Em continuidade à agenda de atividades, a III Semana Rainbow da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) recebe nesta sexta-feira, dia 16, o deputado federal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL – RJ), David Miranda, para seminário sobre “Relações de Gênero e Sexualidades”. A palestra acontece no anfiteatro do Instituto de Ciências Humanas (ICH), às 19h, com entrada franca e lotação sujeita à capacidade do local.
Nascido na favela do Jacarezinho, David Miranda iniciou sua carreira política nas eleições municipais do Rio de Janeiro em 2016, quando concorreu para vereador e foi eleito como um dos seis candidatos de seu partido para o posto. Miranda foi o primeiro vereador assumidamente homossexual da história da cidade a assumir cadeira na casa. Em 2018, foi candidato a deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, recebendo mais de 17 mil votos e ocupando o posto de primeiro suplente da coligação PSOL – PCB. Com a decisão do deputado Jean Wyllys de não assumir seu mandato, David tomou posse em 1º de fevereiro de 2019.
Com uma história de luta em prol das minorias, principalmente comunidades negra e LGBTQI+, David é um dos membros do congresso que mais atuam para a resolução do assassinato de Marielle Franco, sua colega pessoal e de partido. Recentemente, o deputado foi escolhido pela revista americana “Times” como uma das lideranças políticas da nova geração.
Em entrevista ao Portal da UFJF, o deputado abordou questões sobre a comunidade LGBTQI+ e a importância das instituições federais para a manutenção da liberdade brasileira.
Portal UFJF – Recentemente o STF criminalizou a homofobia como crime de racismo. Diante disto, o senhor considera a decisão um avanço, por representar uma proteção ao público LGBTQI+, ou uma evidência de um retrocesso da pauta da diversidade, pela ameaça a que os LGBTs estão sujeitos?
David Miranda – O Estado tem que proteger os grupos vulneráveis à violência no país. Uma lei para penalizar essas condutas serve para mostrar aos praticantes do crime que o ódio não será mais tolerado e que o Brasil precisa superar a violência que nos consome e mata. A decisão do STF ocorreu por termos uma demora muito grande do Legislativo em tratar o tema, onde projetos sobre a questão vêm sendo engavetados. Paralelamente a isso, vamos continuar nos empenhando no Congresso pela criação de leis e por políticas públicas que efetivem a educação e a conscientização na sociedade por um Brasil menos LGBTfóbico.
No dia 13 deste mês, o senhor, juntamente com outros agentes políticos, apresentaram um requerimento (REQ 224/2019 CE) solicitando a realização de debate sobre a perseguição política nas instituições de ensino superior no Brasil e o direito à livre expressão do pensamento e à liberdade de cátedra. O que o senhor espera das Universidades, no tocante ao combate ao fundamentalismo? A 3ª Semana Rainbow, promovida pela UFJF, seria uma oportunidade e/ou uma maneira de garantir a liberdade de expressão? Qual sua avaliação?
“Não podemos aceitar nem grandes nem pequenas ações discriminatórias.
Vivemos em uma democracia, temos o direito à liberdade do pensamento político, previsto na Constituição Federal, nossa maior Lei. O mais importante é resistirmos” – David Miranda
– A educação democrática está sendo vítima de muitos ataques. De início, os representantes do conservadorismo-fundamentalista inventaram o absurdo termo “ideologia de gênero”; depois, espalharam que os debates sobre diversidade e Direitos Humanos eram para “incentivar os alunos a serem gays”. Outras fake news na área da Educação foram introjetadas na cabeça de muitos brasileiros. O debate na Câmara é muito importante para vislumbrarmos um caminho em defesa da diversidade sexual e de gênero.
Este ano, enfrentamos duas fortes censuras em Brasília nas comemorações LGBTI+. Um painel em homenagem aos 50 anos de Stonewall foi impedido de ser exposto durante a Semana do Orgulho LGBTI+ na Câmara dos Deputados. Disseram que foi em função do uso do termo “Tempos obscuros”. Solicitei a iluminação nas cores do arco-íris na fachada do Congresso, como aconteceu, a meu pedido, na Câmara do Rio, quando eu era vereador, e não atenderam a minha solicitação. Denunciamos tais atos de censura, inclusive na imprensa. Não podemos aceitar nem grandes nem pequenas ações discriminatórias.
Vivemos em uma democracia, temos o direito à liberdade do pensamento político, previsto na Constituição Federal, nossa maior Lei. O mais importante é resistirmos. É denunciarmos, participarmos de manifestações e estarmos sempre fazendo reflexões sobre como enfrentar e sair desse perigoso retrocesso. Unidos criamos músculo, nos fortalecemos. A Semana Rainbow é uma atividade de extrema relevância para a nossa luta.
“Temos sempre que enfrentar essa violência. O futuro está na nossa liberdade de expressão e na nossa mobilização. Não podemos calar nem nos dispersar” – David Miranda
Em 2016, o senhor se tornou o primeiro vereador homem assumidamente homossexual da história do Rio de Janeiro. Como o senhor encara essa representatividade tardia da comunidade LGBTQI+ na política e como enxerga as perspectivas para o futuro?
– A abertura da ditadura para a democracia foi um componente importante para a população começar a respeitar a diversidade, uma vez que a sociedade passou a ter liberdade para avançar com a cultura da cidadania. Então, surgiram as primeiras Paradas do Orgulho Gay. Mas, mesmo com os avanços, lamentavelmente, continuamos sendo o país que mais mata LGBTI+.
Quando ocupei a cadeira de vereador do Rio, em 2017, me tornei o primeiro parlamentar carioca assumidamente LGBTI+. Enfrentei situações homofóbicas no plenário do parlamento de uma das cidades mais avançadas em termos de costumes do Brasil. E, toda vez que isso aconteceu, fiz denúncias na imprensa, na tribuna, nas reuniões, em debates. Temos sempre que enfrentar essa violência. O futuro está na nossa liberdade de expressão e na nossa mobilização. Não podemos calar nem nos dispersar.
No Projeto de Lei 3.741/2019, o senhor propõe formação de professores e gestores de educação para combater a violência contra o público LGBTQI+. A Educação, como processo formador, tem se eximido de pontos fundamentais de combate ao preconceito? Falta algum incentivo?
-É obrigação do Estado orientar as gerações de jovens a serem menos violentas, agressivas e preconceituosas, requisito básico do processo civilizatória da história da humanidade. Esse projeto, apresentado junto com duas deputadas do Psol – Fernanda Melchionna e Sâmia Bonfim -, cria o programa Escola sem Discriminação. Neste sentido, há também o meu primeiro projeto de lei (nº 2.653/19) apresentado na Câmara Federal, que prevê medidas protetivas para a população LGBTI+, semelhantes às da Lei Maria da Penha. A iniciativa cria mecanismos para proteger pessoas em situação de violência baseada na orientação sexual, na identidade de gênero, na expressão de gênero ou características biológicas e sexuais. Como parte das garantias de proteção, quando constatada a prática de violência a uma pessoa por ser LGBTI+, a autoridade policial deverá imediatamente assegurar auxílio a quem foi ofendido e fornecer transporte a abrigo quando houver risco de vida. O projeto 2.653/19 também determina a ampliação de ações educativas – a meu ver as mais eficazes – para o combate dos preconceitos. São previstas a realização de campanhas de conscientização e de debates com vários setores da sociedade, e a criação de programas e treinamento de agentes públicos com a perspectiva de eliminar comportamentos discriminatórios. Sabemos que medidas protetivas e educativas salvam vidas. E, como representante dessas vozes no Congresso Nacional, vou lutar por isso.