A comunidade da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF – Campus Sede e Campus Governador Valadares) amanheceu perplexa no dia 30 de abril, diante da informação de que os recursos de três universidades federais (UFF, UFBA e UnB) estariam com cortes de 30% em seus orçamentos, assim como a própria UFJF estaria “sob avaliação”, segundo declarações do Ministro da Educação, sr. Abraham Weintraub. No dia 30 de abril, foi identificado bloqueio nos recursos da UFJF, indicando que o MEC havia decididamente aprofundado o cerco às universidades.
Dada a repercussão negativa na opinião pública de uma “avaliação” eivada de “viés ideológico”, o que reporta a práticas autoritárias e intimidadoras, a noite do dia 30 trouxe outra novidade: todas as federais teriam bloqueio orçamentário. Segundo declarações do secretário de educação superior, Arnaldo Barbosa de Lima Jr, tal decisão teria sido motivada pelo cenário econômico, que poderia melhorar com a aprovação da reforma da previdência.
Na escalada das ações contra a universidade brasileira, o dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, amanheceu com declarações ainda mais contundentes do Ministro da Educação, de que haveria corte de recursos dos pesquisadores e dos programas de pós-graduação com pesquisas financiadas, que tivessem [sic] “viés ideológico”. Somando-se a isso, há menos de uma semana, foi declarado que a Filosofia e a Sociologia seriam de menor importância para a sociedade brasileira e foram apontados cortes de recursos direcionados a essas áreas. O próprio ministro, em outra manifestação na semana em que ele “declara guerra” às universidades públicas, defendeu que estudantes gravassem aulas com propósitos intimidadores, incentivando o clima de medo e de delação, outra prática recorrente de regimes autoritários. Ainda não satisfeito, o sr. Ministro Weintraub passou a contrapor a educação básica e creches ao ensino superior, fazendo uso de informações sem qualquer embasamento técnico sobre custo-aluno em cada nível, denotando pouca intimidade com dados e estruturas educacionais e incentivando uma contraposição que não faz sentido na gestão pública.
Da perplexidade inicial, rapidamente a comunidade da UFJF e das federais ao longo do país passou à indignação. Em uma semana, a autonomia didático-científica da Universidade (expressa no artigo 207 da Constituição) foi violada mais de uma vez: o corte de recursos asfixia o sistema e o enfraquece, a delação e as pressões políticas parecem se estabelecer como prática, a perseguição (devido à “balbúrdia”, expressão ministerial que estampou a manchete do jornal “O Estado de SP”), uma tônica. Como se não bastasse, o Ministério da Educação vem dando mostras de desapreço à ciência, à inovação, ao pensamento livre, renunciando em contar com as Universidades como elemento central para o desenvolvimento brasileiro. Seria impensável a qualquer país, com o conjunto de universidades públicas existente no Brasil, que elas fossem atacadas, sucateadas e não encaradas como essenciais ao próprio fortalecimento da nação. O desprezo pelo trabalho da comunidade universitária, a submissão aos interesses externos e o abandono de qualquer estratégia de desenvolvimento ajudam a explicar essas ações. Mas não apenas: sem capacidade de interlocução com o mundo acadêmico, com o universo científico, com o campo educacional e com a pluralidade de ideias, o MEC, por seu representante maior, utiliza-se de argumentos ideológicos para restringir as liberdades, escudado em conceitos estranhos à razão e esgrimados em palanques eleitorais, falas destemperadas e redes sociais, alimentando o ódio e um clima de mobilização para seu próprio eleitorado, como se em campanha estivéssemos. O coroamento da tática governamental, ainda no melhor estilo autoritário, é a eleição de um inimigo para os “males da nação”: no presente caso, a universidade pública e seus trabalhadores. As universidades públicas, ao contrário das manifestações do MEC, são responsáveis por mais de 90% das pesquisas realizadas, com elevada taxa de avaliação na graduação no país e atendendo milhões de pessoas em programas de extensão. Ainda assim, a cada dia, enfrentamos recursos escassos e ofensas governamentais.
A UFJF, em particular, tem 86% de seus cursos avaliados com conceito 4 ou 5 no Enade (entre 2015 e 2018) e conceito institucional 4 do Inep, atendendo, no ano passado, 19.829 alunos (eram 13.398 em 2013). Na pós-graduação, eram 23 os cursos de mestrado e nove de doutorado em 2009, sendo hoje, 10 anos depois, 46 cursos de mestrado e 25 de doutorado. Não foi apenas um crescimento quantitativo, mas também em aspectos qualitativos: no triênio 2007-2010, considerando os programas, 8 obtiveram nota 3, 13 nota 4 e 2 nota 5; em 2019, 13 somam nota 3, 23 nota 4 e 10 nota 5. A produção científica cresceu acima da média nacional: na última década, avançou 127%, chegando a 1,28% da produção nacional (base de dados Scopus), sendo a 33ª na produção científica nacional, entre cerca de 2 mil instituições, crescendo 35% nos últimos cinco anos. Na extensão universitária, em 2009, havia 240 programas e projetos, com 340 bolsistas e 302 docentes envolvidos; 10 anos depois (2019), houve crescimento exponencial, com 575 programas e projetos, 876 bolsistas e 723 docentes, regiamente regulados por editais.
Em 2009, havia um público previsto em cursos e eventos de extensão de 1.125 pessoas, número que cresce em 2019 para uma estimativa, considerando a abertura do Centro de Ciências e do Jardim Botânico para a comunidade juizforana e da região, de 62 mil pessoas nos dois campi da UFJF. A Universidade administra significativos equipamentos culturais em Juiz de Fora, atendendo toda a comunidade regional. Da mesma forma, gerou 30 novas empresas, incentivando a inovação, a criação de empregos e a arrecadação tributária, além de fomentar a transferência de tecnologia e o empreendedorismo. Ademais, presta atendimento de excelência à população nas áreas mais diversas, como saúde, educação básica e direito.
A UFJF tem reconhecimento regional e impacto nacional: para o ranking da Folha, a UFJF é a terceira de MG e a 23ª universidade brasileira (2017 e 2018) entre 196 instituições, ocupando a oitava posição nacional em internacionalização; no ranking da U.S. News World Report, é a 2ª de MG e 14ª no Brasil, 29ª na América Latina e figura entre as mil melhores universidades do mundo. Independente do debate sobre os rankings, que possuem grande variação e diferentes metodologias, a UFJF aparece com dados significativos.
A relevância da universidade pública brasileira é incontestável, assim como sua importância social e econômica, sendo referência local, regional e nacional. Por tudo isso, é preciso a reação não apenas das universidades, mas de entes públicos e da sociedade civil, que possam conclamar ao retorno do Estado de Direito, ao respeito à autonomia universitária, à garantia do exercício profissional. O Ministro da Educação parece desconsiderar o capítulo da Constituição no qual as universidades estão inseridas e o grande legado de 1988, os direitos sociais. Quando a fonte simbólica do conhecimento e da diversidade, a universidade pública, é ameaçada com perseguição ideológica, utilizando a asfixia orçamentária como método, é hora de uma aliança em nome da civilização, da ciência e da inteligência, do respeito à diferença e à liberdade. É imperativo reafirmar nossos valores em defesa do ensino público, gratuito, laico, de qualidade e plural, garantida a autonomia didático-científica, em um clima de liberdade intelectual e respeito à diversidade. Esta luta é de todos os brasileiros e todas as brasileiras, e a universidade pública é parte relevante nesta quadra. As universidades federais são parte do Estado e, como patrimônio do povo brasileiro, devem ser defendidas e respeitadas.