam na direção de sua própria sepultura”. O Papa declarou recentemente, “a Terra está numa situação de emergência mundial”, tão graves são os eventos extremos que denotam que a Terra perdeu seu equilíbrio. Está buscando um outro que poderá cobrar um custo altíssimo em vidas, inclusive de vidas humanas. A saída é mudarmos nossa relação para com a natureza e a Terra. Até agora estávamos exilados da natureza e da Terra, colocando-nos em cima delas para dominá-las. Essa posição do “dominus” (dono) nos está levando à atual crise. Devemos mudar de paradigma, a do “frater” (irmão), sentimo-nos parte da natureza com a missão ética de cuidar da natureza e da Terra. Exige-se uma conversão ecológica radical se quisermos evitar o pior.
“Papa Francisco hoje é o maior líder político e ético da humanidade”
– Em suas análises a respeito da igreja católica, o senhor teve discordâncias significativas sobre os últimos papas e seus modos de administração e aproximação da fé. No entanto, o senhor relatou em algumas entrevistas uma visão mais otimista acerca do Papa Francisco. O que o atual pontífice propõe que o faz enxergá-lo de maneira distinta de seus predecessores? Há, no atual papa, uma nova maneira de observar a igreja e sua aproximação com os fiéis?
– O atual Papa foi o dom salvador que Deus enviou ao mundo e à Igreja. Ele hoje é o maior líder político e ético da humanidade. Ele vem do caldo cultural da teologia da libertação de versão argentina que era a libertação do povo oprimido e [da libertação] da cultura silenciada. Levou esse propósito para o centro da Igreja. De imperial passou a serviçal. De castelo fechado contra os riscos do mundo moderno, a um hospital de campanha que acolhe a todos sem perguntar sobre sua situação, pois se trata de salvar vidas. Esse Papa se funda no cristianismo originário, do seguimento de Jesus. Não uma igreja de doutrinas e dogmas mas uma Igreja em saída para as periferias sociais e existenciais. Jesus não veio fundar uma nova religião. Haviam muitas no Império Romano. Ele veio, diz o Papa, para ensinar-nos a viver em amor, em solidariedade, em misericórdia e em compaixão. Estes são os valores contidos em seu sonho do Reino de Deus. Para mim, ele recupera a Igreja como um valor humanitário universal. Ninguém poderá ser contra a mensagem. Por isso, há um reconhecimento mundial ao lado de opositores que são contra porque estão satisfeitos com este mundo de divisões e de anti-vida. São insensíveis e sem piedade face ao sofrimento da humanidade oprimida. Mas sua mensagem é perene. E o futuro da humanidade caminhará nesta direção, apontada por ele, se ainda quiser ter futuro.